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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Anna: Um Coração Entre Duas Terras



Anna: Um Coração Entre Duas Terras

Anna já tinha 19 anos quando embarcou com seus pais, Giuseppe e Maria, e seus dois irmãos mais novos, Carlo e Lucia, rumo ao desconhecido Brasil. A decisão de deixar Grignano Polesine, um pequeno e quase esquecido vilarejo na província de Rovigo, não foi fácil, mas tornou-se inevitável. O Vêneto, assolado por uma sequência de colheitas ruins e crises econômicas, já não oferecia sustento. A terra, dividida em pequenos lotes que mal rendiam o suficiente para alimentar uma família, não era capaz de acompanhar o crescimento populacional. 

Na casa modesta em que viviam, o frio do inverno entrava pelas frestas, e o calor do verão trazia consigo o cheiro agridoce do esforço agrícola que raramente era recompensado. Giuseppe, um homem de mãos calejadas e olhar esperançoso, passava as noites conversando com Maria sobre as cada vez mais frequentes histórias que corriam pelo vilarejo: terras vastas e férteis no Brasil, onde as famílias poderiam começar uma nova vida.

"Uma chance para os nossos filhos", ele dizia, olhando para Anna, Carlo e Lucia, enquanto Maria costurava, tentando esconder as lágrimas que escorriam silenciosamente. Apesar de suas reservas, ela sabia que permanecer significava assistir a família definhar lentamente. 

A viagem foi planejada às pressas, com os poucos recursos que tinham. Venderam os parcos pertences, guardaram as economias em um pequeno baú de madeira, e seguiram de trem até o porto de Gênova. Cada despedida no vilarejo era marcada por um misto de dor e esperança. Anna, embora jovem, já compreendia o peso daquela jornada. O olhar dela, fixo no horizonte, refletia uma mistura de ansiedade e determinação.

A bordo do navio, a realidade da decisão começou a se revelar. As condições eram precárias, com espaço limitado, alimentos racionados e o mar, imenso e intimidador, estendendo-se até onde os olhos podiam alcançar. Ainda assim, havia algo no brilho dos olhos de Giuseppe e na coragem silenciosa de Maria que mantinha a esperança viva. 

Anna sabia que aquela travessia era mais do que uma viagem física: era uma passagem para o desconhecido, uma ruptura com o passado e uma promessa de futuro. Enquanto o navio balançava ao ritmo das ondas, ela segurava firme a mão de Lucia, sussurrando histórias para distrair a irmã mais nova dos temores que também habitavam seu coração.

No silêncio da noite, deitada em um canto do convés, Anna olhava as estrelas e imaginava como seria a nova terra, com suas promessas de campos verdes, novos desafios e talvez... novas alegrias. Era uma partida dolorosa, mas também o primeiro passo em direção a um sonho que, mesmo distante, começava a tomar forma.

A travessia foi dura. Durante semanas confinados no porão do navio, enfrentaram o frio, a fome e as doenças. Anna ajudava a cuidar dos irmãos e dos outros pequenos que adoeciam durante a jornada. Finalmente, chegaram ao Brasil, onde foram levados para uma colônia agrícola em uma região isolada do interior do Paraná.

Os primeiros dias na colônia foram marcados pelo trabalho incessante. A terra, coberta por mata densa, precisava ser desbravada. Anna, ao lado de seus pais, trabalhava sem descanso, mas ainda encontrava tempo para organizar momentos de convivência com as outras famílias. Sabia que, em meio à dureza do novo lar, era importante cultivar a esperança.

Certo dia, durante uma celebração comunitária na pequena capela improvisada da colônia, Anna conheceu Pietro, um jovem com cerca de 25 anos, que havia chegado alguns meses antes com a mãe e três irmãos. Pietro era marceneiro, uma habilidade que aprendera com o pai, falecido a pouco tempo, e sua presença era valiosa na colônia, pois sabia construir móveis e ajudar a erguer as casas de madeira.

Anna e Pietro se aproximaram durante os encontros na capela e nas festas organizadas pela comunidade. Pietro era um jovem gentil e trabalhador, e seu jeito calmo conquistou Anna. Nas poucas horas de descanso, ele ensinava Anna e outras pessoas a usar ferramentas simples, o que ajudava na construção das casas. Pietro também era conhecido por sua habilidade em esculpir imagens religiosas, algo que o tornava querido pelo padre e pelas famílias da colônia.

Com o tempo, Pietro começou a ajudar a família de Anna na construção da sua casa. Durante esses dias, os dois trocavam confidências e risos. Ele contava histórias sobre sua terra natal, um pequeno comune próximo de Padova, enquanto Anna falava com saudade das noites tranquilas em Grignano Polesine.

A amizade logo se transformou em algo mais. Pietro, em suas visitas à casa da família de Anna, mostrava-se cada vez mais interessado na jovem. Giuseppe, o pai de Anna, aprovava o rapaz, vendo nele um homem digno e trabalhador, capaz de construir um futuro ao lado de sua filha.

O namoro entre Anna e Pietro trouxe alegria à vida dura da colônia. Eles sonhavam com um futuro juntos, mas sabiam que o caminho seria cheio de desafios. Anna, sempre determinada, encontrou na companhia de Pietro uma força renovada. Juntos, ajudaram a organizar a colônia, promoveram eventos comunitários e incentivaram a alfabetização entre os mais jovens.

Aos poucos, Anna e Pietro começaram a construir sua própria casa, um pequeno lar rodeado pelas plantações de milho e feijão que cultivavam com as próprias mãos. A casa, com móveis simples feitos por Pietro, tornou-se um símbolo de sua união e do sonho compartilhado de prosperidade em uma terra tão distante de suas origens.

A vida na colônia permanecia repleta de desafios. As saudades da terra natal se manifestavam como um vazio constante, ecoando nos silêncios das noites e nos suspiros que escapavam durante os dias de trabalho árduo. As doenças, implacáveis, ceifavam vidas e testavam os limites da resistência de cada colono. O isolamento, por sua vez, ampliava as dificuldades, tornando cada jornada até os vizinhos um esforço monumental e cada carta recebida da Itália uma preciosidade capaz de reacender tanto a alegria quanto a saudade.

Mas, em meio a esse cenário de provações, Anna e Pietro encontraram força no amor que os unia. Não eram apenas os campos que cultivavam; era também a esperança que se renovava a cada amanhecer, o sentimento de pertença que crescia ao redor de uma mesa compartilhada, e a solidariedade que florescia entre aqueles que enfrentavam as mesmas batalhas. Com cada colheita, por mais modesta que fosse, erguiam não apenas sustento para suas famílias, mas também a certeza de que suas raízes começavam a se fixar em terras antes desconhecidas. Com suas mãos calejadas e corações determinados, ajudaram a moldar uma comunidade onde antes havia apenas mata e incerteza. E assim, juntos, Anna e Pietro provaram que a força do espírito humano não apenas sobrevive às adversidades, mas as transcende, permitindo que a vida floresça mesmo onde parecia impossível. A colônia, com suas dificuldades e conquistas, tornou-se um testemunho vivo do poder da união, do trabalho e da fé em um futuro melhor.


