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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O Eco das Montanhas: A Jornada de Chiara Rossetta

 

O Eco das Montanhas 

A Jornada de Chiara Rossetta


A história começa na primavera de 1898, em um pequeno e pitoresco vilarejo chamado Zoldo Alto, localizado nas encostas mais ao norte da província de Belluno, onde os picos nevados dos Dolomitas se erguiam como guardiões silenciosos de um mundo que parecia alheio à modernidade. Após um inverno rigoroso, os primeiros sinais de vida ressurgiam; a neve começava a se dissolver sob o calor tímido do sol, expondo os campos férteis que logo se transformariam em um vibrante tapete de flores silvestres. Chiara Rossetta, uma jovem de 17 anos, estava no quintal de sua casa simples, construída de pedras gastas pelo tempo e pela chuva. Seus olhos, de um castanho profundo, seguiam o contorno das montanhas ao longe, como se buscassem respostas no horizonte. O ar da manhã era fresco, impregnado do perfume das árvores de pinho que circundavam a aldeia. Chiara segurava um lenço vermelho em suas mãos ágeis, dobrando-o cuidadosamente antes de amarrá-lo com firmeza sobre seus cabelos escuros e trançados. Aquele lenço não era apenas um acessório. Era um símbolo da tradição, herdado de sua mãe, e que agora ela usava com um misto de orgulho e saudade. Com o olhar ainda fixo nas montanhas, suspirou profundamente, sentindo o vento frio beijar suas bochechas coradas. Ali, naquele instante de quietude, Chiara se sentia parte de algo maior, um elo invisível com a terra que sustentava sua família há gerações, mas também com os segredos e as incertezas que o futuro poderia trazer. Chiara vinha de uma família humilde. Seus pais, Domenico e Teresa, lutavam para sustentar os cinco filhos com a pequena colheita de batatas e o leite de algumas vacas. As noites eram longas, preenchidas pelo som do vento entre as árvores e pelo murmúrio das preces de sua mãe, pedindo por um futuro melhor.

Um dia, um murmúrio diferente percorreu o vilarejo, carregado pelo vento frio que descera das montanhas. A chegada de uma figura austera conhecida por organizar o recrutamento de trabalhadores para as colheitas no Trento, trouxe um burburinho de curiosidade e inquietação. A mulher, com sua voz firme e postura imponente, anunciou na praça: “Eles precisam de braços fortes para a colheita na Val d’Adige. Pagam bem, e o trabalho dura toda a estação.” Suas palavras, simples e diretas, reverberaram como uma promessa de esperança para muitos, mas também como uma despedida inevitável para outros. Para Chiara, a oferta parecia mais que um simples trabalho sazonal; era uma janela para um mundo além das montanhas que confinavam seu vilarejo. Cada palavra da signora Dal Bosco soava como um eco de possibilidades, uma chance de escapar, mesmo que por poucos meses, do cotidiano monótono e das obrigações sufocantes que marcavam sua juventude. Zoldo Alto, com suas paisagens deslumbrantes, era também uma prisão onde as oportunidades eram tão raras quanto flores no inverno. Mais do que isso, a proposta carregava um brilho prático: era a chance de aliviar o peso que sua presença impunha à família. A pequena soma que prometiam pagar poderia comprar pão, pagar dívidas e, com sorte, começar a compor o dote que Chiara sabia ser essencial para um casamento digno. Cada moeda guardada seria um tijolo no alicerce de um futuro que, até aquele momento, parecia uma miragem distante. Ainda assim, o sonho de um futuro próprio era frágil, um fio tênue que se equilibrava entre a esperança e o realismo implacável da pobreza. Havia algo mais profundo em sua decisão: um anseio por independência, por provar a si mesma que era capaz de romper o ciclo de limitações que a cercava. Contudo, a promessa de liberdade trazia consigo um preço emocional. A ideia de partir significava deixar para trás tudo o que conhecia – os rostos queridos, as noites em volta da lareira, os campos que ela sabia como a palma da mão.

Esse dilema pulsava como um tambor silencioso em seu peito. Chiara sabia que, ao aceitar, não estava apenas enfrentando a distância física, mas também cruzando uma linha invisível entre o que era esperado dela e o que ela desejava para si mesma. A pobreza podia limitar seus recursos, mas não apagava sua determinação de lutar por algo maior. Naquela mesma noite, enquanto o resto da casa dormia, Chiara ouviu os sussurros baixos de seus pais na cozinha. A mãe, com a voz embargada, dizia que era perigoso deixar a filha ir tão longe. O pai, silencioso como sempre, respondia apenas com suspiros profundos e o ranger da cadeira contra o piso. Quando a discussão cessou, Chiara sabia que havia tomado sua decisão, mesmo que essa pesasse como uma pedra em seu coração.

Na madrugada seguinte, o vilarejo repousava em um silêncio sombrio, com as sombras ainda abraçando as fachadas de pedra e os telhados cobertos de musgo. A pequena praça, iluminada apenas pela pálida luz de um céu que prometia o amanhecer, parecia suspensa no tempo, como um cenário à espera de que algo marcante acontecesse. Chiara estava lá, tremendo não pelo frio, mas pela carga emocional do momento. Ao seu redor, outras jovens se reuniam em pequenos grupos, sussurrando palavras de conforto ou despedida, enquanto ajeitavam malas gastas e cachecóis remendados. Ela segurava firme sua pequena mala de couro, desgastada pelo tempo, mas suficiente para abrigar o pouco que possuía: uma muda de roupa cuidadosamente dobrada, um rosário que sua mãe lhe entregara na noite anterior, e um pedaço de pão envolto em um pano simples, símbolo tanto de sustento quanto de despedida. Era tudo o que precisava para começar a jornada – e, talvez, tudo o que podia levar sem olhar para trás. O lenço vermelho estava amarrado com cuidado sobre seus cabelos escuros, quase como um escudo contra o vento frio da madrugada e as incertezas do que viria. Mas enquanto seu corpo parecia firme e seu queixo erguido sugeria determinação, seus olhos, grandes e inquietos, revelavam o tumulto interior. Medo e esperança se misturavam em suas pupilas, pulsando com a mesma força de seu coração acelerado.

Chiara não era a única a enfrentar essa batalha silenciosa. Ao redor, as outras jovens exibiam expressões semelhantes, cada uma carregando não apenas malas, mas também sonhos, responsabilidades e angústias. Para todas elas, aquele momento era uma linha divisória, um ponto sem retorno, onde o conhecido e o incerto se encontravam. Enquanto o céu começava a clarear, prometendo a chegada de um novo dia, Chiara apertou as alças de sua mala, como se aquele gesto pudesse conter os pensamentos que a inundavam. Ela sabia que, ao dar o primeiro passo para fora da praça, estaria começando não apenas uma jornada física, mas também uma travessia emocional que mudaria sua vida para sempre.

Quando a carroça surgiu ao longe, cortando a neblina da manhã e levantando uma nuvem de poeira na trilha, Chiara sentiu uma fisgada no coração. Era o momento definitivo, aquele em que não haveria mais tempo para hesitações ou despedidas. Ela lançou um último olhar para as montanhas que haviam sido seu abrigo, seus desafios e, às vezes, sua prisão. A luz do amanhecer tingia os picos ainda cobertos de neve, como se a paisagem quisesse guardar sua silhueta em memória. O rosto de sua mãe, banhado em lágrimas, e o silêncio pesado de seu pai assaltaram sua mente com força inesperada. Ambos haviam transmitido amor e desaprovação em igual medida, como se tivessem chegado a um acordo tácito de que a decisão era dela, mas a dor era deles. Nesse instante, Chiara murmurou para si mesma uma promessa silenciosa: um dia, retornaria. Mas não como a menina que partia com uma mala cheia de esperanças e medos, e sim como uma mulher que tivesse moldado seu próprio destino, provando que o sacrifício valera a pena. 

A jornada até Trento foi tudo menos fácil. As primeiras horas foram passadas em silêncio, com o ranger das rodas da carroça e o estalar de cascos no caminho pedregoso oferecendo o único consolo rítmico. Às vezes, desciam para caminhar, as jovens seguindo a trilha estreita enquanto as carroças avançavam lentamente. O vento frio cortava seus rostos, e os pés, empoeirados e doloridos, começavam a se ressentir da distância.

Quando finalmente chegaram à estação de Tezze Valsugana, Chiara sentiu um misto de exaustão e maravilhamento. Diante dela, um trem fumegava como uma fera adormecida, o vapor se misturando ao ar gelado da manhã. Era a primeira vez que via algo tão grandioso e intimidador. O som metálico das rodas nos trilhos e os gritos dos condutores faziam seu coração disparar. Mas ela se manteve firme, segurando com força sua pequena mala e respirando fundo, como se quisesse absorver toda a coragem que aquele novo mundo exigia. Ao cruzar a fronteira, o primeiro teste aguardava. Um homem de expressão severa e roupas impecáveis pediu documentos. Chiara retirou, com mãos ligeiramente trêmulas, um certificado assinado pelo pároco do vilarejo, atestando sua “boa conduta”. O papel, amarelado e dobrado com cuidado, representava mais do que uma formalidade; era sua garantia de que pertencia àquele grupo, de que trazia consigo não apenas sonhos, mas também a dignidade que seu vilarejo lhe confiara. Enquanto o oficial analisava o documento, ela ergueu o queixo e encontrou força no pensamento de que, passo a passo, estava se aproximando do futuro que escolhera para si mesma.

