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domingo, 28 de setembro de 2025

O Destino de Antonella


O Destino de Antonella

Antonella veio ao mundo em 1863, em uma pequena vila aninhada entre os vales majestosos das montanhas do norte da Itália. San Vigilio, como era chamado o vilarejo, destacava-se pela beleza inigualável de suas paisagens: florestas densas, campos verdejantes e montanhas imponentes que pareciam tocar o céu. No entanto, por trás dessa serenidade natural, escondia-se uma realidade implacável. A Itália fragilizada pelas várias guerras pela unificação , ainda enfrentava um período de grande instabilidade econômica e social, com regiões inteiras mergulhadas na pobreza. Em San Vigilio, os invernos eram rigorosos, cobrindo os vales de neve e gelo, enquanto as colheitas muitas vezes escassas mal supriam as necessidades básicas das famílias. A terra, embora fértil em algumas áreas, era árdua de ser trabalhada, exigindo um esforço incessante de seus habitantes. Era um lugar onde a luta pela sobrevivência era constante, moldando em aço a determinação e a resiliência de quem ali vivia.

Desde muito jovem, Antonella demonstrava uma determinação que a fazia sobressair entre os demais. Como filha mais velha de cinco irmãos, carregava nos ombros responsabilidades que poucos de sua idade poderiam suportar. Antes mesmo de o sol despontar sobre os picos das montanhas, ela já estava nos campos de centeio, ajudando a arar, semear e colher. Suas mãos pequenas, mas firmes, aprendiam cedo o árduo trabalho que a terra exigia. Quando não estava nos campos, era encontrada em casa, cuidando dos irmãos menores com uma paciência e ternura quase maternais, improvisando brincadeiras para distraí-los e cantando antigas canções folclóricas para acalmá-los durante os invernos longos e sombrios.

Seus pais, Stefano e Luisa, trabalhavam de sol a sol, tentando tirar da terra o sustento da família. Stefano, com mãos calejadas e um olhar sempre carregado de preocupação, costumava dizer que sua família era tão resistente quanto as rochas que moldavam o vale. Ele via em Antonella um reflexo dessa força, mas ela trazia algo mais: uma inquietação que ia além da mera sobrevivência. Enquanto os outros se contentavam em resistir às adversidades, Antonella sonhava.

À noite, quando o trabalho finalmente cedia lugar ao descanso, ela sentava-se à janela do pequeno chalé da família e olhava para o céu estrelado. Naquele silêncio interrompido apenas pelo sussurrar do vento nas montanhas, sua mente vagava para além do vale, imaginando um mundo diferente, onde os dias não fossem apenas uma sucessão de lutas contra a pobreza. Às vezes, perguntava-se como seria viver em um lugar onde os campos não precisassem ser arados com tanto esforço, onde as crianças pudessem brincar sem medo de passar fome, e onde o futuro não parecesse tão incerto.

Antonella não expressava seus sonhos abertamente. Em San Vigilio, desejar algo além da vida simples e dura era quase uma afronta ao destino que parecia já traçado para todos. Mas em seus olhos brilhava uma chama de ambição, e em seu coração pulsava a vontade de mudar o rumo não apenas de sua vida, mas também de sua família. Ela sabia que o caminho seria árduo, mas estava disposta a desafiá-lo. A força que seu pai tanto admirava nela era também a força que alimentava seus sonhos, uma força que, ela sabia, um dia a levaria além das montanhas que cercavam sua aldeia.

As histórias de terras férteis e promessas de prosperidade no distante Novo Mundo começaram a se infiltrar em San Vigilio como um sussurro persistente, que ecoava de casa em casa. Eram trazidas por cartas escritas com letras trêmulas, enviadas por parentes e amigos que haviam cruzado o vasto Atlântico em busca de uma nova vida. As palavras, manchadas pelo tempo e pela saudade, descreviam campos tão vastos que pareciam não ter fim, cidades fervilhantes de oportunidades e uma liberdade que soava como música aos ouvidos de quem conhecia apenas as correntes da pobreza.

Porém, entre as promessas de um futuro promissor, as cartas carregavam alertas sombrios. Havia relatos de navios lotados, onde as condições eram tão insalubres que doenças se espalhavam com a mesma rapidez com que as ondas quebravam contra o casco. Muitos não sobreviviam à jornada. Os que chegavam, encontravam uma realidade crua: trabalhos exaustivos em fábricas claustrofóbicas ou nos campos, onde o sol escaldante castigava tanto quanto o gelo dos invernos italianos. O idioma desconhecido e os costumes estrangeiros criavam barreiras quase intransponíveis, e a solidão tornava-se uma sombra constante.

Apesar disso, Antonella sentia seu coração acelerar a cada relato. A ideia de partir, de deixar para trás os vales que a tinham confinado, ganhava forma em sua mente. As dificuldades não a assustavam; afinal, sua vida até aquele momento já fora uma longa sucessão de desafios. Se havia algo que a perturbava, era o medo de permanecer presa àquela terra que, apesar de bela, oferecia tão pouco além de suas paisagens. Para Antonella, a América não era apenas um lugar; era um símbolo de algo maior: uma chance de reescrever seu destino, de escapar do ciclo interminável de trabalho árduo e recompensas escassas.

Ela começou a colecionar pedaços de informações como um artesão coleciona ferramentas. Perguntava aos viajantes que passavam pela vila, absorvia cada detalhe das cartas que os vizinhos compartilhavam e, à noite, imaginava a travessia. Sentia que era sua responsabilidade fazer algo mais por sua família, carregar em si a coragem necessária para enfrentar o desconhecido. Mesmo quando a dúvida tentava se infiltrar, ela a afastava com determinação.

Antonella sabia que o caminho seria perigoso, que cada etapa de sua jornada seria uma aposta contra as probabilidades. Mas, ao olhar para seus irmãos adormecidos e para os rostos cansados de seus pais, sentia a convicção crescer como uma chama ardente. Partir para o Novo Mundo não era apenas uma escolha; era uma necessidade. Uma oportunidade de buscar algo melhor não apenas para si mesma, mas para aqueles que amava. E em seu coração, a decisão começava a se cristalizar: ela estava pronta para arriscar tudo por uma nova chance.

Quando Antonella completou 21 anos, sua vida, já marcada por desafios, foi devastadoramente transformada por uma tragédia que parecia saída das páginas de um conto cruel. O ano começou com promessas de uma colheita modesta, mas suficiente para sustentar a família. No entanto, em meados do verão, nuvens negras começaram a se aglomerar sobre o vale. Ao longe, os trovões ribombavam como tambores de guerra, e um vento feroz varria as encostas, trazendo consigo o prenúncio de destruição.

Naquela tarde fatídica, uma tempestade desceu sobre San Vigilio como um predador implacável. A chuva torrencial não apenas regava os campos, mas os inundava, transformando as fileiras de centeio em um mar lamacento. Granizos do tamanho de nozes despencavam do céu, destruindo telhados, janelas e, mais cruelmente, as plantações que representavam a sobrevivência de tantas famílias. O som do gelo batendo contra a terra era ensurdecedor, abafando até mesmo os gritos de desespero.

Quando o céu finalmente clareou, o cenário que emergiu foi desolador. As plantações, antes alinhadas como soldados em formação, estavam achatadas, quebradas, inutilizáveis. O pequeno celeiro da família, já velho e carcomido pelo tempo, havia desmoronado sob o peso do gelo acumulado. Stefano, o pai de Antonella, caminhava pelos campos com o olhar vazio, os ombros curvados sob o peso de uma derrota que ele sabia ser irreparável.

Nos dias que se seguiram, o silêncio pairava sobre a casa como um luto. A comida, já escassa, foi racionada com ainda mais rigor. As crianças, embora jovens demais para compreender a extensão da tragédia, sentiam a tensão no ar. Antonella, no entanto, não cedia ao desespero. Seu olhar determinado buscava soluções, mesmo quando parecia não haver nenhuma.

Foi então que Stefano tomou uma decisão que lhe rasgava o coração. Naquela noite, enquanto o vento frio entrava pelas frestas das janelas, ele chamou Antonella para perto da lareira. Em suas mãos calejadas, segurava um pequeno anel de ouro, uma relíquia de família que havia passado por gerações. Seus olhos, normalmente duros como granito, estavam marejados de lágrimas.

“Antonella,” ele começou, a voz rouca, “este anel pertenceu à sua avó. Ela o usou quando deixou sua vila para começar uma nova vida com meu avô. Agora, eu o entrego a você, junto com este dinheiro. É pouco, mas suficiente para uma passagem. Você é nossa esperança, nossa chance de um futuro melhor. Leve nosso amor com você e seja forte. Você tem coragem suficiente para todos nós.”

Antonella ficou sem palavras, segurando o anel e o pequeno embrulho de moedas. Ela sabia o que aquele gesto significava: um sacrifício imenso, a renúncia a qualquer resquício de segurança que a família ainda pudesse ter. Sabia também que era sua chance — e sua responsabilidade.

Naquela noite, enquanto a família dormia, Antonella ficou acordada, contemplando o anel sob a luz vacilante da lareira. Ele parecia brilhar com um calor que a confortava e a lembrava de sua missão. Não havia retorno; o destino agora a chamava, e ela responderia.