Nota do Autor


O trecho apresentado aqui é um resumo do romance "Anna: Um Coração Entre Duas Terras", uma obra que mergulha nas complexas emoções e escolhas de uma jovem italiana, Anna, que enfrenta os desafios de deixar sua terra natal em busca de um novo começo no Brasil. Entrelaçando os laços da cultura, das tradições e das memórias, a narrativa reflete a luta interna de Anna, dividida entre o amor pela Itália que deixou para trás e a esperança em construir uma nova vida em terras desconhecidas. Este romance é um tributo aos imigrantes, às suas jornadas cheias de sonhos, sacrifícios e saudades, e uma celebração da força de um coração que aprende a pulsar entre duas terras, duas culturas e dois amores. Que cada leitor encontre, em Anna, um reflexo da coragem humana frente ao desconhecido e a beleza das raízes que nos conectam ao que somos.

Com carinho,

Piazzetta

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

O Risorgimento: como nasceu a Itália moderna e o que isso tem a ver com o êxodo dos nossos nonos

 


O Risorgimento: como nasceu a Itália moderna e o que isso tem a ver com o êxodo dos nossos nonos

Entre 1815 e 1870, a península italiana viveu uma das transformações mais profundas de sua história: o Risorgimento — o movimento político, social e cultural que unificou a Itália após séculos de fragmentação e dominação estrangeira. Foi um processo marcado por guerras, ideais, diplomacia e contradições que, ao mesmo tempo que criaram um novo Estado, também lançaram as bases para a grande emigração italiana, que levaria milhões de pessoas ao Brasil, à Argentina e a tantos outros destinos.


A Itália antes da unificação

Após a derrota de Napoleão e o Congresso de Viena (1815), a península foi repartida entre potências estrangeiras e famílias dinásticas. O norte estava sob o domínio austríaco; o centro, sob o poder do Papa; e o sul, controlado pelos Bourbons no Reino das Duas Sicílias. O único território independente era o Reino da Sardenha-Piemonte, governado pela dinastia dos Saboia — e seria a partir dele que nasceria a Itália moderna.


Ideias de liberdade e os primeiros levantes

Inspirados pela Revolução Francesa e pelos ideais de independência, surgiram as sociedades secretas, como os Carbonari, que organizaram revoltas entre 1820 e 1848. Nenhuma teve sucesso, mas plantaram a semente da unidade.

O patriota Giuseppe Mazzini, criador do movimento Giovine Italia (Jovem Itália), sonhava com uma república democrática e popular. Embora derrotado, Mazzini transformou o ideal da unificação em um projeto moral e nacional, que inspirou milhares de jovens em toda a península.


Cavour e a diplomacia do Piemonte

Enquanto Mazzini pregava a revolução, Camillo Benso, conde de Cavour, primeiro-ministro do Piemonte, optou pela diplomacia e pela modernização. Liberal e pragmático, acreditava que apenas uma monarquia constitucional fortepoderia unificar a Itália.

Cavour fortaleceu o exército, investiu em ferrovias e firmou uma aliança secreta com Napoleão III, imperador da França, para combater a Áustria. A vitória franco-piemontesa na Segunda Guerra da Independência (1859) garantiu a anexação da Lombardia e abriu caminho para novas adesões.


Garibaldi e a Expedição dos Mil

Em 1860, o carismático general Giuseppe Garibaldi liderou a famosa Expedição dos Mil (I Mille), partindo de Gênova rumo à Sicília. Em poucos meses, conquistou o Reino das Duas Sicílias e entregou suas vitórias ao rei Vítor Emanuel II, em nome da unificação.

Em 17 de março de 1861, nascia oficialmente o Reino da Itália, com capital em Turim. Era o triunfo da Casa de Saboia e o início de uma nova era.


Roma, Veneza e o fim da fragmentação

A unificação prosseguiu. Em 1866, durante a guerra austro-prussiana, o Vêneto foi incorporado ao Reino da Itália. Quatro anos depois, com a retirada das tropas francesas que protegiam o papa Pio IX, as forças italianas entraram em Roma, encerrando o poder temporal do papado.

Em 20 de setembro de 1870, Roma foi proclamada capital da Itália, completando a unificação territorial.


Um país unido, mas desigual

A Itália unificada nasceu com enormes desafios. O novo Estado era centralizado, burocrático e dominado pela elite do norte, deixando o sul agrário em situação de miséria e abandono.

“questão meridional” (questione meridionale) tornou-se a grande ferida do país. Revoltas camponesas, como o brigantaggio, foram duramente reprimidas. Para muitos italianos pobres, a “nova Itália” parecia mais distante do que nunca.


Epílogo: do sonho da unificação ao sonho da emigração

A unificação trouxe liberdade política, mas não justiça social. O aumento de impostos, o serviço militar obrigatório e a falta de trabalho empurraram milhões de italianos para fora de sua terra natal.

Entre 1870 e 1915, cerca de 14 milhões de italianos emigraram, sobretudo para as Américas, incluindo Brasil, Argentina e Estados Unidos. O Risorgimento, que havia prometido um renascimento nacional, acabou sendo também o ponto de partida do grande êxodo italiano — aquele que levaria os nossos nonos a cruzar o oceano em busca de um futuro digno.

Como observou o estadista Massimo D’Azeglio:

“Fizemos a Itália; agora precisamos fazer os italianos.”



sábado, 18 de outubro de 2025

A Promessa de Liberdade


 

A Promessa de Liberdade

Caminhos de coragem e esperança

No final do outono de 1876, Giovanni Santaron, natural do pequeno comune de Valstagna, no coração da província de Vicenza, sentiu o peso de séculos de montanhas estreitas e terras insuficientes ficarem para trás. O Adriático já estava distante, e o som constante do Brenta correndo entre as rochas havia sido substituído pelo silêncio profundo das matas brasileiras. Ele chegara, com a esposa e os filhos, após meses de incertezas e mares revoltos, a um pedaço de mundo chamado Campo dei Bogheri, parte da recém-criada colônia de Caxias, no extremo sul do Brasil, província do Rio Grande do Sul.

A paisagem o impressionou desde o primeiro instante. Ondulações verdes se estendiam até onde a vista alcançava, quebradas apenas por árvores de troncos grossos e copas altas, como sentinelas de um reino intocado. O solo, escuro e fértil, prometia abundância a quem soubesse dominá-lo. Os colonos diziam que cento e cinquenta campos de terra poderiam sustentar setenta famílias com folga, e Giovanni, ao percorrer os limites de seu lote, via a promessa materializar-se em cada palmo. Ali, um mês de trabalho duro podia prover alimento para um ano inteiro. Para um homem que conhecera a fome e o frio das encostas alpinas, aquilo soava quase como milagre.

As autoridades imperiais brasileiras haviam cumprido sua palavra: na chegada, receberam víveres suficientes para atravessar os primeiros meses. Restava transformar a mata cerrada em lavouras, mas o tempo jogava a favor. A cada machadada, o cheiro fresco de madeira recém-cortada se misturava ao aroma úmido da terra exposta, e o suor parecia se converter em esperança.

Giovanni sentia a ausência da família deixada na Itália como uma ferida aberta. O pai, já envelhecido, e o irmão Pietro, preso às obrigações da aldeia, não conheciam a liberdade que ele experimentava. Em suas cartas, descrevia o ar puro e a água cristalina que corria em abundância, tão diferente da escassez do vilarejo natal. Repetia que não havia perigos nem no mar nem na terra, que o governo era justo e que, ali, até os velhos rejuvenescendo pareciam reencontrar a força.

No silêncio das noites frias, imaginava a chegada deles. Já se via indo ao porto fluvial com os cavalos para buscá-los, conduzindo-os diretamente ao novo lar, sem o desconforto das casas de imigração. Recomendava que trouxessem ferramentas de ferro, sementes e mudas de videiras, pois sonhava em ver o vale coberto por parreirais como os que conhecera em Vicenza.