Em Trento, a grandiosa Piazza del Duomo, com suas pedras desgastadas pelo tempo e a imponente catedral gótica ao fundo, parecia um cenário tirado de um conto de outro mundo. No entanto, para Chiara, a beleza do lugar foi eclipsada pela realidade crua que a esperava. O mercado das Ciòde era um espetáculo que misturava tradição e brutalidade, e ela sabia que seria um dia gravado em sua memória com ferocidade. Sob a sombra de um majestoso tiglio, o grande freixo que parecia testemunhar séculos de histórias de dignidade e humilhação, as jovens estavam alinhadas como se fossem parte de uma exposição silenciosa. Os agricultores locais, com mãos calejadas e rostos endurecidos pelo sol e pela vida nos campos, aproximavam-se com olhares críticos. Seus olhos percorriam cada jovem como se estivessem avaliando gado, fixando-se nas mãos, nos braços e até na postura. Alguns murmuravam entre si em dialetos ásperos, enquanto outros faziam perguntas diretas que pareciam cortar como navalhas. A experiência era avassaladora, uma mistura de julgamento e exposição que tornava o ar quase irrespirável.

Chiara, porém, manteve-se firme, ainda que sentisse o calor subir-lhe ao rosto, tingindo suas bochechas de um vermelho que combinava com o lenço em sua cabeça. Era um rubor de humilhação e raiva contida, mas também de determinação. Ela endireitou os ombros e olhou para frente, recusando-se a baixar os olhos como algumas das outras jovens faziam. Não daria àqueles homens o gosto de vê-la encolher-se. “Suas mãos são fortes?”, perguntou um homem de meia-idade, sua voz rouca. Ele segurou os dedos de Chiara com firmeza, virando-os para examinar as palmas. Chiara engoliu seco, o gesto invasivo desencadeando um arrepio que percorreu sua espinha, mas manteve a compostura. “Sim, senhor”, respondeu ela, com uma voz firme que desafiava o desconforto. Enquanto os minutos se arrastavam, ela percebeu que aquele momento era mais do que uma transação: era uma prova. Não apenas de sua força física, mas de sua resiliência. Sob os olhares avaliadores e os cochichos dos compradores, Chiara fez uma promessa a si mesma. Por mais degradante que fosse a experiência, ela não seria definida por aquele instante. Era uma batalha pequena dentro de uma guerra maior — e ela pretendia vencer. Foi contratada por uma família chamada Berti, donos de uma vasta plantação de maçãs. Seu trabalho começava ao amanhecer e só terminava com o cair da noite. Apesar do cansaço, Chiara encontrava consolo nas raras cartas que enviava e recebia de sua família. Mas nem tudo era sofrimento. Nos intervalos roubados entre as longas horas de trabalho, Chiara encontrou alívio na companhia de outras Ciòde, jovens que, como ela, haviam deixado seus lares em busca de algo melhor. Foi ali, entre as plantações e os alojamentos simples, que conheceu Lucia Zaniella, uma menina de apenas 15 anos, cujos olhos brilhavam com uma vitalidade que nem mesmo a exaustão conseguia apagar. Lucia tinha um jeito travesso, sempre pronta com um comentário espirituoso que arrancava risos até nos momentos mais difíceis. À noite, sob a luz suave da lua que banhava os campos da Val d’Adige, as duas se sentavam lado a lado, emolduradas pelo silêncio quebrado apenas pelo som distante do vento ou pelo murmúrio das cigarras. Aquele era o momento em que o peso do dia parecia se dissipar, ainda que brevemente. Entre goles de água ou bocados de pão duro, compartilhavam histórias de suas aldeias, falavam das famílias que haviam deixado para trás e sonhavam, cada uma à sua maneira, com um futuro menos cruel.

Lucia contava sobre os riachos gelados de sua terra natal e sobre os irmãos menores que esperavam por ela, enquanto Chiara falava das montanhas de Zoldo Alto e da promessa que fizera de retornar como uma mulher forte e independente. “Um dia, quero abrir uma pequena trattoria”, dizia Lucia com um sorriso tímido. “Nada grande, mas cheia de gente rindo e comendo. Você será minha sócia, Chiara.” A ideia, ainda que remota, iluminava seus rostos como uma vela num quarto escuro. Juntas, enfrentavam os desafios com mais coragem. O trabalho nos campos era extenuante, e os olhares desconfiados dos locais frequentemente adicionavam um peso extra aos seus ombros. Mas havia força na amizade, uma cumplicidade silenciosa que tornava as adversidades mais suportáveis. Quando uma hesitava, a outra encorajava. Quando uma caía, a outra ajudava a levantar. A amizade com Lucia tornou-se uma âncora para Chiara, algo que a lembrava de que, mesmo em tempos difíceis, a solidariedade podia florescer, criando laços mais fortes que as correntes da pobreza ou da humilhação. E assim, noite após noite, entre sussurros e risos abafados, as duas teciam não apenas sonhos, mas uma rede de esperança que as mantinha firmes, mesmo quando tudo ao redor parecia desmoronar. No final da colheita, Chiara retornou a Zoldo Alto com algumas moedas no bolso e um coração mais forte, mais moldado pelas adversidades que enfrentara. Ao contrário da jovem hesitante que partira meses antes, ela agora carregava dentro de si uma força silenciosa, fruto das longas jornadas sob o sol implacável, das noites insones em que sonhava com um futuro melhor, e das provações que a haviam feito crescer de maneira inesperada. Ao se aproximar da pequena aldeia, sentiu uma estranha sensação de pertencimento, como se, em algum nível profundo, as montanhas que a cercavam e a terra dura que ela pisava tivessem se integrado à sua própria essência. As majestosas montanhas de Zoldo Alto, que antes lhe pareciam vastas e intimidantes, agora pareciam menos ameaçadoras, quase como velhas amigas que observavam seu progresso. Elas estavam ali, sempre presentes, mas não mais intransponíveis. Pareciam agora fazer parte de quem ela era, como se a força delas tivesse sido transferida para ela ao longo de sua jornada.

A estrada de volta foi silenciosa, com Chiara refletindo sobre tudo o que havia vivido no Trento. As dificuldades do mercado das Ciòde, os olhares de avaliação dos agricultores, a solidão das noites à luz da lua — tudo isso a havia marcado profundamente. Mas também a fortaleceram. Ela já não era mais a menina que partira com um lenço vermelho amarrado na cabeça, com o rosto marcado pela inexperiência e pela insegurança. Chiara havia aprendido a suportar o peso das expectativas e das adversidades, a ser firme quando as circunstâncias tentavam quebrá-la. Agora, ela era uma mulher que carregava no olhar algo de irrevogável, uma determinação forjada nas experiências vividas. Ao atravessar a porta de casa, o cheiro da madeira queimada no fogão e o calor do lar acolheram-na de forma reconfortante, mas já não era a mesma menina que se despedira ali. A mãe, com seus olhos marejados de saudade, a abraçou com força, mas Chiara percebeu que, de algum modo, havia algo novo entre elas — um silêncio compartilhado, uma compreensão silenciosa sobre o quanto o mundo fora além de seus muros. Ela não era mais apenas filha. Era alguém que havia vivido, que tinha uma história para contar, uma história que a tornara mais inteira, mais capaz de enfrentar o futuro. E, apesar de ainda não saber ao certo o que o futuro lhe reservava, Chiara agora sabia que, de alguma forma, ela seria capaz de moldá-lo.

Anos depois, Chiara usaria as lições duramente conquistadas na Val d’Adige para liderar outras jovens de Zoldo Alto. As experiências de trabalho nas vastas vinhedos e a dureza das longas horas sob o sol implacável haviam deixado uma marca profunda em seu caráter, uma marca que ela carregava com uma dignidade silenciosa. Sua voz, antes hesitante e cheia de incertezas, agora era um reflexo de quem conhecia, de perto, o peso da exploração e da subordinação. Ela falava com a firmeza de alguém que soubera o que era ser tratada como mercadoria, a ser avaliada não pela sua humanidade, mas pela força de seus braços. Mas, ao mesmo tempo, havia em suas palavras algo mais — uma esperança inquebrantável, um brilho de luz que nunca se apagava, mesmo nas situações mais sombrias. Chiara acreditava na força do espírito humano, na capacidade de resistir, de se levantar e, acima de tudo, de transformar a dor em aprendizado e superação. Ela sabia que não podia mudar o passado, mas acreditava firmemente que podia ensinar as jovens do vilarejo a não se deixarem abater pelas dificuldades. Em sua postura, na forma como observava os outros com olhos atentos e acolhedores, havia a certeza de que elas também poderiam encontrar força dentro de si mesmas, assim como ela havia feito. Suas palavras eram como um farol para aquelas que, como ela, um dia se sentiriam perdidas diante da vastidão de um mundo que parecia imenso e implacável. Chiara não era mais a jovem ingênua que partira para Trento, mas uma mulher que conhecia a escuridão e sabia como encontrar a luz no fim do túnel. E, ao compartilhar suas histórias, ela se tornava um exemplo de resiliência, uma voz que poderia inspirar outras a lutar por seus direitos e sonhos. Ao liderar aquelas jovens, Chiara não apenas transmitia as lições da colheita, mas algo ainda mais importante: a crença de que, mesmo nas situações mais difíceis, era possível manter a esperança viva. Em cada palavra que dizia, em cada gesto de liderança que tomava, ela plantava as sementes de uma revolução silenciosa — não apenas contra as injustiças do mundo, mas também contra as limitações que cada mulher carregava dentro de si. Ela acreditava que, um dia, a Val d’Adige não seria apenas um lugar de trabalho árduo e exploração, mas um símbolo de superação e força coletiva.