“Você tem coragem suficiente para todos nós, Antonella”, disse ele. “Seja nossa esperança em terras distantes.”

O Liberty, um robusto navio de casco escuro e gasto pelo tempo, era mais do que um meio de transporte; era uma encruzilhada de destinos. A bordo, centenas de emigrantes comprimiam-se em seus compartimentos, dividindo o espaço com seus sonhos e temores. Antonella, com sua bagagem reduzida a um saco de pano contendo poucos pertences e o anel que agora simbolizava tanto, encontrou-se em meio a uma massa de rostos pálidos e olhares inquietos.

O cheiro do mar misturava-se ao odor de corpos e comida armazenada precariamente, criando uma atmosfera sufocante. O balanço incessante do navio, aliado à má ventilação e à falta de espaço, fazia do enjoo um companheiro constante. Muitas vezes, Antonella buscava refúgio no convés, onde o ar fresco ajudava a clarear sua mente. Era ali, sob o vasto céu salpicado de estrelas, que ela se perguntava se realmente havia um futuro à espera no outro lado do oceano.

Durante uma dessas noites no convés, ela encontrou Giuseppe. Ele era jovem, de ombros largos e mãos fortes, com o cabelo desgrenhado pelo vento marítimo. Seus olhos, de um azul profundo, carregavam uma mistura de ansiedade e determinação que Antonella reconhecia instantaneamente. A princípio, a conversa entre eles foi hesitante, marcada por silêncios incômodos e olhares tímidos. Mas à medida que os dias a bordo do Liberty se arrastavam, as conversas se tornaram mais frequentes e mais íntimas.

Giuseppe era ferreiro, originário de um vilarejo não muito distante de San Vigilio. Ele falava com paixão de sua habilidade com os metais, descrevendo como moldava o ferro em formas úteis e belas. Seus olhos brilhavam quando contava histórias sobre o forno de seu pai, onde aprendeu a trabalhar com ferramentas e moldar ferraduras. Contudo, não era apenas a força de suas mãos que impressionava Antonella; era a vulnerabilidade em sua voz quando falava das incertezas que o futuro trazia.

“Meus braços são fortes,” ele dizia, “mas o que é força sem um lugar para usá-la? Meu pai sempre acreditou que o trabalho duro era tudo o que precisávamos. Mas o trabalho não basta quando não há terra para plantar ou cavalos para ferrar.”

Essas palavras ressoavam profundamente em Antonella, que compreendia o peso de carregar as expectativas de uma família inteira. Giuseppe, com sua determinação e medo velados, tornou-se um companheiro inesperado, uma ancoragem emocional em meio ao caos da travessia.

Enquanto o Liberty enfrentava tormentas que fazia seu motor vibrar como como o ronco de um gigante e o mar arremessava o navio de um lado para o outro, Antonella e Giuseppe encontraram conforto um no outro. Juntos, compartilhavam pedaços de pão endurecido e histórias de suas aldeias, construindo uma amizade que oferecia uma breve fuga da dura realidade ao seu redor.

Mas havia momentos em que o peso do desconhecido os silenciava. Quando o Liberty cruzava águas calmas e os passageiros se reuniam no convés para sentir o sol em seus rostos, Antonella e Giuseppe ficavam lado a lado, observando o horizonte. Nenhum deles precisava falar; sabiam que ambos contemplavam a mesma mistura de esperança e medo que os acompanharia até que a terra firme do Novo Mundo surgisse no horizonte.

A bordo daquele navio abarrotado e insalubre, no meio de um oceano imenso, Antonella e Giuseppe encontraram algo raro: uma conexão. Não era apenas amizade ou camaradagem; era a faísca inicial de um vínculo que prometia sobreviver às tempestades e às incertezas que ainda os aguardavam.

A ligação entre Antonella e Giuseppe floresceu com a inevitabilidade de algo que parecia destinado. Os longos dias a bordo do Liberty, entre o ribombar das ondas e os gritos dos marinheiros, transformaram encontros ocasionais em uma intimidade que oferecia consolo mútuo. Antonella sentia uma estranha segurança na companhia de Giuseppe; ele, por sua vez, encontrava em sua determinação uma força que o inspirava. Conversas sobre os desafios da vida na Itália e os sonhos incertos no Novo Mundo se misturavam às risadas discretas e aos olhares furtivos, construindo um laço que desafiava as adversidades do mar e do tempo.

Com o passar das semanas, suas rotinas a bordo passaram a se entrelaçar de maneira quase natural. Antonella frequentemente encontrava Giuseppe no convés, onde ele compartilhava histórias de sua infância em um vilarejo dominado pelo som do martelo no ferro incandescente. Ela, por sua vez, falava das colinas que cercavam San Vigilio, descrevendo os campos de centeio e os ventos gélidos que assobiavam entre as montanhas. Cada palavra trocada parecia reforçar a compreensão mútua de que ambos eram mais do que vítimas das circunstâncias — eram sobreviventes em busca de um recomeço.

Quando o navio finalmente avistou o porto de Nova York, uma agitação febril tomou conta dos passageiros. Antonella e Giuseppe, com os olhos fixos no horizonte, compartilharam um momento de silêncio enquanto a Estátua da Liberdade emergia das brumas como um farol de esperança. O céu estava carregado de nuvens cinzentas, e o vento trazia consigo o cheiro salgado do Atlântico misturado ao aroma do carvão queimado dos navios ancorados. Era outubro de 1884, e Nova York parecia um mundo à parte, um labirinto de promessas e desafios que os aguardava.

No entanto, o desembarque foi tudo menos tranquilo. O cais estava tomado por uma confusão de vozes em diferentes idiomas, malas improvisadas amontoadas e famílias desesperadas para permanecerem juntas. Oficiais de imigração gritavam ordens, e os marinheiros corriam de um lado para outro, tentando organizar o caos. Antonella segurava com força a pequena sacola que continha seus pertences e o precioso anel de sua família, enquanto seus olhos procuravam freneticamente por Giuseppe entre a multidão.

Antes que pudessem se preparar, um oficial separou os passageiros em diferentes filas, dependendo de sua documentação e destino. Antonella tentou gritar o nome de Giuseppe, mas sua voz foi engolida pelo tumulto ao redor. Ele, por sua vez, virou-se para procurá-la, mas foi empurrado pela multidão que avançava rumo às inspeções obrigatórias. Seus olhos se encontraram por um breve instante, e naquele olhar desesperado, prometeram que aquilo não seria o fim.

“Nos encontraremos, eu prometo!” Giuseppe gritou, sua voz carregada de urgência, enquanto era arrastado pelo fluxo de pessoas.

Antonella respondeu com um aceno rápido, mas o nó em sua garganta impediu que qualquer palavra saísse. Ela seguiu em frente, sabendo que precisava manter a calma para lidar com as autoridades. O caos ao redor era opressivo, mas a lembrança do olhar de Giuseppe e a promessa que haviam trocado deram-lhe forças para enfrentar os desafios à sua frente.

Enquanto a fila avançava lentamente, Antonella segurava firme a sacola contra o peito. Sabia que Nova York era apenas o início de uma jornada muito maior, e que, em algum lugar nessa vasta terra desconhecida, Giuseppe também estaria lutando por um lugar ao sol. O caos do desembarque os havia separado, mas a conexão que haviam construído no Liberty permanecia intacta, como uma âncora que os mantinha firmes em meio à incerteza. Ambos sabiam que o destino, que os unira em meio ao oceano, não os deixaria perder um ao outro tão facilmente.

Antonella encontrou emprego como costureira em um ateliê abarrotado no coração do Lower East Side, um bairro pulsante, porém implacável, que abrigava ondas de imigrantes como ela. O ambiente de trabalho era uma mistura opressiva de calor e ruído. Máquinas de costura rangiam incessantemente, misturando-se ao murmúrio abafado das vozes das outras mulheres, que trabalhavam incansavelmente sob a luz bruxuleante de lâmpadas a gás. O ar era pesado com o cheiro de tecidos empoeirados e óleo das máquinas, e a vigilância constante dos supervisores tornava o local ainda mais sufocante.

O ritmo era exaustivo, e os dedos de Antonella frequentemente doíam pelas longas horas de costura minuciosa. O pagamento mal cobria o aluguel de um pequeno quarto em uma pensão compartilhada com outras jovens trabalhadoras, e as refeições eram muitas vezes escassas — pão amanhecido e sopa rala eram uma constante. Mas Antonella nunca permitiu que as dificuldades apagassem sua determinação. Cada ponto costurado era um passo em direção ao seu objetivo: construir uma vida digna e, um dia, trazer sua família para o Novo Mundo.

À noite, apesar do cansaço que pesava em seus ossos, ela mergulhava nos estudos. Sentava-se em um canto da pequena cozinha da pensão, sob a luz vacilante de uma vela, com um dicionário em mãos e um caderno onde rabiscava palavras e frases em inglês. Com frequência, as outras inquilinas zombavam de sua persistência, mas Antonella simplesmente sorria e voltava sua atenção para os livros. Cada palavra aprendida era uma ferramenta para enfrentar o mundo que a cercava, uma ponte para oportunidades que ela sabia que estavam além de seu alcance imediato.