Para ele, partir da Itália fora mais que uma decisão econômica: era um ato de libertação. Chamava sua terra natal de "prisão", não por falta de amor, mas pelo peso das limitações impostas por séculos de pobreza e de terras insuficientes. No Brasil, encontrara não apenas espaço e fartura, mas a sensação de que, pela primeira vez, era dono do próprio destino.

Enquanto o inverno se aproximava, Giovanni ergueu a primeira casa de madeira, sólida e simples. No quintal, linhas de milho já despontavam, e entre as árvores, reservava espaço para as primeiras videiras que chegariam com a família. Ele sabia que a vida ali exigiria trabalho árduo, mas já não temia o futuro. Naquele pedaço de terra distante, a promessa de liberdade finalmente tinha raízes.

A construção, feita com troncos cortados na própria mata, exalava o perfume fresco da madeira recém-trabalhada. As paredes ainda guardavam marcas de machado e de serrote, testemunho da força e da persistência aplicadas em cada encaixe. Ao redor, o chão de terra batida começava a tomar forma de quintal, com pequenas clareiras abertas para a horta e um cercado improvisado para as galinhas que pretendia criar.

Nos finais de tarde, quando o sol se inclinava por trás das colinas, a luz dourada se infiltrava entre as frestas da casa, pintando de âmbar o interior simples. Giovanni observava o milho crescer dia após dia, sentindo que aquelas hastes verdes eram mais do que cultivo: eram o sinal concreto de que a dependência dos auxílios iniciais do governo logo ficaria para trás.

No espaço reservado para as videiras, ele já visualizava fileiras ordenadas que, no futuro, dariam sombra nos verões quentes e cachos maduros para o vinho que lembraria as colinas de Vicenza. Essa imagem lhe trazia um conforto silencioso, como se parte da Itália fosse recriada ali, no coração da colônia.

O inverno chegaria breve, trazendo noites frias e neblinas densas que se deitariam sobre os vales. Mas Giovanni sentia-se preparado. A casa lhe oferecia abrigo, a terra começava a responder ao seu esforço e, pela primeira vez em muitos anos, o horizonte não lhe parecia uma barreira, mas uma promessa aberta.

Nas madrugadas claras, quando o orvalho se acumulava como pequenas pérolas sobre as folhas, ele caminhava lentamente pelo terreno, ouvindo apenas o próprio passo sobre a relva úmida. Nessas horas, percebia que a liberdade não era apenas a posse da terra ou a fartura que ela prometia, mas também a ausência do medo constante que o acompanhara na Itália — medo de más colheitas, de impostos sufocantes, de senhores distantes decidindo o destino de famílias inteiras.

Agora, cada amanhecer trazia um sentido novo. Os filhos, brincando no terreiro, aprendiam a medir o tempo pelo crescimento das plantas e pela chegada das estações. A esposa, mesmo cansada, cantava baixinho enquanto cuidava das primeiras ervas da horta. Tudo ainda era frágil, mas tudo também era verdadeiro.

E, assim, no coração do inverno que se anunciava, Giovanni compreendeu que não havia viajado apenas para escapar da miséria: ele havia vindo para plantar um futuro. E esse futuro, tal como as raízes que se aprofundavam sob a terra negra, estava destinado a permanecer.

Nota do Autor

Ao escrever esta história, busquei captar não apenas as palavras de um tempo distante, mas a alma pulsante daqueles que, com coragem e fé, deixaram para trás suas terras natais em busca de uma vida melhor. A saga de Giovanni Santaron — homem simples, mas imenso em sua determinação — é também a história de milhares de italianos que cruzaram oceanos, enfrentaram a incerteza, o medo e o esforço para construir novos lares sob céus desconhecidos.

Para vocês, descendentes dessa herança rica e profunda, ofereço esta narrativa como uma ponte entre passado e presente. Que ela traga à tona o orgulho das raízes que vocês carregam e a consciência do sacrifício silencioso que moldou suas famílias. Que possam sentir, nas palavras, o cheiro da terra recém-arada, o frio das noites no novo mundo e o calor das esperanças que jamais se apagaram.

Esta é uma homenagem aos imigrantes que, mesmo diante das adversidades, encontraram na coragem a força para recomeçar. Que seu legado inspire a cada um de vocês a valorizar o passado, a respeitar a luta daqueles que vieram antes e a construir, com a mesma bravura, os sonhos do amanhã.

Com profunda gratidão e respeito,

Dr. Piazzetta


quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A Saga da Emigração Italiana: Por que Milhões de Italianos Deixaram seu País em Busca de Uma Nova Vida no Brasil?


 

 A Saga da Emigração Italiana: Por que Milhões de Italianos Deixaram seu País em Busca de Uma Nova Vida no Brasil? 

 

"Digam à eles que deixamos os patrões na Itália e somos donos de nossas vidas, temos quanto queremos para comer e beber, além de bons ares, e isto significa muito para mim. Eu também não queria estar mais na Itália, sob aqueles patrões velhacos. Aqui, para encontrar autoridade, são necessárias 6 horas de viagem". Carta aos familiares de um imigrante vêneto assentado em terras brasileiras.



A emigração italiana para o Brasil no século XIX foi significativa e desempenhou um papel importante no desenvolvimento econômico e cultural do nosso país. Entre 1880 e 1920, mais de um milhão de italianos imigraram para o Brasil. 
O fluxo migratório veio predominantemente do norte da Itália e foi relativamente curto, durando menos de 50 anos. Muitos italianos se naturalizaram cidadãos brasileiros no final do século XIX. Hoje, cerca de 25 milhões de brasileiros são de descendência italiana. 
A migração italiana em direção ao nosso país iniciou em 1875, quando o governo imperial brasileiro começou a incentivar a vinda de trabalhadores europeus para o país, a fim de aumentar sua população nas zonas sub povoado dos pampas gaúcho e substituir a mão de obra de escravos africanos, para isso, criou colônias, relativamente bem estruturadas, principalmente em áreas rurais remotas do sul do país, para italianos e outros europeus migrarem. Para os estados do sudeste brasileiro também foram assentados milhares de agricultores italianos, para trabalharem nas grandes fazendas de café paulistas e capixabas. O fluxo migratório veio predominantemente do norte da Itália e foi relativamente curto, durando menos de 50 anos. Muitos fatores diferentes influenciaram a migração europeia, e em particular, a migração italiana para o Brasil. As principais razões para a emigração italiana para o Brasil no século XIX foram oportunidades econômicas, como o crescimento da demanda mundial do café, e o desejo de uma vida melhor. A Itália estava passando por superpopulação, desemprego, pobreza e instabilidade política, o que levou à busca por melhores condições de vida do outro lado do oceano em países muito mais novos e passando por uma fase de crescimento econômico. 
As condições de vida dos pequenos agricultores, arrendatários e meeiros eram quase as mesmas das condições dos trabalhadores braçais diaristas, os chamados "braccianti", e muitos daqueles pequenos proprietários rurais foram forçados a trabalhar em outras propriedades para sobreviver. A emigração italiana representou uma solução para a crise de desemprego que já vinha assolando o novo reino desde muitos anos antes. As ondas de migração contribuíram para a mistura de populações de diferentes origens, e guerras, fomes, trabalhos itinerantes e fatores políticos também desempenharam um papel importante de favorecimento à ideia de deixar o país. A situação econômica na Itália durante o período de emigração para o Brasil foi caracterizada por desemprego, pobreza e instabilidade política. A economia italiana era em grande parte agrária e sofria com o atraso em que se encontrava há séculos, com práticas de cultivo ultrapassadas e, mais do que tudo, pelo avanço do capitalismo. O lento desenvolvimento industrial da Itália, bastante atrasado em comparação com outros países europeus, contribuiu para a emigração. De acordo com um esperto, "a emigração foi crucial para o socioeconômico (...) no período que viu o lançamento do noroeste industrial da Itália, e continuou como uma condição para o desenvolvimento econômico devido ao desequilíbrio estabelecido entre o norte e o sul do país".
Sobre essa situação o professor de História da USC, Paulo Pinheiro Machado (1999) escreveu: 
"A grande emigração européia durante o século XIX foi, principalmente, conseqüência das transformações agrárias processadas pelo capitalismo. O campo tornou-se expulsor de pessoas em todos os países europeus em épocas distintas, com períodos de duração diferenciados. Objetivamente, o que ocorreu em todas as partes, foi a destruição da ordem tradicional camponesa, que mantinha um equilíbrio entre a produção agrícola e artesanal durante as diferentes estações de um ano." 
A situação econômica na Itália durante o período de emigração para o Brasil afetou significativamente a decisão de deixar o país para se transferir para o tão sonhado El Dorado americano que era o Brasil. 