A história de Chiara Rossetti é uma entre milhares, mas sua jornada ressoa com a intensidade das montanhas que cercavam sua terra natal, como se as rochas de Zoldo Alto tivessem guardado cada suspiro, cada lágrima, e cada passo que ela deu em direção ao futuro. É um testemunho de resistência, forjado nas circunstâncias mais difíceis, onde a sobrevivência não era apenas uma questão de força física, mas também de espírito indomável. Em tempos de adversidade, quando a vida parecia estar contra ela, Chiara se erguia, movida não apenas pelo desejo de escapar da miséria, mas pela necessidade de provar a si mesma e ao mundo que a mulher, assim como a terra que cultivava, podia florescer mesmo nas condições mais áridas. A sua luta não era apenas pela sobrevivência; era uma busca pela dignidade, pela autonomia, pela capacidade de tomar as rédeas de seu próprio destino. Ela representava a força silenciosa de tantas mulheres anônimas que, durante séculos, haviam sido empurradas para os limites da história, ignoradas por aqueles que escreviam os grandes feitos. Mas, como as montanhas que a viam crescer, a história de Chiara se erguia firme, impassível ao passar do tempo, e continuava a ser contada nas sombras das colinas, nas palavras sussurradas pelas gerações que viriam depois dela. Era uma história de coragem, onde cada obstáculo superado se transformava não apenas em uma vitória pessoal, mas em um símbolo de todas as mulheres que se viam, à sua maneira, refletidas em seu sofrimento e em sua força. As dificuldades que Chiara enfrentou eram as mesmas que milhões de outras mulheres experimentavam, mas a forma como ela as encarou, com uma determinação serena e uma visão implacável de futuro, tornava sua história universal. Ela não era apenas um nome perdido na memória de um pequeno vilarejo italiano; ela era o eco de todas as mulheres que, ao longo da história, lutaram para ser vistas e ouvidas. E, assim, sua vida permanece como um lembrete de que, mesmo nas épocas mais sombrias, as montanhas da adversidade podem ser escaladas, e as vozes daqueles que enfrentam a tempestade podem, finalmente, ser ouvidas e reverberadas por todas as gerações que virão.


Nota do Autor


Este romance foi inspirado em pesquisas e relatos históricos sobre as vivências e desafios enfrentados pelos habitantes da região de Belluno, no Vêneto, durante os séculos XIX e XX. Embora os eventos narrados sejam fictícios, eles refletem as dificuldades reais de uma época marcada pela luta pela sobrevivência, pelas mudanças sociais profundas e pelo êxodo em busca de melhores oportunidades em terras distantes. Ao escrever esta obra, busquei dar voz a personagens que, embora fruto da imaginação, carregam em suas trajetórias os sentimentos, os medos e os sonhos que poderiam ter sido os de qualquer pessoa daquela época. O sofrimento diante das guerras, a luta contra a miséria, e a resiliência necessária para sobreviver em meio às adversidades são elementos que perpassam esta narrativa, concebida com profunda admiração pelas vidas de nossos antepassados. Nenhuma das figuras retratadas aqui representa pessoas reais, e a história foi construída como um tributo às histórias anônimas que moldaram comunidades inteiras. As paisagens descritas, as aldeias, e os eventos refletem o contexto histórico e cultural da região, enriquecidos com a liberdade criativa que a ficção permite. A pesquisa que embasou este romance envolveu a consulta a textos históricos, artigos, e memórias coletivas. Entre as fontes consultadas, um relato particular sobre os desafios das mulheres de Belluno foi uma importante inspiração para construir o pano de fundo deste enredo, ainda que o mesmo tenha sido amplamente reelaborado para criar uma narrativa original e independente. Espero que esta obra inspire não apenas uma reflexão sobre o passado, mas também uma apreciação pela força humana em tempos de adversidade, enquanto nos conectamos com as vozes que ecoam através da história.
Com respeito e gratidão,

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

O Último Adeus a Feltre

 


O Último Adeus a Feltre

Memórias de um emigrante entre a partida e o silêncio

Feltre, no início do século XX, era uma pequena joia de pedra incrustada no coração agreste dos Dolomitas italianos. Cercada por montanhas que pareciam erguer muralhas contra o mundo exterior, a cidade vivia sob um ritmo próprio. As ruas estreitas, calçadas com pedras irregulares, guardavam um silêncio antigo, interrompido apenas pelo som grave das badaladas da torre da igreja, que marcavam as horas como se fossem capítulos de uma história imutável.

Aldo Bernardi nasceu e cresceu nesse cenário, filho de um lenhador. Desde cedo aprendeu a acompanhar o pai nos bosques que se estendiam como muralhas verdes ao redor da cidade. Os invernos eram longos e duros, cobrindo tudo de um branco silencioso; as manhãs de trabalho traziam o hálito gelado da montanha e o cheiro da madeira recém-cortada. A vida era dura, mas sólida. As casas de pedra, as colinas suaves, as feiras silenciosas onde mais se trocavam notícias que moedas — tudo construía um laço profundo com aquela terra.

Mas a juventude, ao contrário das montanhas, não é imóvel. Aldo cresceu num tempo em que o mundo parecia mudar rápido demais, mesmo para um lugar tão isolado. A Primeira Guerra Mundial levou rapazes conhecidos, vizinhos, primos — alguns não voltaram; outros regressaram mutilados, com um silêncio que pesava mais que qualquer relato. As fachadas da cidade carregavam marcas de estilhaços, mas eram as pessoas que traziam as cicatrizes mais fundas.

Quando a paz chegou, não trouxe alívio. Trouxe um silêncio inquietante. A guerra havia terminado, mas a pobreza permanecia. As pequenas indústrias, que haviam florescido para alimentar o conflito, fecharam suas portas. Os campos já não rendiam o suficiente para sustentar todas as famílias. Jovens circulavam sem destino, oferecendo braços fortes a quem já não tinha como pagá-los.

Foi nesse cenário que Aldo, ainda muito jovem, deixou Feltre pela primeira vez. Atravessou os Alpes rumo à França, onde trabalhou nas minas do Jura. Passava dias inteiros embaixo da terra, respirando poeira de rocha e convivendo com o silêncio sufocante das galerias. Três anos depois, regressou à sua cidade. Voltava com as mãos mais calejadas, os ombros mais curvados e um bolso quase vazio. A França dera sustento, mas não futuro.

1924: A hora da decisão

Naqueles anos, a Itália vivia sob as mudanças do regime de Mussolini, que consolidava o poder em Roma. O discurso fascista chegava às vilas mais distantes, prometendo ordem e unidade, mas também trazendo incerteza e tensão. Para muitos, a esperança passou a se depositar em lugares distantes — na América, onde cartas de parentes e conhecidos falavam de terras férteis, trabalho abundante e, talvez, um futuro digno.

Aldo começou a ouvir cada vez mais a palavra “Brasil” nos encontros de taberna e nas conversas baixas nas feiras. Em cozinhas modestas, enquanto o pão era repartido com parcimônia, famílias falavam de navios, portos, passagens e oportunidades. Aos poucos, o inevitável se impôs: o futuro não estava mais em Feltre.

A despedida

Na madrugada de 15 de julho de 1924, Feltre acordou antes do sol. Não havia festa na despedida, apenas um silêncio pesado. A mãe de Aldo mantinha os dedos entrelaçados, como se suas orações pudessem deter o inevitável. O pai, firme, olhava o filho sem palavras. A carroça de aluguel aguardava na praça para o levar até a estação de trem. Ao comando do cocheiro, as rodas começaram a girar, e Aldo permaneceu mudo, vendo as ruas se afastarem lentamente. Só depois de algumas curvas ousou virar-se para lançar o último olhar — o adeus às montanhas de sua infância.

Longarone foi apenas passagem: documentos, esperas, burocracia. Em Veneza, Aldo obteve o passaporte. Comprou pão, salame e vinho, alimento e memória comprimidos para a viagem até o porto de Gênova.

Gênova o recebeu com cheiro de sal e o barulho incessante do porto. Agentes de imigração o conduziram a um hotel barato, onde depositou bagagem e se misturou a centenas de outros viajantes. Em uma caminhada pelo cais, viu pela primeira vez o colosso metálico: o vapor Giulio Cesare, um gigante pronto para cortar o Atlântico.

Na manhã de 30 de julho, o porto fervilhava. Antes de embarcar, Aldo comprou limões — diziam que ajudavam contra o enjoo — e escreveu dois cartões para os familiares em Feltre. Ao som de três apitos longos, o navio começou a afastar-se lentamente. Em terra, centenas acenavam. Era um adeus carregado de dor e orgulho. O mar se abriu à frente como promessa e abismo.

Travessia e chegada ao Brasil

Durante a travessia, o oceano tornou-se um espaço suspenso no tempo. No porão da terceira classe, os beliches eram estreitos e o ar rarefeito. A comida era pouca e sem sabor. No convés, quando o clima ou o capitão permitia, Aldo olhava o horizonte e imaginava a nova vida. As noites eram povoadas pelo som das ondas e pela saudade de Feltre.

Ao desembarcar no Porto de Santos, o calor do Brasil o envolveu como um muro invisível. A língua era outra, os sons diferentes, o cheiro carregado de café, frutas e maresia. Dali, seguiu de trem para o Rio Grande do Sul, acompanhando um grupo de vênetos que já tinham parentes estabelecidos desde as grandes levas de emigrantes do século anterior.

Nova vida no Sul

O destino final foi a região de Bento Gonçalves, uma terra de colinas verdes que, à distância, lembrava vagamente as encostas do Vêneto. Aldo começou trabalhando como empregado em vinhedos de outros imigrantes. A poda, o plantio, a vindima — tudo era trabalho duro, mas não havia patrão estrangeiro. Aqui, o suor poderia, um dia, se transformar em terra própria.

Com o tempo, juntou economias e comprou um pequeno lote. Casou-se com Lucia Morette, filha de imigrantes estabelecidos muitos anos antes. A casa era simples, feita de madeira e pedra, mas abrigava o som de crianças e o aroma de polenta. Os filhos cresceram entre as cantinas e os parreirais, aprendendo a língua dos pais e a nova língua da terra.

Aldo ajudou na construção de uma capela, participou de mutirões para abrir estradas e plantou parreiras que, décadas depois, dariam frutos para seus netos.

E, ainda que o Atlântico o separasse de Feltre, em cada parreira carregada de uvas, em cada laje de pedra que sustentava sua casa, havia o eco distante da cidade entre as montanhas. Um eco que não se apagaria nunca.

Epílogo

O tempo, com seu ritmo silencioso, seguiu desenrolando a vida sobre as colinas da Serra Gaúcha. Aldo Bernardi partiu em um inverno calmo, quando as videiras estavam despidas e o vento trazia o mesmo frio que ele conhecera nas montanhas de Feltre.