A cidade era uma mistura de promessas e desilusões. Durante seus breves momentos de descanso, Antonella caminhava pelas ruas do Lower East Side, observando as vitrines das lojas e ouvindo os sons vibrantes do bairro — crianças correndo, vendedores ambulantes gritando suas ofertas, e o eco distante do transporte de carga no rio Hudson. Cada esquina parecia contar uma história de luta e resiliência. Ela via nos rostos das pessoas a mesma determinação que sentia em seu próprio coração, e isso lhe dava forças para continuar.

Antonella também economizava cada centavo, recusando-se a gastar em qualquer luxo, por menor que fosse. O anel de ouro, herança de sua família, permanecia escondido em uma pequena caixa de madeira, guardado como um símbolo de esperança. Para ela, aquele anel representava não apenas o sacrifício de seu pai, mas também a promessa que havia feito a si mesma: reunir sua família novamente, longe da pobreza que os oprimia na Itália.

Mesmo nas noites mais solitárias, quando o barulho da cidade se tornava ensurdecedor e a saudade da família apertava como um peso no peito, Antonella encontrava consolo em seus sonhos. Imaginava seus irmãos brincando nos parques de Nova York, sua mãe cozinhando na pequena cozinha de um lar que ainda não existia, e seu pai sorrindo com orgulho por sua coragem. Esses pensamentos eram seu combustível, uma chama que mantinha acesa em meio à escuridão de sua nova realidade.

Antonella sabia que o caminho seria longo e cheio de obstáculos, mas também sabia que cada esforço valia a pena. A América ainda era um enigma para ela, mas com cada dia que passava, tornava-se um pouco mais familiar. Ela estava determinada a não apenas sobreviver, mas a prosperar, moldando um futuro que, embora incerto, era seu para conquistar. E em cada ponto de linha que alinhavava, cada palavra em inglês que aprendia e cada moeda que economizava, ela estava costurando não apenas roupas, mas a história de sua própria resiliência.

Anos se passaram desde a separação no caótico desembarque em Nova York, mas Antonella nunca se esqueceu de Giuseppe. Seu rosto, suas histórias e aquela chama de esperança compartilhada permaneciam gravados em sua memória como um farol em meio à neblina de sua nova vida. Entretanto, o tempo havia transformado suas lembranças em um sonho distante, ofuscado pelas exigências implacáveis de sua realidade.

Certa manhã de primavera, enquanto caminhava pelas ruas vibrantes de Manhattan em direção ao mercado, Antonella foi atraída por uma aglomeração em uma feira de rua. Bancas repletas de frutas, especiarias e utensílios domésticos se alinhavam na calçada, e o som animado de conversas em várias línguas preenchia o ar. Foi quando ela ouviu o som metálico de um martelo golpeando uma bigorna. Curiosa, aproximou-se, desviando-se de crianças correndo e vendedores anunciando seus produtos.

Naquela pequena banca improvisada, cercada por ferramentas e peças de ferro forjado, estava Giuseppe. O mesmo sorriso caloroso iluminava seu rosto, mas seus ombros agora estavam mais largos, e as mãos que antes tremiam de ansiedade no navio agora empunhavam o martelo com confiança. Antonella parou, seu coração batendo forte no peito. Por um momento, o tempo pareceu congelar. Ele a viu e, por um segundo, ficou imóvel, os olhos arregalados enquanto a incredulidade dava lugar à alegria.

Antonella? — Sua voz saiu hesitante, quase um sussurro, como se temesse que o momento fosse um sonho.

Ela assentiu, um sorriso tímido surgindo em seus lábios. Giuseppe largou o martelo, ignorando completamente os clientes ao seu redor, e deu dois passos largos em direção a ela, puxando-a para um abraço apertado. A multidão ao redor parecia desaparecer; era como se fossem os únicos dois naquele pedaço de mundo.

Eles conversaram por horas, sentados em um banco próximo, relembrando os momentos compartilhados no Liberty e atualizando-se sobre os caminhos que a vida havia tomado desde então. Giuseppe contou sobre os anos de trabalho árduo em uma forja no Brooklyn, onde havia começado como aprendiz e gradualmente conquistado o respeito dos colegas e clientes. Ele agora era conhecido por seu talento em moldar ferro com precisão e beleza. Antonella, por sua vez, falou de sua jornada como costureira e de como seu esforço permitira enviar dinheiro para a Itália e manter o sonho de um dia reunir sua família.

O reencontro reacendeu algo que nunca havia desaparecido completamente: a promessa silenciosa de um futuro compartilhado. Não demorou muito para que Giuseppe a procurasse novamente, desta vez com uma proposta concreta. Em uma tarde ensolarada, ele a levou até uma pequena joalheria, onde comprou um simples, mas elegante anel de ouro. Com as mãos trêmulas, pediu sua mão em casamento.

Desde o momento em que nos conhecemos no Liberty, eu soube que você era especial. Nunca deixei de pensar em você, Antonella. Vamos construir juntos a vida que sempre sonhamos.

Ela aceitou, com lágrimas nos olhos e um sorriso que transmitia a força de sua esperança renovada. Pouco tempo depois, em uma pequena capela de tijolos vermelhos no coração do Brooklyn, Antonella e Giuseppe se casaram em uma cerimônia simples, mas repleta de significado. Entre os poucos convidados estavam colegas de trabalho, vizinhos e amigos que haviam se tornado sua nova família na América.

Naquele dia, enquanto os sinos da capela tocavam e o sol lançava seus raios dourados sobre as ruas movimentadas do Brooklyn, Antonella sentiu que todas as provações, sacrifícios e saudades haviam culminado naquele momento de pura felicidade. Ao lado de Giuseppe, ela não apenas encontrou o amor, mas também uma parceria que prometia transformar os desafios do Novo Mundo em oportunidades, e os sonhos em realidade.

Juntos, Antonella e Giuseppe transformaram a dureza da vida na América em uma oportunidade para florescer. O trabalho árduo de ambos, o esforço conjunto e a resiliência que havia os caracterizado desde a juventude se tornaram os alicerces de sua nova existência. Giuseppe, com sua habilidade em trabalhar o ferro, finalmente realizou o sonho de abrir sua própria oficina, no coração do Brooklyn. A forja, com suas chamas sempre vivas e o som ritmado do martelo batendo na bigorna, logo se tornou um ponto de referência para a comunidade local. Ele forjava desde utensílios domésticos simples até peças mais sofisticadas para construção e indústria. A qualidade de seu trabalho logo espalhou-se pelo bairro, e, aos poucos, a oficina prosperou, conquistando a confiança de novos clientes.

Antonella, por sua vez, gerenciava a casa com a mesma dedicação com que enfrentava os desafios da vida desde a infância. Ela cuidava da organização do lar, da educação dos filhos e de manter o ambiente acolhedor e tranquilo para que a família tivesse um refúgio do caos da cidade. Seus três filhos, agora pequenos, cresceram sob seus olhos atentos, alimentados pelo amor e pelos valores que Antonella trazia de sua terra natal. Cada um deles recebia da mãe uma educação que misturava os ensinamentos da tradição italiana com os novos ideais americanos, criando um equilíbrio entre as raízes e as possibilidades oferecidas pelo Novo Mundo.

Nos fins de semana, quando o trabalho nas oficinas de Giuseppe diminuía, o casal se dedicava à comunidade. Eles visitavam Ellis Island, onde os imigrantes recém-chegados, muitas vezes exaustos e perdidos, desembarcavam com esperanças e sonhos semelhantes aos que eles haviam trazido anos antes. Antonella, fluente em italiano e inglês, tornou-se uma espécie de guia não oficial para aqueles que chegavam, oferecendo traduções e orientações sobre como navegar nos primeiros desafios do país estranho. Ela ajudava a preencher formulários, explicava os processos legais e até mesmo oferecia conselhos sobre como se estabelecer em Nova York.

Giuseppe, com sua postura acolhedora e o espírito inabalável que sempre o acompanhara, também prestava ajuda prática. Ele frequentemente oferecia seus serviços como ferreiro a preço reduzido para os imigrantes, sabendo que muitos deles chegavam sem recursos. Além disso, fazia questão de compartilhar sua experiência sobre como abrir uma oficina e viver de um trabalho honesto, algo que ele próprio soubera fazer ao longo dos anos. Juntos, o casal se tornou uma espécie de ponto de apoio para os recém-chegados, compartilhando o que haviam aprendido e oferecendo uma mão amiga em uma cidade tão grande e muitas vezes impessoal.

Naqueles momentos, enquanto ajudavam os outros, Antonella e Giuseppe sentiam a plena realização de suas escolhas. Cada história que ouviam, cada rosto novo que viam ao passar por Ellis Island, fazia com que os sacrifícios que haviam feito ao longo dos anos parecessem ainda mais significativos. Era como se estivessem retribuindo ao destino as bênçãos que a América lhes dera, e ao mesmo tempo, criando um ciclo de ajuda e esperança que continuava a se expandir. Eles não eram apenas imigrantes, mas agora eram parte de algo maior: uma comunidade que crescia e se fortalecia com base nas dificuldades superadas e nas oportunidades conquistadas.