Nota 

A carta que abre este artigo é um testemunho verdadeiro de um imigrante vêneto radicado no Brasil no final do século XIX. Sua voz, direta e espontânea, ecoa a experiência de milhares de homens e mulheres que abandonaram uma Itália marcada pela miséria rural, pela superpopulação e pelo atraso econômico, em busca de novas possibilidades do outro lado do Atlântico.
Entre 1875 e 1920, o Brasil recebeu um contingente expressivo de italianos, sobretudo do norte da península. As dificuldades no campo, agravadas pelas transformações trazidas pelo capitalismo agrário e pela estagnação industrial, empurraram famílias inteiras para a emigração. No Brasil, por sua vez, a abolição do trabalho escravo e a expansão das lavouras de café abriram espaço para o assentamento de imigrantes europeus, que passaram a ocupar colônias agrícolas no Sul e a fornecer mão de obra para as fazendas do Sudeste.
Esses deslocamentos humanos não foram apenas movimentos demográficos: transformaram profundamente tanto as comunidades italianas de origem quanto a sociedade brasileira em formação. Os imigrantes introduziram novos hábitos, técnicas agrícolas e formas de sociabilidade, ao mesmo tempo em que enfrentaram a dureza do trabalho, o isolamento e a adaptação cultural. O Brasil, por sua vez, passou a contar com um contingente de trabalhadores livres que contribuíram para o desenvolvimento econômico e ajudaram a moldar a diversidade cultural que hoje caracteriza o país.
A carta escolhida sintetiza esse momento histórico: a ruptura com a opressão do passado e a construção de uma nova identidade em terras distantes. Ao resgatar esse fragmento de memória e situá-lo em seu contexto histórico, busco prestar uma homenagem às gerações de imigrantes que, com esforço e resiliência, transformaram tanto a Itália que deixaram quanto o Brasil que ajudaram a construir.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS







segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Relação de Imigrantes Italianos Vapor Orenoque 1876

Vapor Comte Verde

 


Relação de Imigrantes Italianos

Vapor Orenoque


Porto de Gênova

ano 1876




Ambrosio

Basile

Berta

Borello

Calafiore

Cancale

Carnuvale

Catania

Cava

Cavalleri

Ciaciaroli

Cianci

Ciovero

Coitese

Curianello

Dangelo

De Angelis

De Brase

Debiasi

Debrasi

Desela

Desetta

Di Stefano

Diseta

Donadeo

Frosso

Garbo

Gelardo

Gentile

Giotto

Grosa

Grosso

Iolianelli

Ioni 

Liotti

Lonnice

Maddalena

Magnavita

Montana

Palmieri

Paterno

Perainolo

Pipolo

Prenza

Prospero

Reffani

Rocca

Salbato

Salitore

Sammarco

Seovini

Serra

Seta

Sicilia

Siciliano

Trala 

Vanni



sábado, 23 de agosto de 2025

Caminhos de Pó e Esperança

 


Caminhos de Pó e Esperança


No final do século XIX, na pequena vila de San Bartolomeo delle Vigne, incrustada entre os montes da Ligúria, um jovem chamado Vittorio Morsetti crescia observando o lento declínio de sua terra natal. As colinas verdejantes que haviam sustentado gerações de sua família já não produziam o suficiente para alimentar todos. Seu pai, Giovanni, frequentemente conversava sobre o futuro da família, pesando as histórias de decadência local contra os rumores de fortuna nos confins da América.

Aos 16 anos, movido por um misto de esperança e desespero, Vittorio embarcou com Giovanni rumo à Califórnia. Seu destino era Altaville, uma cidadezinha que prosperava na corrida do ouro. A jornada foi longa e cheia de incertezas, mas a promessa de riqueza e uma vida melhor alimentava sua coragem. Ao chegar, pai e filho se depararam com um cenário frenético: ruas repletas de mineiros, poeira dourada pairando no ar e a constante sinfonia dos maquinários nas escavações.

Os primeiros anos foram de aprendizado e trabalho duro. Vittorio enfrentava longas jornadas nas minas ao lado de Giovanni, mas o ouro, tão próximo, parecia escapar constantemente de suas mãos. Apesar das dificuldades, Altaville também oferecia novas experiências, e o jovem começou a se adaptar à efervescente vida da cidade.

Anos depois, já com 37 anos, Vittorio retornou a San Bartolomeo delle Vigne. A vila permanecia inalterada, um contraste gritante com a energia de Altaville. Durante uma visita à praça central, conheceu Angela Berllucci, uma jovem costureira que vivia na vila. A conexão entre os dois foi imediata. Não demorou para que se casassem e, pouco tempo depois, tivessem dois filhos: Marcella e Tommaso.

Contudo, as condições na Itália continuavam precárias, e Vittorio, já experiente nas adversidades da América, decidiu que a família teria mais oportunidades do outro lado do Atlântico. Ele partiu novamente para Altaville, prometendo buscar Angela e os filhos assim que estabelecesse uma base mais sólida. Angela, embora apreensiva, apoiou sua decisão, acreditando no sonho de uma vida melhor.

Em 1901, Angela, Marcella e Tommaso embarcaram rumo à América. A travessia foi longa e exaustiva, mas recheada de esperança pelo reencontro com Vittorio. Ao chegar, porém, a realidade os golpeou com força. Altaville era um caos: ruas cobertas por poeira, o barulho incessante das minas e uma vida marcada por incertezas. Angela, que não falava inglês, sentiu-se isolada e encontrou refúgio entre as mulheres italianas da comunidade, compartilhando histórias de luta e saudade.

Vittorio, por sua vez, enfrentava a dura verdade de que o ouro não era a resposta fácil que tantos esperavam. Apesar de seu esforço incansável, a instabilidade financeira e as condições insalubres dificultavam qualquer avanço significativo. Ainda assim, ele se manteve firme, determinado a oferecer uma vida melhor para sua família.

Nos anos seguintes, Angela deu à luz mais duas filhas, Giulia e Caterina, o que trouxe momentos de felicidade e renovou as esperanças do casal. No entanto, o destino reservava um golpe cruel: Marcella, a primogênita, contraiu febre tifóide. A doença se espalhava rapidamente em Altaville, onde a higiene era precária e o acesso a cuidados médicos, quase inexistente. Apesar de todos os esforços, Marcella faleceu aos 14 anos, mergulhando a família em um luto profundo.