No dia do enterro, o cortejo percorreu a pequena estrada ladeada por parreiras já antigas, plantadas por suas mãos. Filhos, netos e vizinhos carregavam não apenas o caixão, mas a memória viva de um homem que, um dia, deixou tudo para cruzar o oceano.

Seu túmulo, simples, de pedra lavrada, tinha o nome gravado em letras firmes, e ao lado um pequeno ramo de uma parreira, trazida de Feltre anos antes por um conterrâneo. Era como se as duas terras finalmente repousassem juntas, unidas para sempre.

No silêncio daquela tarde, a Serra parecia suspensa, como se os vales, as parreiras e o céu carregassem a certeza de que o sangue e o suor dos que partiram jamais seriam esquecidos.

E, nas gerações seguintes, cada vindima, cada copo erguido e cada canção entoada em dialeto vêneto, agora chamado de talian, seriam, sem saber, um brinde ao homem que ousou atravessar o mar.

Nota do Autor

A história de Aldo Bernardi foi inspirada em um relato real, de um emigrante da província de Belluno, que deixou a Itália em 1924, após breve passagem pela França anos antes, para tentar a vida no Brasil.

Sua narrativa, preservada, revela não apenas o itinerário físico — de Feltre a Longarone, de Veneza a Gênova, do vapor Giulio Cesare até as terras do Rio Grande do Sul —, mas, sobretudo, a paisagem humana de um tempo: a despedida da pátria, a travessia incerta, a adaptação em uma nova terra. Nesta versão ficcional, os nomes foram alterados, mas a essência foi mantida. Busquei preservar o tom emocional e a atmosfera histórica, dando voz ao silêncio que tantas vezes se impôs aos emigrantes.

Dedico esta obra a todos os descendentes que, espalhados pelo Brasil, ainda carregam no sotaque, nos costumes e na memória o eco distante das colinas do Vêneto.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta



terça-feira, 29 de julho de 2025

La Stòria de Domenico Scarsel


La Stòria de Domenico Scarsel


Domenico Scarsel, un contadin ùmile de le pitoresche coline de la region de Belùn, 'nte l'Itàlia, vivea incatenà ai strasi de 'na vita che no ghe dava pì speransa. Le coline che 'na olta pareva un rifùgio sicuro e caloroso, adesso se zera trasformà in un quadro malincónico de sterilità e mancansa. Le forse invisìbili de la povertà, come un vento incessante che no'l smete mai de sofiar, ghe sospingeva via da la casa dei so antepassà. I so òci, fondi e strachi, rifleteva la strachezza de chi ga lotà sensa respiro contro 'na tera che ormai no ghe rendeva pì niente.

Da zòvene, le so man, indurì e ruvide dal peso de la zapa e del aratro, gavea cavà da la tera ogni grano de sostegno. Ma el teren, che 'na volta el zera generoso, el se ga trasformà in 'na superfìsie àrida, incapase de nutrir la so famèia. Lucia, la so mòier, la se sforsava in silénsio par tegner viva la armonia del lar, mentre i tre fiòi i zera el ritrato vivo del contraste tra inocensa e mancansa. Angelo, el pì vècio, scominsiava a portar el peso de responsabilità pì grando de quel che podesse soportar; Catarina, de nove ani, gavea da man a la mare ´ntele fassende de casa, ma speso vardava le coline con un mescoio de curiosità e tristessa; e Giuseppe, con so quatro ani, lu el zera l’ùnica fiameta de gioia in quela casa segnata da la lota de ogni zorno.

L’Itàlia, con la só rica stòria e i paesagi incantèvoli, pareva gaver renegà Domenico. El paese che lu e i so antepassà gavea sempre ciamà “casa” adesso no el zera altro che 'na prigionia de dificoltà insuperàbili. Ogni matina portava la stessa preocupassion: come sfamar la famèia? Come protègerla da un futuro inserto che pareva rivàr come 'na tempesta inevitàbile? La promessa de 'na nova vita in tere lontan ghe incominsiava a germoliàr ´ntel so cuor, anca se la scelta la zera impregnà de paura e sacrifìssi.

La decision de emigrar no la ze sta mia fàssile par Domenico Scarsel. Le note sensa sònio, segnalà dal silénsio opressivo de ‘na casa semplice, zera pien dei so pensieri inquieti. Lucia, sentà visio al fogolar quasi spento, lei cusea remendi su vestiti già consumà, mentre la luse tremolante de ‘na làmpada ghe iluminava solo a metà l’espression tesa del so òmo. Lu ghe pensava ai rischi de traversar el vasto Atlàntico verso ‘na destinassion sconossiuta, ndove le promesse de speransa se scontrava con stòrie de perìcoli e delusion.

El timor del sconossiuto no el zera l’ùnico peso ´nte’l so cuor. Domenico sentiva ‘na colpa come un spìn fisso, che ghe tormentava par aver rischià tuto quel che gavea la famèia – anche se poco. Portarli via da l’Itàlia, l’ùnico posto che i gavea conossiù, ghe pareva ‘na tradission a le si radise. Ma quali radise? La tera che doveva sostegnerli se zera trasformà in un peso. Dopo ani de guere par l’unificassion e la formazione del novo Regno d’Itàlia, el paese se trovava devastà. I contadin, come Domenico, sofregava i efetti de politiche disiguali che favoriva i richi proprietari e lassiava i pìcoli agricoltori in bàlia de la fame e del abandono.

El teren che lu coltivava con fatica no rendeva pì quel che bastava. L’Itàlia, divisa par sècoli, se era unì politicamente, ma i so fiòi più poveri i restava separà da le promesse de prosperità. Le tasse alte, i afiti esagerà e la competission par le tere fèrtili rendeva impossibile la sopravivensa. La fame zera ‘na presensa constante su le tole ùmili, e anca la speransa pareva aver lassà ste coline che ‘na volta le zera tanto pitoresche.

Anca cussì, le carte dei quei che i ga già partì gavea portà un filo de luse in meso a la scurità. El Brasile el zera descrito come ‘na tera de oportunità, ndove la tera fèrtile se stendeva in vastità quasi inimaginàbili. I racolti, come diseva la zente, i zera generosi, e el laoro duro el zera ricompensà con dignità. Ste parole ghe risuonava ´nte’l cuor de Domenico come ‘na melodia lontan, sveiandoghe ´na mescola de speransa e dùbio. Intanto che Lucia ghe dava i ùltimi punti a un mantel remendà par la tersa olta, Domenico vardava i fiòi che i dormiva. El savea che la decision no podea pì aspetar. No el zera solo ‘na scelta par un novo scomìnsio, ma par la loro sopravivenza. El Atlànticolu el zera vasto e spietà, ma restar el zera come aspetar la morte.

‘Na matina freda de novembre, mentre l’autuno colorava le coline de Belùn de oro e rosso, Domenico i ga fato l’anùnsio a la famèia.
“Andaremo in Brasile”, dise lu, con voce ferma nonostante el nodo in gola. Lucia ghe assentì in silénsio, nascondendo le làgreme drio a ‘n soriso forsà. I fiòi, sensa capir del tuto l’importansa de sta decision, ghe reagì con curiosità e un toco de entusiasmo de fiòi.

I preparativi zera svelti, ma dolorosi. La vendita de strachi, mòbili e anca el orològio de scarsea de Domenico, ‘na eredità del nono, ghe servia par pagar i bilieti del viaio. Ogni adio con parenti e visin i zera segnà da abrassi lunghi e làgreme tratenute. “Porté via la nostra benedission”, dise el pàroco locae, dando a Domenico ‘na pìcola imagen de Sant’Antonio par proteierli durante el viaio.

Finalmente, a l’inìsio de zenaro, la famèia ghe salì su ‘n treno pien che i portò fin al porto de Génova.
I fiòi zera incantà da la novità, ma Domenico e Lucia i sentia el peso del adio in ogni chilometro percorso. Quando lori i ga rivà al porto, i restò sbalordì da la grandessa del barco che i aspetava: un gigante de ferro con i camini che butava fumo su’l celo nuvolà.

El imbarco el zera ‘na mescola de caos e speransa. Sentinaia de emigranti i zera amassà sui ponti, portando valìsie de legno e soni pì grandi del ossean che i dovea traversar. Intanto che el barco salpava, Lucia ghe strinse forte la man a Domenico, e finalmente le làgreme ghe scominsiò a scender. Lu ghe strinse la man in ritorno, sussurrando: “Noi ce la faremo. Par lori”, vardando i fiòi che se stava streti, curiosi e pien de ànsia.

In quel momento, l´Itàlia sparìa all’orisonte, ma l’imagine de le so coline a Belun restava viva ´ntela memòria de la famèia, un ricordo constante del lar che gavea lassà e del coraio che li spingeva verso lo sconossiuto.

La via verso el Brasile la zera tuto, meno che fàssile. A bordo del vapor pien, Domenico e la so famèia i ga afrontà ‘na sèrie de prove che metea a dura prova no solo i corpi, ma anca el spìrito. El barco, che parea imponente stando fermo al porto de Génova, se rivelò un labirinto claustrofòbico apena i ga salpà. Le condission insalubri no gavea lassià spasi a ilusion de conforto: l’ària zera pesante con el odor de sudor, umidità e magnar in decomposission, e i stivi ndove i emigranti zera sistemà somiliava pì a cele improvisà che a spasi par èsseri umani.

El magnar, distribuito con parsimónia, malamente bastava a mantegner vivi i passegieri. I zorni sul mar, che se alungava in monotonia opressiva, zera segnà da scopi de malatie che se spargea come el fogo in la pàlia seca. I fiòi e i veci zera i pì vulneràbili, e ogni tosse o febre la zera un presàgio de tragèdia. Domenico, sempre atento, ghe faceva tuto el posibile par proteger la so famèia, ma ghe zera dei limiti a quel che un òmo podea far in un ambiente così ostile.