A vida, antes marcada pela luta constante pela sobrevivência, agora se tornava uma jornada de solidariedade e apoio mútuo. Antonella e Giuseppe não apenas construíram uma nova vida para si mesmos, mas também se tornaram um farol de esperança para outros que buscavam um novo começo, assim como um dia haviam feito. O que parecia ser uma travessia solitária e arriscada para o futuro agora se tornava, para muitos, uma travessia mais segura e cheia de possibilidades, graças à coragem e generosidade de dois imigrantes que nunca esqueceram suas origens e sempre estenderam a mão a quem precisava.

Antonella viveu uma vida longa e plena, chegando aos 87 anos, tempo suficiente para testemunhar a transformação de sua família e a prosperidade de seus filhos e netos na América. Durante essas décadas, ela foi o alicerce firme sobre o qual suas gerações futuras se construíram. Ao longo dos anos, seus olhos brilharam ao ver seus filhos formarem suas próprias famílias e seus netos alcançarem grandes realizações, como formaturas em universidades e a ascensão no mercado de trabalho, simbolizando o sucesso da segunda geração de imigrantes italianos.

Apesar de todos os avanços e conquistas de seus descendentes no Novo Mundo, Antonella nunca deixou de carregar consigo as memórias de San Vigilio, sua terra natal, a vila escondida entre as montanhas do norte da Itália. Embora nunca tivesse retornado a esse lugar que carregava consigo o cheiro da terra molhada e o som do vento cortando as colinas, ela sempre fez questão de manter vivas as tradições de sua aldeia e as histórias que a moldaram. As canções antigas, passadas de mãe para filha por gerações, ecoavam nas paredes de sua casa durante os jantares de domingo, quando todos se reuniam ao redor da mesa. As melodias, simples e belas, falavam de amores perdidos, da natureza selvagem da Itália e das antigas lendas que se entrelaçavam com a história de sua família.

Antonella também mantinha viva a memória de sua terra por meio da culinária. Com suas mãos habilidosas, ela cozinhava pratos tradicionais de San Vigilio, transmitindo aos filhos e netos as receitas que lhe foram ensinadas por sua mãe e avó. A cada refeição, uma conexão profunda com suas raízes era refeita. O aroma do molho de tomate fervendo, a textura da polenta sendo preparada com esmero, e o sabor da pasta caseira traziam à tona a paisagem de sua juventude, as tardes ensolaradas no campo, as risadas compartilhadas ao redor da mesa com a família. Cada prato era uma ponte entre o passado e o presente, uma forma de manter a herança viva e pulsante, mesmo estando tão distante da Itália.

Além disso, Antonella contava aos filhos e netos as histórias de sua juventude, dos desafios enfrentados em San Vigilio, das dificuldades da travessia e da esperança que a guiou em sua chegada à América. Elas eram histórias de coragem, de superação e de fé em um futuro melhor. Com um olhar distante, ela narrava com detalhes a visão das montanhas que ainda se erguíam com a mesma força, como se quisesse, com suas palavras, trazer um pedaço daquela terra para o coração de sua nova família. Ela falava das estrelas que iluminavam o céu em San Vigilio e das noites frescas de inverno, que ela nunca esquecera, nem mesmo nos verões abafados de Nova York.

E, enquanto seus filhos e netos prosperavam na América, Antonella também ensinava a eles a importância da memória e da identidade. Ela sabia que a verdadeira riqueza de sua nova vida não estava apenas no que ela havia conquistado materialmente, mas nas raízes culturais que mantivera vivas, e que passaria adiante para as futuras gerações. Ela os encorajava a nunca se esquecer da sua herança, a valorizar as suas origens e a compreender que, por mais distante que a Itália estivesse, a alma deles ainda estava profundamente conectada àquela terra.

No final de sua vida, Antonella se via como uma ponte entre dois mundos: o da Itália que ela deixara para trás e o da América que agora chamava de lar. Sua presença era o elo entre os antigos costumes e o futuro que se desdobrava diante de seus filhos e netos. E, quando sua saúde começou a declinar, ela recebeu o carinho e a dedicação de sua família, que retribuía o amor e os ensinamentos que ela sempre ofereceu. Sua partida, quando finalmente chegou, foi marcada por uma sensação de plenitude, sabendo que deixara um legado que transcenderia gerações.

Antonella foi enterrada no cemitério de Queens, ao lado de Giuseppe, o homem com quem construíra uma vida nova e que havia sido seu companheiro fiel em cada passo de sua jornada. A lápide simples, marcada apenas por seu nome e uma breve inscrição, dizia mais do que palavras poderiam expressar: "Uma vida moldada pelo amor, pela coragem e pela esperança." Ela havia vivido plenamente, e sua história se tornara uma lenda dentro de sua própria família. As sementes que ela plantara, naquelas noites de inverno, ao ensinar aos filhos e netos as canções de San Vigilio, continuariam a florescer por muitos anos. A memória de Antonella permanecia viva em cada prato de comida, em cada história contada e em cada sorriso compartilhado, um testemunho da força de um espírito imortal.

Seu legado permanece até hoje, não apenas em seus descendentes, mas também na força de sua história — a de uma jovem que ousou desafiar a adversidade e, ao fazê-lo, construiu um novo mundo para si e para sua família. 


Nota do Autor

A história de Antonella é uma obra de ficção inspirada pela coragem e resiliência de milhões de emigrantes italianos que, no século XIX, deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor em países distantes. Embora os nomes, lugares e eventos aqui descritos sejam fictícios, eles refletem as realidades enfrentadas por essas pessoas: a pobreza devastadora, a travessia desafiadora, e o esforço incessante para construir uma nova existência em terras estrangeiras. Os emigrantes italianos carregavam consigo não apenas suas esperanças, mas também suas tradições, idiomas e culturas, enriquecendo profundamente os países que os acolheram. Ao contar essa história, quis homenagear esses homens e mulheres anônimos cujas vidas foram marcadas pelo sacrifício, pela saudade e pela capacidade de transformar desafios em oportunidades. Que a jornada de Antonella inspire os leitores a refletirem sobre os legados deixados por seus antepassados e a força necessária para começar de novo, mesmo diante das adversidades.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta





quinta-feira, 31 de julho de 2025

Giovanni Rizzo: La Vita Tra Do Mondi

 


Giovanni Rizzo
La Vita Tra Do Mondi

Giovanni Rizzo lu el ze nassesto ´ntel 1864, ‘nte una contrà sperduta su le coste seche de la Sicilia oriental, ‘ndove el tempo pareva fermarse tra le rudere normane e i vignài scorticà dal vento salà che vegniva dal mar Tireno. Là, el destin dei òmeni el zera segnà prima ancora de nàssere — scrito par la tera ingrata, par la duresa de le staion e par l’òrdine fermo de le famèie, ‘ndove el nome, la fede e ‘l campo el zera tuto quel che se gavea.

Fin da putelo, Giovanni el aveva capìo che la vita la era ‘na sucession sensa fin de robe che se ripetea: àlbari taià dai mugido del bestiame magro, zornade sensa fin soto ‘l sol che brusava, e note corte, ‘ndove se dormiva sentìndo el strido del vento contro i muri de piere seche. I zorno scominsiava e finia soto el stesso cielo esteril, ‘nte ´na monotonia dura ‘ndove el sudor se mescolava con la pólvere, e la speransa la parea ‘na roba lontan, un lusso riservà a chi gavea tera, no a chi la laorava.

La casa ‘ndove el zera nassesto — ‘na baita de piere messa insieme a man, sensa calcina — la zera sta tirà su dal so nono, e a stento la bastava par contener la famèia granda. Le mure frede tegneva sete cristiani ‘ntei do stanzoti strèti, ‘ndove ogni spàssio el zera caro, e ogni piato, poareto. La mare, Carmela, la spartiva el tempo tra el telaio e l’orticelo che no rendea gnente. El pare, Donato, el zera mezadro soto un contrato verbal con el baron, paron de campi sensa fin e sensa scrùpoli.

La proprietà del baron la siapava tuto el fondo de la val, e i so’ capatàs passava a cavàl par le carrare come se fusse un teritòrio conquistà. I contadini i vivea con el peso eterno del dèbito — sempre dovendo par la tera, el pascolo, i semi, anca par l’aqua del poso. Bastava ‘na racolta sbaglià, ‘na piova fora de tempo, e le cambiale le se inpinia come un càrego che se tramandava de pare in fiòl

Nte la scòla del paes — se se podéa dir cussì al buco scuro ‘ndove un vècio prete insegnava a lesar i salmi — Giovanni el zera sta tra i pochi putéi che gavea ‘mparà a lesar. Ma no ghe zera né tempo né libri. A oto ani za ‘ndava in campo. A dòdese, el portava i scarponi roti del pare par tirar el aratro con el mulo straco. Soniar el zera un gesto inùtile. El mondo che el conosséa finiva là ‘ndove finiva le coste sbrusà.