A perda de Marcella foi devastadora, especialmente para Angela, que se viu consumida pela dor e pela saudade da vida tranquila que havia deixado na Itália. Vittorio, igualmente abalado, buscou forças para sustentar emocionalmente a esposa e os filhos restantes, jogando-se ainda mais no trabalho. Giulia e Caterina, ainda pequenas, tornaram-se o centro das atenções, símbolos de esperança em meio ao sofrimento.

Com o tempo, Angela encontrou apoio nas mulheres da comunidade italiana, que também carregavam histórias de perda e superação. Essas conexões formaram uma rede silenciosa, mas poderosa, que a ajudou a enfrentar os desafios diários.

A vida em Altaville era uma mistura constante de luta, sacrifício e resiliência. Apesar das adversidades, a família Morsetti se mantinha unida, movida pelo amor e pela crença de que, juntos, poderiam construir um futuro melhor. Mesmo diante da dor e das dificuldades, Angela e Vittorio continuavam a sonhar com o dia em que as conquistas superariam os desafios, honrando a memória de Marcella e preservando o legado de coragem que unia gerações. 

Nota do Autor

Esta narrativa é baseada em fatos reais. Os nomes e sobrenomes dos personagens foram alterados para preservar a privacidade de seus descendentes, mas as experiências relatadas aqui pertencem a homens e mulheres que realmente viveram tais caminhos de sacrifício e esperança.

As informações foram reconstruídas a partir de cartas de emigrantes, hoje custodiadas em museus e também preservadas por familiares dos protagonistas.

Este relato é uma homenagem a todos os pioneiros que, com coragem e dor, deixaram sua terra natal em busca de um futuro melhor, legando-nos não apenas histórias de sobrevivência, mas também de amor, fé e resiliência.

Dr. Piazzetta


quinta-feira, 5 de junho de 2025

Horizontes de Esperança

 


Horizontes de Esperança

Marmora, província de Cuneo em 1883

Um romance histórico inspirado enm fatos reais


Giovanni Morandello nasceu em 1883 na pacata vila de Marmora, situada a poucos quilômetros de Dronero, na província de Cuneo. A família Morandello era composta por camponeses humildes, que dependiam da agricultura de subsistência para sobreviver. Giovanni, desde muito jovem, conheceu o peso da responsabilidade. Aos dezesseis anos, seguiu os passos de muitos jovens da região e tornou-se um emigrante sazonal, viajando para a França para trabalhar nas colheitas e economizar o máximo possível.

A vida na casa dos Morandello seguia um ciclo imutável: primavera e verão eram dedicados ao plantio e à colheita nos campos da família, enquanto o inverno levava Giovanni de volta à França, onde enfrentava jornadas árduas no frio intenso. Todo o dinheiro que ele ganhava era entregue aos pais, que o utilizavam para manter a família à tona. Contudo, o passar dos anos trouxe um sentimento crescente de insatisfação e inquietação a Giovanni.

Em 1905, aos 22 anos, Giovanni tomou uma decisão que mudaria sua vida para sempre. Dois conhecidos de Marmora, que haviam emigrado para o Brasil, enviaram cartas cheias de promessas sobre as oportunidades no novo continente. Eles afirmavam que, com trabalho duro, era possível construir um futuro melhor, longe da pobreza e das restrições do Piemonte. Giovanni não hesitou. Conversou com os pais, que venderam uma vaca para financiar sua viagem, e decidiu partir.

Giovanni não viajou sozinho. Na mesma caravana estavam Rosa e Teresa, duas jovens de Marmora. Rosa queria reencontrar o noivo, que trabalhava como pedreiro em São Paulo, enquanto Teresa buscava escapar das perspectivas limitadas oferecidas às mulheres de sua aldeia. Os três partiram a pé em direção a Nice, onde pegaram um trem para Le Havre. Ali, no movimentado porto, embarcaram no navio “La Bourgogne” em uma manhã fria de janeiro de 1906.

A travessia do Atlântico foi tudo menos tranquila. As tempestades de inverno agitavam o mar com fúria, e o balanço constante do navio deixava muitos passageiros debilitados. Giovanni, no entanto, parecia incansável. Ele ajudava Rosa e Teresa quando elas ficavam doentes, mantendo a esperança viva com histórias sobre o que encontrariam do outro lado do oceano.

Ao chegar ai Porto do Rio de Janeiro, o trio passou pelo controle de imigração na Ilha das Flores. Giovanni carregava pouco dinheiro mas sua saúde robusta e disposição para o trabalho o ajudaram a atravessar o processo sem maiores problemas. Após alguns dias na Hospedaria dos Imigrantes, Giovanni seguiu viagem para São Paulo, onde ouviu falar de empregos na construção civil.

São Paulo era um mundo completamente diferente de Marmora. Giovanni ficou fascinado e assustado com o tamanho da cidade, mas não deixou que isso o intimidasse. Trabalhou em várias obras, levantando pontes e prédios que moldariam o horizonte da metrópole. Foi nesse período que conheceu Luigi Bruni, outro imigrante italiano, que lhe falou sobre oportunidades no sul do Brasil. Decididos a buscar melhores condições, Giovanni e Luigi embarcaram em um outro navio no porto de Santos rumo ao Rio Grande do Sul.

No Sul, Giovanni enfrentou os maiores desafios de sua vida. Em Porto Alegre contratado para trabalhar na construção de uma barragem, um projeto colossal em meio à paisagem semi tropical ao lado do rio Guaíba. Em um trágico incidente, uma explosão acidental de dinamite matou dois colegas de trabalho, lembrando Giovanni dos perigos constantes daquele ambiente. Ainda assim, ele perseverou, economizando cada centavo com o sonho de voltar para a Itália.

Mais tarde, Giovanni se juntou a uma equipe de operários que instalava trilhos para a expansão da ferrovia que ligava o Rio Grande do Sul com resto do país. Embora o trabalho fosse exaustivo, ele encontrou conforto no fato de estar ao ar livre, rodeado por montanhas e vastas planícies. Durante as noites, escrevia cartas para sua amada, Maria, que havia prometido esperá-lo em Marmora.

Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, Giovanni decidiu que era hora de retornar à Itália. Com uma pequena economia acumulada, ele embarcou em um navio em direção ao Rio de Janeiro e dali para Gênova. No entanto, ao chegar, encontrou um país devastado pela inflação e pela iminente guerra. O dinheiro que ele havia economizado com tanto sacrifício perdeu rapidamente o valor.

Giovanni voltou a Marmora, onde casou-se com Maria e retomou a vida de camponês. Devido a sequela da ferida em uma das pernas devido a explosão de dinamite na barragem brasileira, ele não foi chamado para servir o exército. Apesar das dificuldades, ele nunca perdeu a esperança. Contava histórias sobre suas aventuras no Brasil para seus filhos e netos, lembrando-os de que a coragem e a resiliência eram as maiores riquezas que um homem podia possuir.


Nota do Autor

A história de Horizontes de Esperança nasceu do desejo de dar voz aos milhares de imigrantes italianos que deixaram suas terras em busca de um futuro melhor no Brasil. Embora este romance seja uma obra de ficção, ele é profundamente inspirado nas experiências reais dos pioneiros que enfrentaram desafios imensuráveis, desde a travessia do Atlântico até a luta por dignidade e progresso em terras desconhecidas.