Dopo setimane de tormento, vardar el porto de Santos dovea èssar un momento de solievo, ma la realtà la zera diversa. El sbarco ghe portò ‘na nova ondata de dificultà. La Casa de Imigrazione, ndove i zera porti, pareva pì ‘na fortessa austera che un rifùgio caloroso. Le pareti, frede e ùmide, ghe serbia i echi de sentinaia de vose — speranse e paure mescolà in un coro sensa risposta. I leti improvisà, fati de legno ruvìo, no zera miliori del pavimento del barco. La strachesa e l’incertesa ghe se stendeva come ‘na ombra su tuta la zente nova che i ga rivà.

Ze sta lì, in quel posto che dovea èssar ‘na porta par un futuro mèio, che Domenico patì la pérdida pì devastante. So pare, el nono Sisto, se gavea siapà da febri che se spargeva come ‘na piaga invisìbile. El vècio, che zera sta el pilastro de la famèia in Itàlia, el ga afrontà el viaio con coraio, ma el corpo indebolì no ghe resistè a le aversità. El adio el zera sta velose e sensa serimònie, segnà solo dal peso del dolore e dal’impotensa davanti a la situasione.

La morte de Sisto gavea scosso profondamente la famèia, lassando un vuoto che no se podea colmar. Par Domenico, quel momento el zera ‘na prova crudele de la sua determinassion. Fra i singhiosi sofocà de Lucia e i sguardi spaventà dei fiòi, el sentìa la responsabilità de restar forte, de portar avanti la fiama de speransa che pareva stava per spegnersi. No i podea tornar indrìo — el costo del viaio gavea consumà tuto quel che i gavea. E cussì, anca con el cuor pesante e i òci ancora pien de làgreme, Domenico el ga fato l’ùnica scelta possìbile: ndar avanti. La tera che sercava, credeva lu, zera ancora ‘na speransa de novo scomìnsio.

La fasenda, con i so vaste piantaion de cafè, la zera gestì con rigore e stratègia dal Comendador Aurélio, un òmo de origini portoghesi che gavea fato fortuna ´ntel comèrssio prima de investir in tera. Domenico restò colpì da la grandiosità del posto: coline coerte de piante de cafè in fila come soldà in formasione, strade bordà da aranci e limoni, e un pìcolo fiume che forniva aqua a un molino.

La casa de legno ndove i Scarsel i zera stà sistemà la zera semplice, ma funsional. Con quatro camere, ‘na cusina con el forno e tègole rosse de terra cota, la residensa la zera ‘n sìmbolo de modèstia e sicuresa. Domenico, però, no se fasea ilusion. El laoro el zera stracante, e i guadagni modesti. El primo compito el zera de siapar via l’erba grossa che cresseva in meso ai piè de cafè, ‘na fatica che consumava ore e dava poco fruto.

Anca cussì, el comendador el mostrava rispeto par i coloni. El dava carne de porco ogni setimana, distribuiva porsioni generose de grasso par far condimento, e zera conossiuto par far in modo che nissuna famèia la passasse fame. El sabo, la fasenda se trasformava in sentro de incontro, con bali e canti che mescolava italiani e brasiliani in momenti rari de contentessa e spasso.

Domenico presto se acorse che el Brasile el zera ‘na tera de contrasti. Mentre la fertilità del tereno gavea racolte abondanti, el isolamento e la nostalgia de l’Itàlia la zera pesi costanti. Lucia, con la sua devossion religiosa, la sentiva la mancansa de la cesa e de le feste de comunità che le zera parte de la sua vita in Itàlia. La distansa da la sità e le messe poco regolari aumentava la sua malinconia, ma lei trovava forsa ´ntel curar l’orto e i fiòi.

Angelo, el più vècio, el diventò ‘na mano pressiosa par el pare, imparando in freta le tècniche de coltivassion e de conservassion del gran de mais. Catarina, con la sua curiosità da fiola, la se incantava con le nove viste e con la fauna locae. Giuseppe, el pì pìcolo, el zera la contentessa de la famèia, che coreva par i campi e esplorava el novo mondo con i òci che lusea de meravìlia.

Con el tempo, i Scarsel i ga scominsià a prosperar. Domenico imparò a gestir el cafè e a sfrutar al massimo i risorsi naturai. Lucia coltivava erbe e verdure che ‘ndava a completar la dieta de la famèia. Nonostante le dificoltà, i Scarsel i conquistò el rispeto dei altri coloni e anca del comendador stesso.

In ‘na carta scrita al professore che el gavea lassà in Itàlia, Domenico el scrisse:
Qua, in sta tera strana, gavemo trovà molto pì che dificoltà; gavemo trovà anca oportunità. Anca se la nostalgia fa mal come ‘na ferita profonda, el laoro dà senso a noialtri, e la speransa dà forsa. Semo a piantar no solo cafè, ma anca el futuro de la nostra famèia.”

I Scarsel i costruì un lar in tere lontan, afrontando sfide che ghe ga siapà coraio e resiliensa. La sua stòria, come quela de tanti emigranti, la ze un tributo a la forza del spirito umano e a la capacità de trasformar i sòni in realtà, anca ´nte le condisioni pì dure.

Nota del Autor

"La Stòria de Domenico Scarsel" la ze un raconto vero con nomi inventà, profondamente ispirà a le stòrie vere de miliaia de emigranti italiani che ga traversà l’Atlàntico a la fin del XIX sècolo, in serca de ‘na nova vita in Brasile. La narassion la segue Domenico, un contadin ùmile de le coline de Belùn, e la sua famèia, che afronta dificultà inimaginàbili ´nte la so tera, agravà da le guere de unificassion de l’Itàlia e da le condission economiche oprimenti de quei ani. Sto pìcolo riassunto del libro ofre un sguardo su le lote e i conquisti de sta via èpica.

La stòria no la parla solo de sopravivensa fìsica, ma anca de la forsa del spìrito umano, de la resiliensa davanti a la pèrdita e de la speransa che spinge le persone a sercar un futuro mèio, anca davanti la adversità che pare impossìbili da superar. Mentre Domenico e la sua famèia i afronta el dolore, le malatie e l’incertessa de ‘na tera straniera, i trova anca momenti de solidarietà, coraio e rinovassion.

Atraverso le so esperiense, spero de onorar la memòria de tute quei che, come Domenico, i ga avuto el coraio de soniar e de ricostruir la pròpria vita in tere lontan. Sto libro el ze un tributo ai pionieri e a le so stòrie de sacrifìssio e speransa — stòrie che continua a rissonar tra le generassion.

Dott. Luiz C. B. Piazzetta


terça-feira, 22 de julho de 2025

El Eco de le Montagne: La Zornada de Chiara Rossetta


 

El Eco de le Montagne: 

La Zornada de Chiara Rossetta

La stòria la scomìnsia in primavera del 1898, in un pìcolo e pitoresco paeseto ciamà Zoldo Alto, sentà su le coste pì a nord de la provìnsia de Belluno, ndove i cimi nevegà dei Dolomiti i se alsava come guardiani silensiosi de un mondo che pareva lontan da la modernità. Dopo un inverno rigoroso, i primi segni de vita i ze rivà; la neve la se dismanciava pian pian col caldo del sol, scoprendo i campi fèrtili che de lì a poco i se gavea trasformà in un tapeto vivo de fiori selvadeghi.

Chiara Rossetta, ´na tosa de 17 ani, la zera fora, ´ntel cortivo de casa so, ´na casa semplice, fata de piere consumà dal tempo e da la piova. Con i òci so, scuri come el castagno, la vardava el contorno delle montagne lontan, come se la sercasse risposte ´ntel orisonte. L’ària de la matina la zera fresca, pien del profumo dei pini che ghe stava intorno al paeseto. Chiara la tenea un fasoleto rosso ´nte le man, e con destresa la lo piegava ben prima de ligarlo fermo su i so cavèi scuri e trecià. Quel fasoleto no el zera solo un adornamento; el zera un sìmbolo de tradission, ´na eredità che la ghe vien da la so mama, e che adesso la portava con orgòlio mescolà a nostalgia. Con el sguardo ancora fisso su le montagne, la ga sospirà fondamente, sentindo el vento frisiar le so gote rosse. Là, in quel momento de quiete, Chiara la se sentiva parte de qualcosa de pì grande, un ligame invisìbile con la tera che gavea nutrito la so famèia da generassion, ma anca con i segreti e i timor che el futuro podea portar.

Chiara la vien de ´na famèia ùmile. I so genitori, Domenico e Teresa, i ghe dava da magnar a cinque fiòi con la poca racolta de patate e el late de qualcossa de vache. Le noti le zera longhe, pien del suon del vento tra le piante e del mormorio de le preghiere de Teresa, che la domandava un futuro milior.

Un dì, un brusio diverso el passò par el paeseto, portà dal vento fredo che el rivava da le montagne. L’arivo de la Signora Dal Bosco, ´na figura austera famosa par organisar la ricerca de lavoranti par le racolte ´ntel Trento, el ga fato nàsser un misto de curiosità e ansietà. La dona, con la so vose decisa e postura autoritaria, la ghe dise in piassa: “Ghe ze bisogno de brassi forti par le racolte in Val d’Adige. Lori i paga ben, e el lavoro dura tuta la stagion.” Le so parole, semplici e direte, le parea come una promessa de speransa par tanti, ma anca come ´na partensa inevitàbile par altri.

Par Chiara, sta proposta la pareva pì de un semplice lavoro de stagion; la zera ´na finestra su un mondo oltre le montagne che teneva el so paeseto prigioniero. Ogni parola de la Signora Dal Bosco la ghe sonava come un eco de possibilità, ´na oportunità de scapar, anca se par pochi mesi, da la monotonia e dai obligi che la sentiva pesar su la so zoventù. Zoldo Alto, col so panorama meraviglioso, el zera anca na prigion dove le oportunità le zera rare come i fiori d’inverno.