Ancora, in quel silénsio dei zorni tuti uguali, Giovanni el ga tacà a capir che ‘sta vita tramandà la zera ‘na folia. ´Ntel so sguardo ghe el se lesea ‘na inquietudine muda, ‘na sospeta che fora dal mar ghe zera altro — oltre a quel che i veci contava ‘nte le cantine. La zera el prinssìpio de un desiderio ancora sensa forma: romper el siclo, traversar el mondo, e catare, ‘nte ´na tera foresta, un futuro che la so no ghe gavea mai promesso.

L’amor de Giovanni par Rosa el ze nassesto tacà pian, come l’aqua che se infila tra le piere sensa far rumor, ma con tanta forsa da sformarle con el tempo. La ze ´na intra i vignài e le fiere de la vila, coltivà a l’ombra de le usanse, niente a de sguardi de traverso e incontri nascosti tra un compito e un altro. Rosa Mancuso la zera fiola del scarper, un omo duro e pien de orgòio, che el vedea ntel sposar la fiola ‘na ocasion par nar su un scalìn — mai che l’avesse lassà che la se mete con un contadin sensa niente.

Ma Rosa la vedea in Giovanni ‘na roba che ndava oltre i strass e le man con i cali. El gavea un modo de vardar che no se piegava, un fondo calmo che no se trovava tra i altri. E mentre le altre putele le sospirava par le coltre ricamate e le fede d’oro, Rosa la volea libartà — e la vedea in Giovanni no un protetor, ma un compagno, con cui forse, scampar fora de ‘sta gàbia de contrà.

Se sposà prima de scònto, con l’aiuto de ‘na zia de la mare, e dopo i ga fà ‘na seremónia ufissial, al’ombra de la ceseta de Santa Lucia. No ghe ze stà festa, gnanca ‘na polenta: solo qualcheduna manta prestada, pan cot el dì prima, e el silénsio grosso de chi no aprovava. La so uniom la zera no solo de cuor, ma ‘na rotura — scéta ma decisa — con le catene dei veci. La ceseta, picenin e ùmida, quel zorno la ze sta ‘l palco ‘ndove la tradission e la rebelion se ga guardà ntei oci.

Par qualchedun mese, lori i ga vivento come se i gavesse vinto el destin. Giovanni, con el cuor pien de ‘na speransa rara, el laorava el dopio. Rosa, ‘ntei lavori de casa, la ricamava lenziòi che mai i ga avù. La zera ‘na felissità modesta, ma vera — come ‘na radura fata a forsa in meso al buco streto de la rutina.

Ma tuti do i savea, anca sensa dir gnente, che ‘sta trègua la saria stà corta. El mondo atorno el zera el stesso. La tera la restava seca, i fruti inserti, e i esatori del baron pì veloci che mai. Ma in quel spirà de pase, come el òcio de un temporal, i ga piantà insieme ‘na idea: ‘na vita fora — che forse la gavea nome de vapor, odor de porto, e acento foresto.

Ma la disgrasia no domanda. La riva come le ga rivà tante sfighe in ‘sta tera dura: sensa aviso, sensa giustìssia, sensa rimèdio. Rosa la si é malà dopo setimane de debolesa e dolori tacà, e la provava ancora a far tuto come prima. La zera incinta, ma ‘l corpo, fiaco dal poco magnar e dal peso del laor, no la ga resistì. Quando el sangue el ze tacà a rivar, i visin i ze corsi a siapar la vècia levadora del paese, perché médego no ghe ne zera prima de ‘na zornata in carossa. El socorso el ze rivà massa tardi. 

Rosa la ze morta ‘na matina cargà e sufocante, streta en lenziòi sporchi de sangue, ‘nte ‘na stanzota ‘ndove el sol no gavea coraio de ‘ndar. Lei gavea solo vintitrè ani. Giovanni el ghe tegneva la man fin al último respiro, e là, zenoci par tera, sul suolo pestà, el ga conossù ‘na pena che gnanca ‘na léngoa de la so tera podéa dir cossa la zera. No la ga pianto sùito. El ga sentì come se ghe ‘venisse cavà via el peto con ‘na pala, lassando ‘na ferida viva che mai la se sarìa.

El luto no el ze stà solo par la dona che el amava, ma par tuto quel che la rapresentava — la fuga, el doman, l’altro mondo. Con che la ze ‘nda via, lu el zé restà solo ‘na casa móla e scura, ‘ndove le robe che le gavea paréa che lo guardasse in silénsio. I lenziòi ricamà i zera ancora inpiài sora l’arca. El grembiule ‘ndà drio la porta el paréa che lei lo stesse aspetando. E el leto, che prima el zera massa pìcolo par do, adesso el zera un deserto insuportàbile.

Giovanni el ga provà a tirar via. El continuava a tegner la tera come podéa, ma questa no ghe parlava pì. Le vigne, che prima le gavea orgòio, adesso le ghe pareva grife piantà ´nte la tera, che lo tegnea là, incatenà a in peso de mondo che ghe gavea portà via tuto. El laor, che prima el zera dignità e sustento, el ze ‘nda diventar ‘na galera sensa muri. Ogni solco con l’aratro zera un altro zorno tirà via con le recorde. L’ària calda de la Sicilia, che ‘na volta profumava de mar e de mosto, adesso la lo strenséa come ‘na condana.

Con el passar dei mesi, Giovanni el ga capìo quel che i veci mai i diseva forte: che ‘sta tera dei pare podéa anca vegnir el tomba dei fiòi. E quando el ga vardà verso l’orisonte seco, el ga sentì che gnente ghe tegneva pì là — gnanca promesse, gnanca legami, gnanca speranse. Solo el vuoto. E el ze stà pròprio quel vuoto, paradosalmente, che ghe ga dà el coraio par ‘ndar via.

El tempo, che no guarisce ma fa dormir le feride, el ga portà a Giovanni no ‘l conforto, ma ‘na rassegnassion. ´Ntei ani dopo la morte de Rosa, el ze vegnesto un omo tacà, coñ l’oci infossà e i gesti precisi, come se la vita l’fusse restà solo ‘na fila de fadighe par ritardar el deserto che l’gavea drento. E el ze sta in ´na vita silensiosa che el ga conossesto Maria.

Maria Antonietta la zera vedova de un laorador del porto de Messina, morto in ‘na rovina dopo ‘na piova grande. ´Ntei so oci ghe zera el stesso peso del luto che portava Giovanni, e ´ntei spali ‘na forsa dura de chi no speta pì miràcoli. Lei zera ‘na dona con la parola giusta, le man tose e ‘l spìrito che no se straca. Ghe zera in lei ‘na roba che Giovanni el ga sentì suìto: no la speransa — che quela i ghe l’avea già robà — ma la forsa de rifar tuto anca sopra le macerie.

No ghe ze stà amor de boto, gnanca passion de novela. Ghe ze stà complissità. ‘Na intesa tra do cristiani che gavea resistì: tirar avanti insieme e cavar da la vita quel che se podéa ancora. E la zé stà Maria la prima che ga parlà de l’Amèrica. “Là, se ricomìnsia,” la disea. Là se riparte.

La decision de partir no la ze vegnesta con entusiasmo, ma con ‘na mescola de paura e pressa. I Stati Uniti de l’Amèrica — ‘sto nome che se sentiva in boca a la zente come ‘n incanto — i prometea ‘na roba che in Sicilia no esistea: libartà de sceglier el pròprio destin. Giovanni el ga vendesto quel poco che restava de la propietà dei veci, e con el poco che i ga messo insieme, i ga ciapà do bilieti de tersa classe su un vapor che partia da Napoli.

La traversia la ga durà venti zorni. Venti giorni ‘ndove el tempo no se contava con l’orològio, ma con le scatoe de zupa, le tossi del sotocoperto, e el rìtmo del mar che sbateva su la carena. El sotocoperto odorava de umidità, gómito e corpi streti. Ghe zera febre tra i passegieri, sopratuto i putéi, e el timor che el mar se ciapasse i so nomi prima ancora de rivar. Maria, sempre svèia, la curava chi che stava mal, co stràsi bagnà e preghiere. Giovanni, in cámbio, el vardava el mar sensa fin con la stessa ociada che ‘na volta el gavea dà a le campagne de Sicilia: con sospeto e testardessa.

Quande lori i ga sbarcà a Nuova York, scombussolà dal rumor de le sirene e da le case de fero e vetro, i se sentìa come naufragà. La léngua la zera ‘na muràia invisìbile. I carteli, i òrdini urlà da chi laorava con l’emigrassion — tuto el parea un còdice che no se capìa. I ga aspetà ore a Ellis Island, in code e sguardi de sfidansa. Ogni tosse la podea èsser un motivo de rifiuto. Ogni parola mal capita, un risco de vegnir mandà ‘ndrio.

E lora, i zera là. In piè. Insieme. Davanti a un mondo novo che no i gavea ‘spetà, ma gnanca li gavea respinti. E lu el ze stà lì, in quel spàssio tra paura e possibilità, che Giovanni el ga capìo che el ricomìnsio, anca in meso al scognossesto, zera mèio che ‘na morte lenta de rassegnassion.