Giovanni Morandello representa o espírito resiliente de tantas pessoas que, como ele, partiram de vilarejos como Marmora, na província de Cuneo, deixando para trás famílias, histórias e raízes. Ao longo de sua jornada, ele se depara com dificuldades que refletem as condições de muitos imigrantes: trabalhos árduos, a distância de seus entes queridos e a constante busca por um lugar no mundo.

Minha intenção ao escrever este romance foi trazer à tona não apenas as adversidades, mas também a coragem, a esperança e os pequenos triunfos que moldaram essas vidas e ajudaram a construir a história do Brasil. Que esta obra seja um tributo aos sonhos e sacrifícios daqueles que cruzaram oceanos carregando consigo a força de sua cultura e a esperança de dias melhores.

Dr. Piazzetta



quinta-feira, 22 de maio de 2025

El Destin de Alessandro Meratti

 


El Destin de Alessandro Meratti


El vento salà del Adriàtego taiava la pele de Alessandro Meratti mentre che el dava adio a la so picoleta vila ´ntela provìnsia de Vicensa. El sol che andava zo coloriva el celo de oro e fogo, e le ombre se slongava su le cale de piera che el conosséa fin da quando lu el zera putel. I so òci se fermava su la piassa de la cesa par l’ùltima olta, memorissando ogni detàio de la fassiada baroca che tante olte el gavea trovà refùgio. A so banda, Maria, la so famèia, tegnea forte la man del fiol Giovanni, che con so sei ani no capiva ben che vol dir ‘sto adio.

La dessision de partir par el Brasil no la zera stà mia fàssil, ma la misèria che aumentava e le tase che siapava tuto faseva impossìbile restar. So fradel pì vècio, Ernesto, lu el zera partì un ano prima e lu gavea scrito lètare pien de promesse: tera fèrtile, un novo scomìssio, oportunità che in Itàlia no se podea trovar. Le parole de Ernesto le zera la ùnica speransa che Alessandro el tegnea forte.

Gavea vendù tuto che gaveva — la casa de piera con el teto de copi, la vaca del late e anca i mòbili che Maria gavea eredità da so mare. El prodoto racolto lu el gavea messo in un sachetin de corame cussiù su la sinta de Alessandro. La traversia del Atlàntico saria longa e dura, ma el zera determinà.

La matina dopo, lori i gavea imbarcà in un treno che i portaria fin a Génova. I zera rivà a la grande sità con l’alba, la nèbia copriva tuto, un fredo che entrava fin intei ossi. Strachi de no aver podù dormir tuto el percorso par via de le tante fermade che el treno faseva par far su altri emigranti, i gavea finalmente rivà al porto. El porto zera un caos de zente. Òmeni, done e putéi, tuti amassà con bauli e fassine. El odor del mar se mescolava con el sudore e la paura. Alessandro tegneva forte Maria e Giovanni mentre che i montava su la passarela. La nave, granda e scura, pareva un mostro de fero pronto a magnarli.

La vita sora el Conde Verde se rivelò un incubo. La parte de la nave destinà ai passegieri de terza classe la zera ùmida, sensa ària e pien de mal odore. L’odor de sporchesa e magnar guasto empieniva le nasi. I sorzi coréa tra i materasi de pàia. Maria la faseva de tuto par tegner Giovanni neto e sfamà, ma l’aqua la zera poca e la poca pansa che i faseva magnar la faseva star mal. La febre la scominsiò la seconda setimana, e Alessandro el gavea paura che so fiol no rivaria vivo fin in Brasil.

Ogni sera el ‘ndava sora el ponte par respirar ària fresca e vardar le stele, imaginandose la nova vita in Brasil. El ripeteva in mente le parole de Ernesto: tera fèrtil, oportunità, futuro miór. Ma con el sentiva i gridi dei malà e vardava i corpi impachetà in lensoi che i butava in mar, el se domandava se lu gavea fato ben o mal.

Dopo trentadue zorni de tormenta, i gavea visto tera. Dal porto de Rio de Janeiro, ndove el Conte Verde el ze rivà, con un altro vapor lori se i se ´ndà al stato de Rio Grande do Sul. El porto de Rio Grande gera un caos de persone, bauli, caròsse e bèstie. Òmeni con vestiti scuri i dava ordini in una lèngoa che gnanca un dei emigranti conosseva. Alessandro, distruto ma pien de speransa, el tegnea forte la man de Maria. La vera strada, la pì dura, la faseva solo scominsiàr.

I zera stà messi in un baracon de legno grezo par dòdese zorni, tute le famèie de emigranti insieme, con poca privassità. Lori stava spetando de embarcar su le barche che i portaria fin ai so destini. Dopo un traieto longo, i ga entrà ´ntel fiume Guaíba, poi su par la fose del rio Caí, navegando par chilometri fin a São Sebastião do Caí, ndove gavea un pìcolo porto. Dopo un zorno de riposo, el grande grupo de italiani, incaminà con i funssionari e i guide del governo brasilian, i partì a piè o su grandi carosse tirà da boi verso le tere che i dovea colonisàr.

Le piove tropicai le gavea reso le strete strade intransitàbili. Ogni passo zera un teste de resistensa. Le guide, vardando che el traieto el zera massa difìssile, lori i decise de far un giro pì longo, passando par la Colónia Dona Isabel.

Quando lori i ga rivà là, i gavea trovà Ernesto che piansea vardando so fradel. Ma el tempo de abrassarse el zera poco, parchè restava ancora un zorno de màrcia fin la Colónia Conde D’Eu. In na grande carossa, i faseva strada tra le foreste scure e i sentieri pien de fango fin che lori i ga rivà al tereno che il goerno gavea assegnà a la famèia.

El posto el zera grande, ma rìpido, pien de boschi e sassi. Maria la vardava tuto intorno con el viso pien de stanchesa e desilusion. Alessandro el sentiva el peso de la realtà che li esmagava le speranse.

I primi mesi i zera stà un inferno. I se gavea costruì un pìcolo baracon de legno, con el teto coerto de foia de palmera. I dormiva sora la paia, tremando de fredo la note. Par far la tera lavorà, bisognava taiar el bosco, brusàr i tronchi, cavar sassi. L’ària zera pien de fumo e sudor. Giovanni, adesso un poco pì forte, el faseva quel che podéa.

Alessandro el piantò formenton e fasòi, dopo el ga scominssià anca ´na criassion de porsei e galine. Con el tempo, el imparò a tratar la tera, far scambi con i mercanti che ogni tanto rivava e a soportar la dura vita del colono. Le noti de nostalgia le zera tante. Par olte el vardava su el celo pien de stele, pensandose a l'Itàlia. Ma el saveva che l’Itàlia che el gavea lassà no l’esisteva pì par lu.

I ani i passò. La Colónia Conde D’Eu la cresseva, i coloni i prosperava, e la colónia la se trasformò in la sità de Garibaldi. Alessandro e Maria i gavea avù altri fiói. Le so man i zera dure come la piera, la so schena curva, ma el so cor el zera pien de orgòio. I gavea costruì na casa in meso a la selva.