Pì ancora, la proposta la portava un senso pràtico: l’ocasion de aliviar el peso che la so presensa la ghe dava a la famèia. La poca sma che i prometeva de pagar la podea comprar farina, pagar i dèbiti e, forse, scomìnsiar a meter via el dote, che Chiara la savea ben quanto el zera importante par un matrimónio dignitoso. Ogni scheo risparmià el zera un maton ´nte le fondamenta de un futuro che, fino a quel momento, el ghe pareva ´na mirage lontan. 

Par altro lato, el sònio de un futuro par sé stesa el zera fragil, un filo sotile che se tenea drio fra la speransa e la dura realtà de la povertà. Ghe zera qualcosa de pì profondo ´ntela so resolussion: un desidèrio de independensa, de dimostrar a sé stesa che la zera capace de romper el siclo de limitasion che la ghe stava atorno. Ma la promessa de libartà portava con se un pressio emocional. L’idea de partir voleva dir lassar drio tuto quel che la conosseva – i volti cari, le serade intorno al fogolar, i campi che la savea come la palma de le so man.

Sto dilema bateva come un tamburo silensioso ´ntel so peto. Chiara savea che, acetando, no la stava solo afrontando la distansa fìsica, ma anca passando ´na linea invisìbile tra quel che la ghe zera aspetà e quel che la voleva par sé stesa. La povertà podea limitar i so mesi, ma no potea spegner la so determinassion de lotar par qualcosa de pì.

Quela stessa sera, mentre el resto de la casa dormiva, Chiara gavea sentì i sussuri bassi dei so genitori in cusina. La mama, con la vose strosà, disea che zera pericoloso lassar che la fiola andasse via così lontan. El pare, silensioso come sempre, ghe rispondea solo con sospiri profondi e col scrìtolar de la carega sora el pavimento. Quando che la discussión finì, Chiara savea che la gavea deciso, anca se sto peso ghe pareva una piera drento al cuore.

La matina dopo, el paeseto gera ancora avolto in un silensio scuro, con le ombre che abrassava le case de piere e i tetti coberti de muschio. La piasseta, iluminà solo da la luse sbiadida de un ciel che prometea l’alba, parea sospesa ´ntel tempo, come un teatro che spetava qualcosa de importante. Chiara zera là, tremando no par el fredo, ma par la carga emocional de quel momento. Intorno a ela, altre tose se reunia in grupeti, sussurando parole de conforto o de adio, mentre le sistemava valise vècie e sciarpe ratopà.

Lei tegnea ben streta na pìcola valisa de cuoio, consumà dal tempo, ma bastansa par contenee el poco che lei la gavea: un cambio de robe piegà con cura, un rosàrio che la so mama ghe gavea dà la sera prima, e un toco de pan avolto in un strasin semplice, sìmbolo sia de sostentamento che de despedida. Zera tuto quel che ghe serviva par scominsià el viaio – e, forse, tuto quel che la podea portar sensa voltarse indrio.

El fasoleto rosso el zera ligà ben su la so testa scura, quasi come un scudo contro el vento fredo de la matina e le incertese de quel che ghe stava davanti. Ma mentre el so corpo parea saldo e el menton alsà indicava determinassion, i so òci, grandi e inquieti, rivelava el tumulto de drento. Paura e speransa se mescolava in le so pupile, pulsando con la stessa forsa del so cuor in afano.

Chiara no gera sola a combater sta batàlia silensiosa. Intorno, le altre tose tegnea espression sìmili, ognuna caricando no solo valise, ma anca sòni, responsabilità e angosce. Par tute le altre, quel momento el zera ´na linea divisòria, un punto de no ritorno, ndove quel che i ga conossesto e el sconossesto se incontrava. Mentre el ciel se scominsiava a schiarir, prometendo l’arivo de un novo zorno, Chiara strense le manighe de la so valisa, come se quel gesto ghe podesse contener i pensieri che la ghe invadeva. Lei savea che, facendo el primo passo fora de la piasseta, la stava scominsiando no solo un viaio fìsico, ma anca una traversia emossional che ghe cambierà la vita par sempre.

Quando la careta se ga mostrà lontan, taiando la nèbia de la matina e alsando un po’ de polvere lungo la strada, Chiara ga sentìo ‘na stocà al cuor. La zera el momento decisivo, quelo ndove no ghe zera pì tempo par esitar o dir adio. Lei gavea dà un’ùltima sbirada a le montagne che le gavea stà el so rifùgio, el so desafio e, quache volta, la so prision. La luse del sorger del sol imbruniva i cimi ancora coèrti de neve, come se ‘sta paisagem volesse tegner la so ombra in memòria.

El viso de la mare, bagnà de làgreme, e el silensio peso del pare i ghe vegnia in mente con un peso inesperà. Tuti do i ghe zera trasmesso amor e desaprovassion par igual, come se i gavea trovà ‘na sintonia tàssita che la resolussion zera la so, ma el dolo zera el loro. In quel istante, Chiara la ga murmurà par lei stessa ‘na promessa tàssita: un dì me tornerò. Ma no come la tosa che la partìa con ‘na valisa pien de speranse e timori, ma come ‘na dona che la gavea costruì el so destino, dimostrando che el sacrifìssio el gavea vinto.

El viaio fin Trento el zera tuto trane che fàssile. Le prime ore le zera passà in silensio, con el scrichiar de le rode de la careta e el schiopar dei piedi su la strada pien de sassi che fasea compagnia. Qualche volta, le dessendea par caminar, le tose che le seguiva la stradina mentre le carete le andava pianin. El vento fredo ghe se infilava nte la fàssia, e i piè, pien de pólvere e strachi, i gavea za da sufrir el peso de la strada.

Quando lei le ze rivà fin a la stasion de Tezze Valsugana, Chiara la ga sentì ´na mèscola de stranchesa e meravèia. Davanti a lei, un treno fumava come ‘na bèstia che dormiva, el vapor che se mescolava con l’ària freda de la matina. Zera la prima volta che la vedeva qualcosa de cusì grande e intimidante. El rumor metàlico de le rode sui binari e i urli dei condutori i ghe fasea bater el cuor. Ma lei la ga tegnesto fermo, stringendo forte la so pìcola valìsia e respirando fondo, come se volesse siapar tuta la forsa che ‘sto mondo novo la ghe domandava.

Passando la frontiera, el primo teste el la spetava. Un omo con la fàssia sèria e ‘na veste impecà la ga domandà i documenti. Chiara la ghe ga dà, con le man un poco tremante, un certificato firmà dal paroco de la vila, che testava la so “bona condota.” El papel, sgualcido e piegà con cura, el rapresentava pì che ‘na formalità; el zera la so garantia de apartener a quel grupo, de portar no solo sòni, ma anca la dignità che la so vila la ghe gavea confià. Mentre l’uficial el controlava el documento, lei la ga alsà el mento e la ga trovà forsa ´ntel pensar che, un passo a la volta, la gavea rivà pì vissin al futuro che lei gavea scelto.

A Trento, la maestosa Piassa del Duomo, con le so piere consumà dal tempo e la catedrale gòtica imponente sul sfondo, la pareva un senàrio tolto de un conto de un altro mondo. Ma par Chiara, la belessa del posto la zera spenta da la realtà cruda che la ghe spetava. El marcà de le Ciòde el zera un spetàcolo che mescolava tradission e crudeltà, e lei savea che ‘sto dì saria restà scolpìo ´nte la so memòria come ‘na ferita viva. Soto l’ombra de un maestoso tiglio, el grande frassin che pareva aver visto sècoli de stòrie de dignità e umiliassion, le tose le zera alineà come parte de ‘na mostra tàssita. 

I contadin del posto, con le man calegà e fasse indurì dal sol e da la vita sui campi, se avicinava con sguardi crìtici. I òci i scorea ogni zòvene come se i stesse valutando bestiame, fissando le man, i brassi e anca la postura. Qualchedun mormorava tra lori in dialeti aspri, mentre altri ghe fasea domande direte che parea taiar come navàia. L'esperiensa zera avassalante, ‘na mistura de giudìssio e esposission che rendeva l'ària quasi impossibile da respirar.

Ma Chiara la ghe stava drita, anca se la sentìa el calor che la ghe montava sul viso, tingendo le so guance de un rosso che andava insieme al fasoleto che lei le gavea in testa. Zera un rossor de umiliassion e ràbia contenuta, ma anca de determinassion. La se radrisò le spale e la ghe guardò drita avanti, rifiutandose de abassar l’òci, come faséa qualcuna de le altre zòvane. No ghe la gavrìa mai dato sto gusto, de vederla sconser.

“Le to man le ze forti?” ghe domandò un omo de mesa età, con ‘na vose rossa. El ghe tegnè le dita de Chiara con forsa, girandole per vardarghe le palme. Chiara la inghiotì ‘n seco, el gesto invasivo ghe desencadenò ‘n fremito lungo la schena, ma lei ga mantenuto la calma. “Sì, sior,” rispose, co ‘na vose ferma che sfidava el disàgio.

Con el passar de i minuti, Chiara la capì che sto momento zera pì de ‘na transassion: zera ‘na prova. No solo de la so forsa fìsica, ma de la so resiliensa. Soto i sguardi valutatori e i bisbigli dei compratori, la ghe fesse ‘na promessa a sé stesa. Per quanto degradante che fusse l'esperiensa, no la sarìa definì da sto momento. Zera ‘na batàia pìcola drento ‘na guera grande — e lei la volea vinser. La ze stà assunta da ‘na famèia ciamà Berti, paroni de ‘na vasta piantassion de pomi. El so lavor el scominsiava con el nasser del sole e finiva solo con el tramonto. Malgrado la stranchesa, Chiara la trovava conforto in le rare lètare che la mandava e ricevéa da casa.