El prinssìpio el ze sta feròs, come se el mondo novo el domandasse sangue e silénsio prima de darghe qualsiasi speransa. Giovanni el ga siapà lavoro ´nte le piantassion del sud, ‘ndove i campi de tabaco e coton i se distendea fin ‘ndove se se potea vardarva, ‘na vastità che parea pì ´na galera che libartà. I zorni tacava prima de la luse, con la tera che spandea ancora el respiro de la note, e finiva solo con l’ùltimo raio de sol che spariva ´nte l’orisonte rusenoso.

Le man de Giovanni, za dure de la tera siciliana, le ga trovà ´nte le campagne americane ‘na nova strachessa. El caldo pesante del istà imbibìa le camise, pien de zanzare, e el corpo parea de piombo. D’inverno, el fredo feriva come lame, e i strassi no bastava par coprirse dai venti che passa tra i fessure ‘ndove i dormiva strensù, sora leti de paia.

La léngua la zera pì che n problema — la zera ‘na galera. Giovanni el no capiva gnente dei urli dei fatori, e fora dal grupo de italiani el no gavea parola. L’inglese el parea un parlar taiente, che no se podea capir. Anca le robe pì semplice — comprar pan, domandar l’ora, reclamar — le zera ‘na lota par sopraviìvar.

El magnar el zera poco, sempre quel: fasòi liquidi, pan duro, carne salà. Maria la faseva miracoli con quel poco, ma la fame la ghe rodea, sopratuto a la fine del mese, quando i centèsimi no bastea par el late. Lo stesso, lei curava la casa con dignità. El teto el zera un cason de legno, con le spàchie ´nte le pareti, sensa caldana e con le gronde che piovea drento. Ma la zera, in qualche modo, un rifùgio.

Lu el ze stà lì che la morte lu ze rivà in altra volta a picar, come ‘na vècia che mai la sparisse. El primo fiòl del casal lu el ze diventà malà ´ntel secondo inverno — ‘na febre granda, con tosse e fià corto. No ghe zera schei par un mèdego, e gnanca un ambulatòrio par emigranti poveri come lori. Giovanni e Maria i ga provà de tuto: tè de erbe, stràsi, vègia contìnua. Ma no lo ze bastà. El putelo lu el ze morto ancora la matina, tra le brasse de la mare, con el corpo ancora caldo e i oci meso serà, come se dormisse.

El sepoltamento el ze stà pì che ùmile, quasi sensa nome. ‘Na crosseta in un canton del cimitero comunal, ‘ndove i nomi i zera scriti in freta su legno rùspego. Gnanca ‘na seremónia. Gnanca ‘na cantada. Solo la pena muda de do forestieri davanti a un dolor che no se rimete. Giovanni el ga sotarà là no solo el fiol, ma anca ‘na parte de l’ànima — e la speransa che el malel fusse restà indrio, in Europa. 

Da quel zorno là, el ga tacà a laorar con ‘na fùria muda, come se ogni gesto el fusse ‘na sfida lanssià al destin, ‘na maniera de domarlo a forsa. E Maria, pì tacà che mai, la tegnea la casa che parea un orològio che no taca mai, ma el lume ´ntei so oci el zera sparì. I do i savea, sensa dir gnente, che el sònio americano domandava pì che coraio. El domandava tuto.

Ma Giovanni el ga resistì — no par speransa, ma par instinto. La vita no ghe gavea mai dà strada fàssile, solo la scelta tra tirar avanti o cascar. E lu el tirava, passo dopo passo, rifando la so esistensa con quel poco che ghe zera e con ‘na forza che vegniva de lontan, de generassion de contadin che no se spaventava par un rovèscio.

El ga vissù i so ani ‘ntra altri come lu — napoletani, calabresi, abruzzesi — che el ga trovà, par la prima volta in tera americana, ‘na roba che el ghe ricordava casa. La comunità dei italiani, sparsa ma unìda, la funsionava come ‘na ragatela de aiuto e fedeltà. Ghe gera sempre qualchedun che conosséa qualchedun: un murador disposto a far un cámbio de man, un prete che lesea le carte, ‘na vedova che mostrava come far conserve par l’inverno. Legami fràgili, sì, ma veri, tesi tra la nostalgia e el bisogno.

Con el tempo, Giovanni el gà podesto comprar un peso de tera in torno a ‘na vila de operài. Là, con le so man, el ga tirà su ‘na casa de legno — poareta, sì, ma salda, con le fondamenta piantà fondo come par dir che, par la prima volta, el gavea un posto che el zera so. El teto el zera fato con tolete laorà con el facon, e le fenestre pìcole par tegner el caldo. Maria la gavea fato tende con i strassi, e la ga messo i santi in parete, come par dar un poco de belessa a que legno rùstego.

Drio la casa, Giovanni el ga netà un tocheto de tera dura e sabionosa, e con pasiensia el ga scominsià a piantar fasòi, cavoli, cepole, e anca do piantine de ua americana. A canto, el ga fato un porcil con palete storte e un ponaro che pareva un mucio de asse, ma bastava. El tirava su porsei e galine come i so vècie in Sicìlia, no par malinconia, ma par bisogno. El zera ‘na maniera de rifar, con quel che se gavea, el mondo che i gavea lassà — sistemà con le regole de ‘sta tera nova.

La doménega la zera messa in talian, selebrà in fondo a un galpon, ‘nte ‘na capela improvisà. Là, tra candèe tremolanti e cansoni che i conosséa, la memòria de la Sicìlia la tornava viva. La fede de Giovanni no la zera de teologia, ma de sangue: un misto de gesti, riti, promesse tacà e superstission che ghe dava forma al caos. El zera ‘sta fede — no solo in Dio, ma ´nte la dignità del laor, ´nte la costansa de la tera, ´nte la forsa de la famèia — che lo tegnea in piè.

Le memòria de l’infansa, tra i ulivi sechi e i coli pien de pòlvare, no lo lassava. Ma adesso le vegniva sensa ràbia. El zera parte de un càrego che no volea molar. Giovanni el savea che l’Amèrica la domandava che te cambi, ma el savea anca che, sensa le radisa de la Sicìlia, gnente al mondo se tegnea in piè.

Con el passar dei ani, Giovanni el ga smesso de èsser solo un sopravisù: el ze diventà ‘na áncora. La casa che el gavea costruì con tanta fadiga e sacrifìssi invisìbili, la ze diventà un ponto par chi che vegnia dopo — fradei, cugini, fiòi de conpaesan che rivava con el cuor pien e le man vode, con la speransa che anca lu, ‘na volta, el gavea osà soniar.

Là, sul pòrtico de legno e intorno al fornel a legna, se ze formà ‘na rete de acòio. Le doméneghe, la veranda la se impiniva de ose in dialeto, de putei che coreva tra le galine, de done che cussinava piati che ghe sapeva de Sicilia, ma fati con quel che se gavea: pan con erbe del orto, pomodori scampà via, vin fato in casa ´ntei boti piceni de rovere americano. El zera, pì che ‘na casa, un rifùgio: un tocheto de cultura salvà in un mondo che corea.

In sala, Maria la tegneva ‘na scansia con rosari, santi e fotografie in bianco e nero. Lì, i quei che ze rivà i vegniva a siapàr conseie, un posto par parlar de robe grosse: dove ‘ndar, che lavoro catar, come parlar con i paroni, se valea la pena farse sitadin brasilian. Giovanni no disea òrdini ne prèdiche — el mostrava. El stava sentà, parlava poco. I consci i vegniva con pause longhe e el sguardo fisso lontan, come se ogni parola la dovesse passar un campo de fantasmi prima de rivà in boca.

La casa de Giovanni la ze vegnù conossù in meso a l’altra gente come un toco de Sicìlia piantà ´ntel cor de ‘sta tera forestiera. El zera là che se fasea i matrimoni con i nastri colorà e le cansoni vècie, là che i batèsimi i se fasea tra strasse e vin dolse, là che i veci i moreva con la gente intorno, no consumà dal scordar. Un microcosmo, ‘ndove el tempo el gavea ancora ‘na lògica sua. 

Giovanni, sempre presente ma tacà come un saco, el stava ‘nte ste riunion con ‘na facia sèria, come chi porta un peso invisìbile. No disea mai de le pene vècie, ne de la traversia, ne del putel ´ntel fredo inverno che el ga sepolto. Ma el tegneva tuto drento. Lu el zera el depositàrio de ‘na memòria de tuta na generassion — dei fiaschi, dei sacrifìssi, dei picoli trionfi — che tuti preferiva no riviver, ma che gnanca podea scancelar.

El savea, anche sensa dir gnente, che el mise de vita el galava ‘na contradission fondamental: pì che i fòi i s’integrava in sta tera nova, meno che i capiva le radise de ndove i zera nassesto. E pròprio sta roba che Giovanni el aceptava con ‘na calma resignassion. La so mission no la zera de tegner el passà intato, ma de far si che almanco no venisse sotarà in silénsio.

Par cussì, ano dopo ano, la so casa la restava ‘na casa de acòio. E in ogni visita, in ogni pan spartì, in ogni conseio sussurrà, Giovanni el ga costruì, piera par piera, ‘na ponte invisìbile tra do mondi — la tera vècia che ga formà el so spìrito, e el teren novo ndove el piantava ogni zorno el futuro de so gente.