Una sera, sentado su la so granda casa de legno, Alessandro el vardava Giovanni, adesso un zovanoto forte, che l’aiutava un vessino a costruir casa. Alessandro el sorise. El sogno de un futuro miòr no el zera stà invano.




terça-feira, 6 de maio de 2025

Horizontes Perdidos: A Tragédia de Bianca Mareni

 

Horizontes Perdidos: A Tragédia de Bianca Mareni


Bianca Mareni nasceu em Borgo Rotondo, uma aldeia escondida entre as montanhas da província de Savona, em 1888. Filha mais nova de um carpinteiro, Giacomo Mareni, e de sua esposa, Teresa, Bianca cresceu em uma família marcada pela pobreza e pela dura realidade de um país dividido entre modernidade e tradição. Desde cedo, aprendeu o peso do trabalho doméstico e os segredos da costura, habilidades que mais tarde se tornariam sua única fonte de sobrevivência.

Em 1915, enquanto a Europa era consumida pelas chamas da Primeira Guerra Mundial, Bianca decidiu abandonar a Itália. Aos 27 anos, partiu acompanhada de seu irmão mais velho, Ernesto, e de sua cunhada, Maria Ricci. Os três embarcaram em um trem rumo à cidade portuária de Gênova, onde o navio Santa Lucia os aguardava. A atmosfera na estação era carregada de emoção; famílias se despediam entre lágrimas e esperanças silenciosas, enquanto os emigrantes carregavam suas malas repletas de sonhos e saudades.

A bordo do Santa Lucia, Bianca enfrentou uma jornada que testou os limites de sua coragem. O Atlântico, em sua fúria habitual, ergueu ondas que pareciam querer engolir o navio. Os passageiros, comprimidos em compartimentos estreitos, lutavam contra o enjoo e o desespero. Bianca recordaria mais tarde como o cheiro de sal e vômito permeava o ar, enquanto o choro das crianças se misturava às preces dos mais velhos. “Cada balanço do navio era um lembrete de nossa fragilidade”, diria ela em uma carta.

Finalmente, após quase um mês de travessia, o Santa Lucia atracou em Nova York. Bianca, com apenas 40 dólares e uma pequena mala, passou pelos rigorosos exames em Ellis Island. Ali, convencida por outras mulheres, declarou ser costureira – um ofício que esperava lhe garantir emprego em terras estrangeiras.

Bianca e sua família seguiram para San Francisco, onde parentes os aguardavam. A cidade, com suas colinas ondulantes e bondes barulhentos, oferecia um contraste agudo à tranquilidade das montanhas de Borgo Rotondo. Bianca encontrou trabalho em uma fábrica de calçados, onde a jornada de 12 horas era pontuada pelo som ensurdecedor das máquinas e pelo cheiro acre de couro. As condições insalubres logo cobraram seu preço: uma tosse persistente começou a atormentá-la, acompanhada de febre e fraqueza.

Em 1918, Bianca foi diagnosticada com tuberculose. O tratamento rudimentar oferecido em um hospital local foi insuficiente, e as autoridades americanas, seguindo as leis de imigração da época, decidiram repatriá-la. Mais uma vez, Bianca embarcou em um navio, agora sem esperanças e com um futuro incerto.

De volta a Borgo Rotondo, Bianca foi acolhida pela família, que fez de tudo para cuidar dela. Ernesto e Maria, por outro lado, permaneceram nos Estados Unidos, estabelecendo-se em um rancho no interior da Califórnia. Eles nunca mais retornariam à Itália, enquanto Bianca enfrentava os últimos anos de sua vida lutando contra a doença.

Em 1921, aos 33 anos, Bianca faleceu, deixando para trás uma história de sacrifício e resiliência. Sua jornada, como a de tantos outros emigrantes, foi marcada pela busca de um sonho que, para muitos, nunca se concretizou. Hoje, seu nome está gravado em uma lápide simples no pequeno cemitério de Borgo Rotondo, como um silencioso tributo a uma vida interrompida pelas adversidades de um mundo em transformação.


Nota do Autor

"Horizontes Perdidos: A Tragédia de Bianca Mareni" é uma obra que nasceu do desejo de dar voz aos incontáveis emigrantes que, como Bianca, enfrentaram os desafios de um mundo dividido por guerras, preconceitos e desigualdades sociais. Essa narrativa mesmo que fictícia é uma homenagem aos sonhos despedaçados, às lutas invisíveis e à resiliência de quem buscou além do horizonte uma promessa de vida melhor, muitas vezes paga com o preço da própria saúde e dignidade. Ao explorar a história de Bianca Mareni, busquei retratar não apenas os fatos que marcaram sua jornada, mas também as emoções e os dilemas que permeiam a experiência do exílio. Suas decisões, carregadas de coragem e desespero, representam uma geração que foi arrancada de suas raízes em nome de um futuro incerto. Embora Bianca não tenha alcançado o sonho americano, sua história reflete o heroísmo silencioso de tantas vidas interrompidas.

Escrever esta obra foi também um exercício de reflexão sobre as cicatrizes que a emigração deixa, tanto nos que partem quanto nos que ficam. Espero que os leitores encontrem em Bianca uma figura que transcende sua época, um testemunho da fragilidade e da força humanas diante das adversidades.

Agradeço a cada leitor que se dispõe a ouvir a voz de Bianca e a reviver, por meio dela, as esperanças e dores que ainda ecoam em tantas histórias de emigração ao redor do mundo. Que seu nome, gravado em uma lápide simples em Borgo Rotondo, inspire empatia e memória.

Dr. Piazzetta

sexta-feira, 14 de março de 2025

A Difícil Jornada da Emigração Transoceânica Italiana

Navio Adria


Nos últimos decênios do século XIX, as partidas para as Américas se intensificaram, e a jornada marítima durava mais de um mês, ocorrendo em condições desfavoráveis. Até a aprovação da lei em 31 de janeiro de 1901, ainda não havia regulamentação para para as condições sanitárias da emigração, e, até mesmo em 1900, a situação do transporte marítimo dos emigrantes era descrita por um médico da seguinte maneira: "A higiene e a limpeza estão constantemente em conflito com a especulação. Faltam espaço, falta ar."
As camas dos emigrantes, muitas vezes beliches, eram dispostas em dois ou três corredores e recebiam ar fresco principalmente pelas escotilhas quando essas existiam. A altura mínima dos corredores variava de um metro e sessenta centímetros para o primeiro, partindo de cima, a um metro e noventa para o segundo. Nos dormitórios assim organizados, com a promiscuidade e falta de higiene reinante, era comum o surgimento de doenças, especialmente aquela bronco-respiratórias. Podemos avaliar a ausência das normas básicas de higiene, mencionando o problema da conservação da água potável, armazenada em caixas de ferro revestidas de cimento. Devido ao balanço do navio, o atrito da água, o cimento tendia a se desfazer, turvando a água que, ao entrar em contato com o ferro oxidado, assumia uma cor avermelhada e era consumida pelos emigrantes, já que não havia destiladores a bordo.
A alimentação, independentemente da impossibilidade para os emigrantes, analfabetos ou incapazes de ter conhecimento pleno da regulamentação alimentar, era preparada seguindo uma série de alternâncias constantes entre dias "ricos" e "magros", dias de "café" e dias de "arroz". Além disso, dependendo da predominância a bordo de pessoas do norte ou do sul, eram preparadas refeições à base de arroz ou macarrão. Normalmente do ponto de vista dietético, a ração diária de alimentos era suficientemente rica em elementos proteicos e, de qualquer forma, quase sempre superior em quantidade e qualidade ao tipo de alimentação habitual do emigrante.