Ma no tuto zera soferena. Tra i momenti rubà tra le ore de lavor, Chiara la trovava solievo in compagnia de altre ciòde, zòvane che, come lei, gavea lassà i so paesi in cerca de qualcosa de mèio. Ze stado là, tra le piantassion e i alogi semplici, che la gavea conossesto Lucia Zaniella, ‘na ragazza de solo quindesani, con i òci che brilava de ‘na vitalità che gnanca la fatiga la gaveva spento. Lucia gavea ‘n modo spensierato, sempre pronta con ‘na batuta spiritosa che la ghe fasseva rider anca ´ntei momenti pì difìssili.

La sera, soto la luce delicà de la luna che la ghe bateva sui campi de la Val d’Adige, le do se sedeva ´na vissin al’altra, incornicià dal silensio, roto solo dal rumor lontan del vento o dai bisbili de le sigare. Zera quelo el momento ndove el peso del zorno el pareva sparir, anca se solo par ‘n momento. Tra ‘na sciarada d’aqua o ‘na bocà de pan duro, le compartiva stòrie dei so paesi, parlava de le famèie che gavea lassà e soniava, ognuna a modo so, un futuro meno crudele.

Lucia la contava de i ruscei gelà de la so tera natia e dei fradei pìcolini che la i aspetava, mentre Chiara la contava de le montagne de Zoldo Alto e de la promessa che lei gavea fato: tornare ‘na volta, forte e indipendente. “Un dì, mi vao verzer ‘na pìcola tratoria,” diseva Lucia con ‘n soriso tìmido. “No grande, ma pien de zente che ride e magna. Ti sarà la me sòssia, Chiara.” L’idea, benché lontan, iluminava i so visi come ‘na candela drento ‘na stansa scura. 

Inseme, le do afrentava i dificoltà con pì coraio. El lavoro sui campi el zera strancante, e i òci desconfià dei local ghe meteva anca pì peso sui so spali. Ma ghe zera forsa ´ntela missìssia, na cumplissità tàssita che rendeva le dificoltà pì suportàbili. Quando ´na zera indessisa, l'altra ghe dava coraio. Quando ´na cascava, l'altra ghe dava na man par tirarla su.

L’amissìsia con Lucia la ze diventà un àncora par Chiara, qualcosa che ghe ricordava che, anca ´ntei momenti difìssili, la solidarietà podéa fiorir, creando legami pì forti de le catene de povertà o umiliassion. E cusì, note dopo note, tra ciàcole piano e qualche riso sofegà, le do tesseva no solo sòni, ma anca na reta de speransa che le tegneva ferme, anca quando tuto intorno pareva cascar. A la fine dela racolta, Chiara la ze tornà a Zoldo Alto con qualcossa in tasca e con el cuor pì forte, formato da le dificoltà che lei aveva afrontà. La Chiara che partì mesi prima, tìmida e insserta, non ghe zera pì: adesso la portava drento de sé na forsa tàssita, nata da le lunghe zornate soto el sol implacàbile, da le note insoni con i sòni de un futuro milior e da le prove che lei aveva fato crèsser.

Quando che la se ze avicinà a la so pìcola contrà, la ghe ga sentì ´na strana sensassion de apartenenaa, come se, in fondo, le montagne che le sircondava e la tera dura che lei pestava se fuse integrà con el so èssere. Le maestose montagne de Zoldo Alto, prima pareva vaste e minassiose, adesso pareva pì familiari, quasi come vèci amiche che osservava el suo progresso. Lore le zera sempre là, ma non pì insormontàbili. Pareva far parte de lei, come se la forsa de le montagne la fusse stà trasmessa a lei lungo el so viaio.

La strada de ritorno la ze stà silensiosa, con Chiara che rifletea su tuto quel che lei aveva vissuto a Trento. Le dificoltà al mercato de le ciòde, i òci valutativi dei agricoltori, la solitudine de le note soto la luna — tuto l’aveva segnà profondo. Ma l’aveva anca rinforsà. Non zera pì la toseta che partì con el fasoleto rosso in testa, el viso segnà da l’inesperiensa e l’inssertessa. Chiara l’aveva imparà a soportar el peso de le aspetaive e delle adversità, a star salda quando le circostanse provava a romperla. Adesso la zera na dona con el sguardo deciso, na determinassion forgià da quel che lei aveva vissuto.

Quando la ze passà la porta de casa, l’odor de legna brusà ´ntel fogon e el calor del focolar la ga ciamà el so cuor, ma Chiara non era pì la stessa. La mama, con i òci pien de nostalgia, la ghe ga dato un abrassio forte, ma Chiara la capì che tra de loro ghe zera qualcosa de novo — un silensio condiviso, na comprenssion tàssita de quanto el mondo el zera pì grande dei muri de casa. Non el zera pì solo ´na fiola. La zera na persona che l’aveva vissuto, che ghe gavea stòrie da contar, stòrie che l’aveva resa pì intera, pì pronta par afrontar el futuro. E, anca se lei non savea ancora cosa el futuro ghe riservava, Chiara la zera sicura de poderlo plasmar.

Questa ze la forsa de Chiara, e la stòria che le montagne de Zoldo le tegnerà par sempre ´ntel silensio de le loro ròssie.


Nota del Autor

Sto romanso el ze inspirà da riserche e raconti stòrici su le vite e i sfidi afrontà dai abitanti de la region de Belùn, ´ntel Véneto, drento ai sécoli XIX e XX. Anche se i eventi contà i ze fictisi, i riflete le dificoltà reali de 'na època segnà da la lota par la sopravvivensa, le grando cambiamente sossial e l'ésodo in serca de oportunità mèio in tere lontan. Scrivendo sto libro, mi go sercà de dar vose a personagi che, incòi i ze fruto de 'l'imaginassion, i porta drento i so passi i sentimenti, le paure e i sòni che i podaria benìssimo èssar quei de ognuno che viveva in quelo tenpo. El sofrimiento davanti le guere, la lota contro la misèria e la resiliensa necessària par sopravviver in meso a le adversità i ze elementi che percore sta narativa, pensà con granda ammirassion par le vite dei naltri antenà. Nissun de i personagi descriti chì rapresenta persone vere, e sta stòria la ze stà pensà come un omaio a le stòrie anónime che le ga plasmà comunità intere. I paesagi descriti, i paesi e i eventi i riflete el contesto stòrico e cultural de la region, enrichì da la libartà creativa che la fission permete. La ricerca che la ga sostegnù sto romanso el ze sta fato con la consulta de testi stòrici, artìcoli e memòrie coletive. Tra le fonte usà, un raconto in particolar sui sfidi de le fémene de Belùn el ze sta 'na importante inspirassion par costruir el fondo de sto intrèsio, anca se el ze stà ampiamente rivisità par crear 'na narrativa original e independente. 

Spero che sto libro el possa ispirà no sol 'na riflession sul passà, ma anca un rispeto pì profundo par la forsa umana drento ai momenti de adversità, mentre che conetemo con le vose che risuona atraverso la stòria.

Con rispeto e gratitùdine.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



quinta-feira, 17 de julho de 2025

A História de Domenico Scarsel


A História de Domenico Scarsel


Domenico Scarsel, um agricultor humilde das pitorescas colinas da região de Belluno, na Itália, vivia preso às agruras de uma vida que não mais oferecia esperança. As colinas que outrora pareciam um refúgio acolhedor agora se transformavam em um cenário melancólico de infertilidade e escassez. As forças invisíveis da pobreza, como um vento incessante que sopra sem trégua, empurravam-no para longe do lar de seus antepassados. Seus olhos, profundos e cansados, refletiam a exaustão de quem batalhara incansavelmente contra uma terra que já não retribuía o esforço.

Desde a juventude, suas mãos, calejadas e endurecidas pelo peso da enxada e do arado, haviam arrancado da terra cada grão de sustento. Contudo, o solo outrora generoso transformara-se em uma superfície árida, incapaz de nutrir sua família. Lucia, sua esposa, esforçava-se em silêncio para manter a harmonia no lar, enquanto seus três filhos eram o retrato vivo do contraste entre a inocência e a carência. Angelo, o mais velho, começava a assumir o peso de responsabilidades maiores que sua idade; Catarina, de nove anos, ajudava a mãe nos afazeres domésticos, mas frequentemente olhava para as colinas com um misto de curiosidade e tristeza; e Giuseppe, com apenas quatro anos, era a única fagulha de alegria naquela casa marcada pela luta diária.

A Itália, com sua história rica e paisagens deslumbrantes, parecia ter renegado Domenico. O país que ele e seus antepassados sempre chamaram de lar agora não passava de uma prisão de dificuldades insuperáveis. Cada amanhecer trazia a mesma preocupação: como alimentar sua família? Como protegê-los do futuro incerto que parecia se aproximar como uma tempestade inevitável? A promessa de uma nova vida em terras distantes começava a germinar em seu coração, ainda que fosse uma escolha impregnada de medo e sacrifício.

A decisão de emigrar não foi fácil para Domenico Scarsel. As noites insones, marcadas pelo silêncio opressor da casa simples, eram preenchidas por seus pensamentos inquietos. Lucia, sentada perto da lareira quase extinta, costurava remendos em roupas já gastas, enquanto o brilho vacilante da lamparina iluminava apenas parcialmente a expressão tensa de seu marido. Ele ponderava os riscos de cruzar o vasto Atlântico rumo a um destino desconhecido, onde promessas de esperança competiam com histórias de perigos e desilusões.

O medo do desconhecido não era o único peso em seu coração. Domenico sentia a culpa como um espinho constante, atormentando-o por arriscar tudo o que sua família tinha – mesmo que fosse pouco. Retirá-los da Itália, o único lugar que conheciam, parecia uma traição às suas raízes. Mas que raízes eram essas? A terra que deveria sustentá-los transformara-se em um fardo. Após anos de guerras pela unificação e a formação do novo Reino da Itália, o país encontrava-se devastado. Os camponeses, como Domenico, sofriam os efeitos de políticas desiguais que favoreciam os ricos proprietários e deixavam os pequenos agricultores à mercê da fome e do abandono.