Quando el corpo ga scominsià a no risponder pì con la forsa de ‘na volta, ma el spìrito el restava svèio, Giovanni el ga scominsià a tornar de tanto in tanto in Sicìlia. Le viaie no zera fàssili ne tante — treghi e tragheti, passando per un mar che el ga za conossesto massa. Ma par lu no zera solo un spostar: zera ‘na peregrinassion.

Quando el rivava in contrà, tuto ghe parea pì pìcolo de quel che el tegnia in testa — le strade strete, le case basse, i monti meno monumentai. Ma zera cose che no se rompeva: come se i sècoli i fosse scurì tra le piere sensa cavai via i segni de mdove el zera rivà. El ndava con le man drio e i oci che vardava le case scrostà. El riconose portai, el sentea el profumo dei ulivi lontan, e el scriciolar dei campanili che parea che i sunava par un tempo che el zera sparì.

No el sercava rencontri ne nostalgie sémplissi. Quel che Giovanni el volea, zera la radisa de quel che ancora ghe dava forsa, l’orìgine profonda del so coraio. El savea che la vita nova che ga costruì de là de l'osseano — con sudor, pèrdite e caparbietà — no gavea cancelà la so identità. Al contràrio: la ga raforsà. L’Amèrica ghe gavea dà spassio par crèsser, ma la Sicìlia zera el teren dove i so piè i ga imparà a resister.

E, tutavia, el capia benìssimo che no zera pì solo siciliano, ne solo americano. Èl zera un omo fato da do tere, da do léngue, da do memòrie diverse. La so ànima zera stirà tra continenti, come un instrumento vècio che ancora gira con la forsa de le corde.

´Nte le ùltime visite, el ze restà pì poco. El sentea che la contrà la coreva in paralelo al so presente — come se el fusse solo un viaiante che el toca pian la tera e dopo el parte via. Ma el partia sempre con le tasche pien de tera seca e de foie de ulivo, serbà come ricordi sacri — no par superstission, ma par gratitùdine.

Giovanni el acetava el paradosso con tranquilità. El saveva che no zera pì solo sicilian, ne solo americano. El zera ‘na roba tra i do — un legame vivo tra mondi che par tanti zera separà. Par lu, zera solo ‘na sola stòria, la so.

Giovanni Rizzo no ga mai avù el nome scrito sui monumenti ne in libri de scola o de personagi famosi. No ga mai comandà guere, no ga mai parlà a assemblee, no ga mai fondà sità. Ma el ga vissuto con coraio tacà, quei che no fa rumore — e pròprio par cussì, el sostegno el mondo. El zera un omo comune, formà da l’adversità, drito da un senso del dovere che no ga mia molà, anca de fronte a la pèrdita, a la solitudene e a la distansa impossìbile da ndove el zera nassù.

El ga giocià con el peso de un destio che parea imutàbile — la misèria tramandà — e anca cusì, el ga vissuto el rischio de romperlLu el ga resistì a la pena de sepelir la dona amata e un fioleto, al silénsio opressivo de ´na léngua forestiera, al fredo dei inverni sensa misericòrdia, a la strachessa de zorno que no avea mai fin. E con le spale piegà da la fadiga, el ga trovà la forsa par ricominsiar, par construir da so man ´na esistensa nova, tocheto par tocheto, asse par asse, solco par solco.

La so stòria no la ze ùnica — e pròprio par cussì la conta. La ze el riflesso de miliaia de emigranti italiani che, tra el fin del XIX sècolo e l’inìsio del XX, i ga lassà le coline seche de la Calàbria, i vigneti de l’Umbria, i uliveti de la Sicìlia. I ga partì con poche in scarsela e tuto ´ntel cuor: la memòria de la tera, la fede ´ntei santi e la speransa de un doman pì giusto par i fiòi che ancora i gavarà. E in cámbio, i ga portà al mondo novo quel che i gavea de pì presioso — el laor senza basta, la resistensa capàrbia, la forsa de la parola mantegnù.

Con le man dure e el cuor saldo, sti omo e ste done i ga tegnù barache par case, campagne selvadeghe par orti fèrtili, vilagi scarsi par comunità vive. I ga lassià ai so fiòi no solo cognomi difìssili o ricete su caderni sporchi, ma qualcosa de pì fondo: la certessa che la dignità no depende da la fortuna, che l’onor pò star anca ´ntel silénsio, e che la vera grandessa la ze spesso invisìbile.

El lassà de Giovanni Rizzo no stà in ´na stàtua, ma ´ntel sguardo fermo de un nipote che ga imparà da lu el valor del sudor. Stà ´ntela léngua che la resiste tra le generassion, ´ntei riti de casa ripetù con caressa, ´ntel respeto per la memòria de chi zera prima. Un lassà silensioso, forse — ma eterno. Come le radise de un àlbaro che, anca lontan de la tera d’origen, no ga mia scordà de ndove el ze vignesto.

Epìlogo

Ani dopo la morte de Giovanni, la casa poareta che el ga costruì la stava ancora in piè, come ´na sentinela muta de la so stòria de coraio, renúnsia e speransa. Le mure rovinà dal tempo le tegnea ancora el calor de tanti inverni e istà de sacrifìssio, e l’odor dei fiori che Maria la coltivava ´ntel giardino se smissiava con l’ùmido de la tera, portando con el vento del cortil i bisbigli de memòrie quasi desmentegà.

In quel posto ndove el passà e el presente i se intreciava, cresseva ne generassion nove — fiòi, nipoti, bisnipoti — che i portava ´ntel sangue la forsa rùstega e tenasse de un omo comune. Un omo che el ga traversà osseani, afrontà tempeste che i no zera solo de mar, ma de pene de la vita. No ghe zera monumenti grandi, ne pàgine in libri che ricordasse el so nome. El so tributo zera diverso: ‘na memòria viva, sercà ´ntei oci de chi el ga volù ben e el ga seguì con coraio tasesto.

Giovanni Rizzo no el ga segnà su piere o registri ufissiai, perché la so grandessa zera ´ntel so viver de ogni zorno — ´ntela sfida muda al dolore, ´ntela soma invisìbile de pìcole vitòrie che ga sostegnù la so esistensa. La so vita la zera un mosaico de asénsse colmà da speransa, de pèrdite trasformà in coraio, de radise piantà forti in ´na tera che, pur lontan da la Sicìlia che lu el zera nassesto, el ga imparà a ciamà “casa”.

E cussì, mentre le olive resta contìnua a scotarse soto el cielo lontan de la Sicìlia, el lassà de Giovanni el resta vivo in ogni gesto sémplisse de chi, come lu, i ga osà partir. Omo e done che i ga portà ´ntel peto la fiama dela perseveransa e la certessa che, pur luntan da casa, se pol sempre trovar dove fiorir.

Nota de l’Autor

Sta stòria la ze nassù con la voia de dar vose a chi no ga mai avù nome. La figura de Giovanni Rizzo la ze inventà, ma el so camin el ze stà formà da pesi de verità, racolti tra le carte vècie, le stòrie de famèia, i archivi de l’emigrassion e la memòria condivisa de ‘na generassion che ga traversà el mar in serca de ‘na promessa.

Miaia de italiani i ga lassà le so contrà desmentegà del sud d’Itàlia tra la fin del Otosento e el scomìnsio del Novessento, sospinti da la fame, da le pèrdite e da la speransa. Le so vite le ze sta tessù in silénsio, con le man stropà e i piè ferì, in tera ndove tuto ghe zera novo — la léngua, el tempo, el magnar, le règole, el doman.

Giovanni lu el ze el sìmbolo de sti òmeni e done: no eroi da libri, ma eroi del ogni zorno, che el so pì grande mèrito el ze stà resistar, tegner la famèia, soto i so cari e continuar avanti. La stòria che qua la se conta la ze ‘na memòria viva de ‘sta forsa tacà, invisìbile, che ga trasformà el dolor in fadiga, la nostalgia in radise, l’assensa in eredità.

Scrivendo sta narrativa, no mi go volù contar la verità precisa de un personàio, ma onorar la verità profonda, quela che vien dal cuor de un pópolo intero. Se Giovanni Rizzo el te par vero, el ze parchè el ze stà in tanti. E forse, in fondo, el vive ancora in noaltri.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta




quinta-feira, 17 de julho de 2025

A História de Domenico Scarsel


A História de Domenico Scarsel


Domenico Scarsel, um agricultor humilde das pitorescas colinas da região de Belluno, na Itália, vivia preso às agruras de uma vida que não mais oferecia esperança. As colinas que outrora pareciam um refúgio acolhedor agora se transformavam em um cenário melancólico de infertilidade e escassez. As forças invisíveis da pobreza, como um vento incessante que sopra sem trégua, empurravam-no para longe do lar de seus antepassados. Seus olhos, profundos e cansados, refletiam a exaustão de quem batalhara incansavelmente contra uma terra que já não retribuía o esforço.