Tendo por base as estatísticas geradas pelo Comissariado Geral de Emigração e pelos relatórios anuais elaborados pelos oficiais da marinha encarregados do serviço de emigração, ambos relacionados à morbidez e mortalidade dos emigrantes nas viagens de ida e volta da América do Norte e do Sul, é possível traçar um quadro da situação sanitária da emigração transoceânica italiana de 1903 a 1925. Apesar dos limites de parcialidade e discricionariedade do sistema de coleta, as estatísticas se tornam indicadores gerais das dimensões do problema de saúde na experiência da migração em massa, mas dificultam sua utilização para o estudo de patologias específicas. Os dados coletados pela estatística referem-se às doenças diagnosticadas durante a viagem pelo médico do governo ou pelo comissário viajante, excluindo assim um número considerável de emigrantes que, por diversas razões, evitavam a assistência médica. Uma parte significativa do fluxo migratório escapava completamente a qualquer forma de controle de saúde, seja por embarcar e desembarcar em portos estrangeiros, viajar em navios sem serviço de saúde, ou por meio de embarcações semi-clandestinas toleradas por muitas companhias de navegação. Torna-se evidente que qualquer tentativa de estimativa sistemática da "questão de saúde" da emigração transoceânica com base em fontes oficiais subestima amplamente as dimensões reais do problema da saúde e da doença na viagem transoceânica. Apesar das limitações e parcialidade da amostragem, as estatísticas de saúde das viagens transoceânicas permanecem como uma das poucas ferramentas disponíveis para iniciar uma reflexão sobre a migração transoceânica em conexão com as condições socio-sanitárias das classes subalternas entre os séculos XIX e XX. A análise dos números fornecidos pela estatística para o período de 1903 a 1925 destaca claramente a persistência ao longo do tempo de algumas doenças, tanto nas viagens de ida quanto nas de volta das Américas. Embora a pesquisa não inclua uma avaliação sobre a influência do fluxo transoceânico na propagação de doenças de massa na Itália (pelagra, malária, tuberculose), devido à complexidade dos elementos que contribuem para a escolha migratória em regiões do país profundamente diversificadas em termos de estrutura econômica e social, é inevitável observar como a estatística de morbidade nas viagens transoceânicas mostra a presença significativa de algumas dessas patologias. Um exemplo é a malária, que apresenta os índices mais altos nas viagens de ida tanto para o Norte quanto para o Sul da América, sendo superada apenas pelo sarampo. Nas viagens para o Sul, também é relevante o número de casos de tracoma e sarna, enquanto no retorno, prevalecem claramente, sobre outras doenças, o tracoma e a tuberculose e, mesmo com índices menos elevados, a ancilostomíase, completamente ausente nas estatísticas de ida. Nos retornos do Norte, os números mais altos são dados pela tuberculose pulmonar, doenças mentais e tracoma. Esta última patologia, embora não apresente números particularmente altos, é mais difundida nas viagens de volta. As taxas de mortalidade e morbidade nas viagens transoceânicas, embora não atinjam níveis extremamente elevados, são, no entanto, superiores nas viagens para a América do Sul, onde o fluxo migratório era composto principalmente por grupos familiares. O dado da constante e elevada morbidade nas viagens de volta é especialmente significativo para os repatriados da América do Norte. O fluxo migratório para os Estados Unidos era composto, na verdade, principalmente por pessoas em boas condições físicas e na faixa etária de maior eficiência física, tanto devido a um processo de autoseleção da força de trabalho que escolhia emigrar, quanto devido aos rígidos controles sanitários ativados pelos Estados Unidos em relação à imigração europeia.



sábado, 1 de março de 2025

O Trem, os Navio e a Emigração Italiana no Século XIX

 

O Trem, o Navio e a Emigração Italiana no Século XIX


O século XIX foi um período marcado por profundas transformações tecnológicas e sociais que alteraram a maneira de viver e de se locomover, especialmente para os milhões de europeus que buscavam melhores condições de vida em terras distantes. Entre as inovações que favoreceram a emigração europeia em geral, e a italiana em particular, destaca-se o surgimento do trem a vapor. Substituindo as lentas carruagens e diligências, o trem revolucionou o transporte terrestre, encurtando distâncias entre cidades e portos. Paralelamente, o advento dos navios a vapor substituiu os veleiros, reduzindo significativamente o tempo das travessias marítimas entre a Europa e as Américas, transformadas no novo El Dorado para aqueles que sonhavam com prosperidade.

Para os italianos que partiam de pequenas aldeias no interior do país, o trem representava não apenas um meio de transporte, mas também um primeiro encontro com a modernidade. Muitos desses emigrantes eram camponeses analfabetos, habituados a uma vida simples e cercada por tradições. A visão daquele "monstro de ferro", soltando fumaça e rugindo com estrondos que ecoavam pelas montanhas, era, ao mesmo tempo, fascinante e aterradora. Alguns encaravam a máquina com temor, acreditando que aquilo era algo sobrenatural, enquanto outros se maravilhavam com a possibilidade de deixar para trás a miséria e as restrições impostas pela vida rural.

A jornada de emigração começava ainda antes de embarcarem em um navio. Muitos viajavam longas distâncias a pé ou em carroças para alcançar a estação ferroviária mais próxima. Para famílias inteiras, essa era uma experiência inédita e repleta de incertezas. Subir em um trem pela primeira vez era um desafio. As sensações de movimento, o barulho das rodas nos trilhos e os solavancos causavam espanto e desconforto. As crianças choravam, as mães tentavam acalmá-las, enquanto os pais lidavam com a ansiedade de garantir a segurança de todos.

Ao chegar ao porto de Gênova ou outros grandes portos de embarque, como Nápoles, enfrentavam uma nova etapa do processo migratório. Ali, os navios a vapor os aguardavam, verdadeiras cidades flutuantes que prometiam levá-los ao outro lado do oceano. Para muitos, o navio era uma visão ainda mais impressionante do que o trem. Acostumados à calmaria de seus vilarejos, embarcar em uma embarcação tão gigantesca era um teste de coragem. Dentro do navio, amontoados nos porões apertados, os emigrantes conviviam com a insegurança sobre o futuro. A viagem era longa e marcada por condições precárias, mas também por esperança.

O trem e os navios a vapor foram os grandes facilitadores dessa migração em massa, encurtando não apenas as distâncias físicas, mas também o tempo necessário para que os emigrantes italianos pudessem tentar uma nova vida. Antes, uma viagem que durava semanas ou meses em embarcações movidas a vela passou a ser realizada em dias. Isso abriu portas para que um número ainda maior de pessoas tivesse acesso a essa oportunidade.

No entanto, o impacto psicológico dessa modernidade repentina era inegável. Para os emigrantes, deixar suas terras natais já era doloroso. O trem e o navio simbolizavam uma ruptura definitiva com o conhecido e o mergulho no desconhecido. Os campos verdejantes e as casas de pedra de suas aldeias davam lugar ao frio aço das máquinas e ao horizonte vasto do oceano. Cada etapa da viagem era permeada por sentimentos conflitantes de medo, saudade e esperança.

No Brasil, na Argentina ou nos Estados Unidos, ao desembarcar, enfrentavam novos desafios. Mas foi graças à infraestrutura proporcionada pelo trem e pelos navios que milhões de italianos puderam reescrever suas histórias. Eles levaram consigo suas tradições, gastronomia, língua e fé, ajudando a moldar a identidade cultural dos países que os acolheram.

Assim, o trem e os navios a vapor não foram apenas instrumentos de transporte, mas verdadeiros símbolos da transformação de um tempo. Eles não apenas encurtaram distâncias geográficas, mas conectaram sonhos e destinos, permitindo que milhões de emigrantes italianos buscassem uma vida melhor no Novo Mundo.