O solo que ele cultivava com esforço já não rendia o suficiente. A Itália, dividida por séculos, unira-se politicamente, mas seus filhos mais pobres continuavam separados das promessas de prosperidade. Os impostos altos, os aluguéis abusivos e a competição por terras férteis tornaram impossível a sobrevivência. A fome era uma presença constante nas mesas humildes, e até mesmo a esperança parecia ter abandonado aquelas colinas outrora pitorescas.

Ainda assim, as cartas dos que haviam partido lançavam um fio de luz na escuridão. O Brasil era descrito como uma terra de oportunidades, onde a terra fértil se estendia em vastidões quase inimagináveis. As colheitas, segundo diziam, eram generosas, e o trabalho árduo era recompensado com dignidade. Essas palavras ressoavam em Domenico como uma melodia distante, despertando nele um misto de esperança e dúvida.Enquanto Lucia dava os últimos pontos em um casaco remendado pela terceira vez, Domenico olhava para os filhos adormecidos. Ele sabia que a decisão não podia mais ser adiada. Não era apenas uma escolha por um novo começo, mas pela sobrevivência. O Atlântico era vasto e impiedoso, mas ficar era como esperar pela morte.

Na manhã fria de novembro, enquanto o outono pintava as colinas de Belluno em tons dourados e vermelhos, Domenico fez o anúncio à família. "Vamos para o Brasil", disse ele, sua voz firme apesar do nó na garganta. Lucia assentiu silenciosamente, escondendo as lágrimas por trás de um sorriso forçado. Os filhos, sem entender completamente a magnitude da decisão, reagiram com curiosidade e um toque de excitação infantil.

Os preparativos foram rápidos, mas dolorosos. A venda de ferramentas, móveis e até mesmo o relógio de bolso de Domenico, uma herança de seu avô, serviu para custear a viagem. Cada despedida com parentes e vizinhos era marcada por abraços longos e lágrimas contidas. "Levem a nossa bênção", disse o pároco local, entregando-lhes uma pequena imagem de Santo Antônio para proteção durante a jornada.

Finalmente, no início de janeiro, a família embarcou em um trem lotado que os levaria ao porto de Gênova. As crianças estavam encantadas com a novidade, mas Domenico e Lucia sentiam o peso da despedida em cada quilômetro percorrido. Ao chegarem ao porto, ficaram impressionados com a grandiosidade do navio que os aguardava, um gigante de ferro com chaminés que lançavam fumaça ao céu nublado.

O embarque foi uma mistura de caos e expectativa. Centenas de imigrantes lotavam os conveses, carregando malas de madeira e sonhos por vezes maiores do que o próprio oceano que cruzariam. Enquanto o navio zarpava, Lucia segurou firmemente a mão de Domenico, as lágrimas finalmente escorrendo. Ele apertou sua mão de volta, sussurrando: "Nós vamos conseguir. Por eles", olhando para os filhos que se aninhavam juntos, curiosos e ansiosos.

Naquele instante, Belluno desapareceu no horizonte, mas a imagem de suas colinas permaneceria viva na memória da família, um lembrete constante do lar que deixaram para trás e da coragem que os impulsionava em direção ao desconhecido.

A jornada para o Brasil foi tudo, menos fácil. A bordo do cargueiro abarrotado, Domenico e sua família enfrentaram uma sequência de provações que testaram não apenas seus corpos, mas também seus espíritos. O navio, que parecia imponente quando atracado no porto de Gênova, revelou-se um labirinto claustrofóbico assim que zarparam. As condições insalubres não deixaram margem para qualquer ilusão de conforto: o ar era pesado com o cheiro de suor, umidade e alimentos em decomposição, e os porões onde os imigrantes eram acomodados mais lembravam celas improvisadas do que um espaço para seres humanos.

A comida, distribuída com parcimônia, mal sustentava os viajantes. Os dias no mar, que se alongavam em uma monotonia opressiva, eram pontuados por surtos de doenças que se espalhavam com a rapidez de um incêndio em palha seca. Crianças e idosos eram os mais vulneráveis, e cada tosse ou febre era um prenúncio de tragédia. Domenico, vigilante, fazia o possível para proteger sua família, mas havia limites para o que um homem podia fazer em um ambiente tão hostil.

Após semanas de tormento, avistar o porto de Santos deveria ser um momento de alívio, mas a realidade foi outra. O desembarque trouxe uma nova camada de dificuldades. A Casa de Imigração, para onde foram conduzidos, parecia mais uma fortaleza austera do que um abrigo acolhedor. Suas paredes, frias e úmidas, guardavam os ecos de centenas de vozes – esperanças e medos misturados em um coro que não encontrava resposta. As camas improvisadas, feitas de madeira áspera, não eram melhores do que o chão do navio. O cansaço e a incerteza pairavam como uma sombra sobre todos os recém-chegados.

Foi ali, nesse lugar que prometia ser uma porta de entrada para um futuro melhor, que Domenico sofreu sua perda mais devastadora. Seu pai, o avô Sisto, sucumbiu a febres que varriam o abrigo como uma praga invisível. O idoso, que havia sido o pilar da família na Itália, enfrentara a travessia com coragem, mas seu corpo enfraquecido não resistiu às adversidades. A despedida foi apressada e sem cerimônias, marcada apenas pelo peso do luto e pela impotência diante das circunstâncias.

A morte de Sisto abalou profundamente a família, deixando uma lacuna irreparável. Para Domenico, o momento foi um teste cruel de sua determinação. Entre os soluços abafados de Lucia e os olhares assustados das crianças, ele sentiu a responsabilidade de manter-se firme, de carregar a chama da esperança que parecia prestes a apagar. Não podiam voltar atrás – o custo da viagem já havia consumido tudo o que possuíam. E assim, mesmo com o coração pesado e os olhos ainda marejados, Domenico tomou a única decisão possível: seguir em frente. A terra que buscavam, acreditava ele, ainda prometia uma chance de recomeço.

A fazenda, com seus vastos cafezais, era administrada com rigor e visão estratégica pelo Comendador Aurélio, um homem de origem portuguesa que havia acumulado fortuna no comércio antes de investir em terras. Domenico ficou impressionado com a grandiosidade do lugar: colinas cobertas de pés de café alinhados como soldados em formação, estradas ladeadas por laranjeiras e limoeiros, e um pequeno rio que alimentava um moinho de água.

A casa de madeira onde os Scarsel foram instalados era simples, mas funcional. Com quatro quartos, uma cozinha com forno e telhas de barro vermelho, a residência era um símbolo de modéstia e segurança. Domenico, porém, não se iludia. O trabalho era extenuante, e os ganhos, modestos. A tarefa inicial era carpir o mato denso que crescia entre os cafezais, uma tarefa que consumia horas e rendia pouco.

Ainda assim, o comendador demonstrava respeito pelos colonos. Ele providenciava carne suína semanalmente, distribuía porções generosas de gordura para tempero e era conhecido por garantir que nenhuma família passasse fome. Aos sábados, a fazenda se transformava em um centro de convivência, com danças e cantorias que misturavam italianos e brasileiros em um raro momento de descontração.

Domenico logo percebeu que o Brasil era uma terra de contrastes. Enquanto a fertilidade do solo proporcionava colheitas abundantes, o isolamento e a saudade da Itália eram pesares constantes. Lucia, com sua devoção religiosa, sentia falta da igreja e das celebrações comunitárias que marcavam sua vida na Itália. A distância da cidade e a irregularidade das missas aumentavam sua melancolia, mas ela encontrou força em cuidar da horta e dos filhos.

Angelo, o mais velho, tornou-se uma ajuda valiosa para o pai, aprendendo rapidamente as técnicas de cultivo e armazenamento de milho. Catarina, com sua curiosidade infantil, encantava-se com as novas paisagens e a fauna local. Giuseppe, o mais novo, era a alegria da família, correndo pelos campos e explorando o novo mundo com os olhos brilhando de fascínio.

Com o tempo, os Scarsel começaram a prosperar. Domenico aprendeu a manejar o café e a aproveitar os recursos naturais ao máximo. Lucia cultivava ervas e verduras que complementavam a dieta da família. Apesar das dificuldades, os Scarsel conquistaram o respeito dos demais colonos e até do próprio comendador.

Em uma carta ao professor que havia deixado na Itália, Domenico escreveu:
"Aqui, nesta terra estranha, encontramos muito mais do que dificuldades; encontramos também oportunidades. Embora a saudade doa como um corte profundo, o trabalho nos dá sentido, e a esperança nos dá força. Estamos plantando não apenas café, mas também o futuro de nossa família."

Os Scarsel construíram um lar em terras distantes, enfrentando desafios que exigiram coragem e resiliência. Sua história, como a de muitos imigrantes, é um tributo à força do espírito humano e à capacidade de transformar sonhos em realidade, mesmo nas condições mais adversas.

Nota do Autor

"A História de Domenico Scarsel" é um relato verídico com nomes fictícios, profundamente inspirado nas histórias reais de milhares de imigrantes italianos que cruzaram o Atlântico no final do século XIX, em busca de uma nova vida no Brasil. A narrativa acompanha Domenico, um humilde agricultor das colinas de Belluno, e sua família, que enfrentam dificuldades inimagináveis em sua terra natal, agravadas pelas guerras de unificação da Itália e pelas condições econômicas opressoras da época. Este pequeno resumo do livro oferece um vislumbre das lutas e conquistas dessa jornada épica. A história não é apenas sobre a sobrevivência física, mas também sobre a força do espírito humano, a resiliência diante da perda e a esperança que impulsiona as pessoas a buscar um futuro melhor, mesmo diante de adversidades intransponíveis. Enquanto Domenico e sua família enfrentam o luto, as doenças e as incertezas de um país estrangeiro, eles encontram também momentos de solidariedade, coragem e renovação. Através de suas experiências, espero honrar a memória de todos aqueles que, como Domenico, ousaram sonhar e reconstruir suas vidas em terras distantes. Este livro é um tributo aos pioneiros e suas histórias de sacrifício e esperança – histórias que continuam a ecoar através das gerações. 

Dr. Luiz C. B. Piazzetta