Desde a juventude, suas mãos, calejadas e endurecidas pelo peso da enxada e do arado, haviam arrancado da terra cada grão de sustento. Contudo, o solo outrora generoso transformara-se em uma superfície árida, incapaz de nutrir sua família. Lucia, sua esposa, esforçava-se em silêncio para manter a harmonia no lar, enquanto seus três filhos eram o retrato vivo do contraste entre a inocência e a carência. Angelo, o mais velho, começava a assumir o peso de responsabilidades maiores que sua idade; Catarina, de nove anos, ajudava a mãe nos afazeres domésticos, mas frequentemente olhava para as colinas com um misto de curiosidade e tristeza; e Giuseppe, com apenas quatro anos, era a única fagulha de alegria naquela casa marcada pela luta diária.

A Itália, com sua história rica e paisagens deslumbrantes, parecia ter renegado Domenico. O país que ele e seus antepassados sempre chamaram de lar agora não passava de uma prisão de dificuldades insuperáveis. Cada amanhecer trazia a mesma preocupação: como alimentar sua família? Como protegê-los do futuro incerto que parecia se aproximar como uma tempestade inevitável? A promessa de uma nova vida em terras distantes começava a germinar em seu coração, ainda que fosse uma escolha impregnada de medo e sacrifício.

A decisão de emigrar não foi fácil para Domenico Scarsel. As noites insones, marcadas pelo silêncio opressor da casa simples, eram preenchidas por seus pensamentos inquietos. Lucia, sentada perto da lareira quase extinta, costurava remendos em roupas já gastas, enquanto o brilho vacilante da lamparina iluminava apenas parcialmente a expressão tensa de seu marido. Ele ponderava os riscos de cruzar o vasto Atlântico rumo a um destino desconhecido, onde promessas de esperança competiam com histórias de perigos e desilusões.

O medo do desconhecido não era o único peso em seu coração. Domenico sentia a culpa como um espinho constante, atormentando-o por arriscar tudo o que sua família tinha – mesmo que fosse pouco. Retirá-los da Itália, o único lugar que conheciam, parecia uma traição às suas raízes. Mas que raízes eram essas? A terra que deveria sustentá-los transformara-se em um fardo. Após anos de guerras pela unificação e a formação do novo Reino da Itália, o país encontrava-se devastado. Os camponeses, como Domenico, sofriam os efeitos de políticas desiguais que favoreciam os ricos proprietários e deixavam os pequenos agricultores à mercê da fome e do abandono.

O solo que ele cultivava com esforço já não rendia o suficiente. A Itália, dividida por séculos, unira-se politicamente, mas seus filhos mais pobres continuavam separados das promessas de prosperidade. Os impostos altos, os aluguéis abusivos e a competição por terras férteis tornaram impossível a sobrevivência. A fome era uma presença constante nas mesas humildes, e até mesmo a esperança parecia ter abandonado aquelas colinas outrora pitorescas.

Ainda assim, as cartas dos que haviam partido lançavam um fio de luz na escuridão. O Brasil era descrito como uma terra de oportunidades, onde a terra fértil se estendia em vastidões quase inimagináveis. As colheitas, segundo diziam, eram generosas, e o trabalho árduo era recompensado com dignidade. Essas palavras ressoavam em Domenico como uma melodia distante, despertando nele um misto de esperança e dúvida.Enquanto Lucia dava os últimos pontos em um casaco remendado pela terceira vez, Domenico olhava para os filhos adormecidos. Ele sabia que a decisão não podia mais ser adiada. Não era apenas uma escolha por um novo começo, mas pela sobrevivência. O Atlântico era vasto e impiedoso, mas ficar era como esperar pela morte.

Na manhã fria de novembro, enquanto o outono pintava as colinas de Belluno em tons dourados e vermelhos, Domenico fez o anúncio à família. "Vamos para o Brasil", disse ele, sua voz firme apesar do nó na garganta. Lucia assentiu silenciosamente, escondendo as lágrimas por trás de um sorriso forçado. Os filhos, sem entender completamente a magnitude da decisão, reagiram com curiosidade e um toque de excitação infantil.

Os preparativos foram rápidos, mas dolorosos. A venda de ferramentas, móveis e até mesmo o relógio de bolso de Domenico, uma herança de seu avô, serviu para custear a viagem. Cada despedida com parentes e vizinhos era marcada por abraços longos e lágrimas contidas. "Levem a nossa bênção", disse o pároco local, entregando-lhes uma pequena imagem de Santo Antônio para proteção durante a jornada.

Finalmente, no início de janeiro, a família embarcou em um trem lotado que os levaria ao porto de Gênova. As crianças estavam encantadas com a novidade, mas Domenico e Lucia sentiam o peso da despedida em cada quilômetro percorrido. Ao chegarem ao porto, ficaram impressionados com a grandiosidade do navio que os aguardava, um gigante de ferro com chaminés que lançavam fumaça ao céu nublado.

O embarque foi uma mistura de caos e expectativa. Centenas de imigrantes lotavam os conveses, carregando malas de madeira e sonhos por vezes maiores do que o próprio oceano que cruzariam. Enquanto o navio zarpava, Lucia segurou firmemente a mão de Domenico, as lágrimas finalmente escorrendo. Ele apertou sua mão de volta, sussurrando: "Nós vamos conseguir. Por eles", olhando para os filhos que se aninhavam juntos, curiosos e ansiosos.

Naquele instante, Belluno desapareceu no horizonte, mas a imagem de suas colinas permaneceria viva na memória da família, um lembrete constante do lar que deixaram para trás e da coragem que os impulsionava em direção ao desconhecido.

A jornada para o Brasil foi tudo, menos fácil. A bordo do cargueiro abarrotado, Domenico e sua família enfrentaram uma sequência de provações que testaram não apenas seus corpos, mas também seus espíritos. O navio, que parecia imponente quando atracado no porto de Gênova, revelou-se um labirinto claustrofóbico assim que zarparam. As condições insalubres não deixaram margem para qualquer ilusão de conforto: o ar era pesado com o cheiro de suor, umidade e alimentos em decomposição, e os porões onde os imigrantes eram acomodados mais lembravam celas improvisadas do que um espaço para seres humanos.

A comida, distribuída com parcimônia, mal sustentava os viajantes. Os dias no mar, que se alongavam em uma monotonia opressiva, eram pontuados por surtos de doenças que se espalhavam com a rapidez de um incêndio em palha seca. Crianças e idosos eram os mais vulneráveis, e cada tosse ou febre era um prenúncio de tragédia. Domenico, vigilante, fazia o possível para proteger sua família, mas havia limites para o que um homem podia fazer em um ambiente tão hostil.

Após semanas de tormento, avistar o porto de Santos deveria ser um momento de alívio, mas a realidade foi outra. O desembarque trouxe uma nova camada de dificuldades. A Casa de Imigração, para onde foram conduzidos, parecia mais uma fortaleza austera do que um abrigo acolhedor. Suas paredes, frias e úmidas, guardavam os ecos de centenas de vozes – esperanças e medos misturados em um coro que não encontrava resposta. As camas improvisadas, feitas de madeira áspera, não eram melhores do que o chão do navio. O cansaço e a incerteza pairavam como uma sombra sobre todos os recém-chegados.

Foi ali, nesse lugar que prometia ser uma porta de entrada para um futuro melhor, que Domenico sofreu sua perda mais devastadora. Seu pai, o avô Sisto, sucumbiu a febres que varriam o abrigo como uma praga invisível. O idoso, que havia sido o pilar da família na Itália, enfrentara a travessia com coragem, mas seu corpo enfraquecido não resistiu às adversidades. A despedida foi apressada e sem cerimônias, marcada apenas pelo peso do luto e pela impotência diante das circunstâncias.

A morte de Sisto abalou profundamente a família, deixando uma lacuna irreparável. Para Domenico, o momento foi um teste cruel de sua determinação. Entre os soluços abafados de Lucia e os olhares assustados das crianças, ele sentiu a responsabilidade de manter-se firme, de carregar a chama da esperança que parecia prestes a apagar. Não podiam voltar atrás – o custo da viagem já havia consumido tudo o que possuíam. E assim, mesmo com o coração pesado e os olhos ainda marejados, Domenico tomou a única decisão possível: seguir em frente. A terra que buscavam, acreditava ele, ainda prometia uma chance de recomeço.

A fazenda, com seus vastos cafezais, era administrada com rigor e visão estratégica pelo Comendador Aurélio, um homem de origem portuguesa que havia acumulado fortuna no comércio antes de investir em terras. Domenico ficou impressionado com a grandiosidade do lugar: colinas cobertas de pés de café alinhados como soldados em formação, estradas ladeadas por laranjeiras e limoeiros, e um pequeno rio que alimentava um moinho de água.

A casa de madeira onde os Scarsel foram instalados era simples, mas funcional. Com quatro quartos, uma cozinha com forno e telhas de barro vermelho, a residência era um símbolo de modéstia e segurança. Domenico, porém, não se iludia. O trabalho era extenuante, e os ganhos, modestos. A tarefa inicial era carpir o mato denso que crescia entre os cafezais, uma tarefa que consumia horas e rendia pouco.

Ainda assim, o comendador demonstrava respeito pelos colonos. Ele providenciava carne suína semanalmente, distribuía porções generosas de gordura para tempero e era conhecido por garantir que nenhuma família passasse fome. Aos sábados, a fazenda se transformava em um centro de convivência, com danças e cantorias que misturavam italianos e brasileiros em um raro momento de descontração.

Domenico logo percebeu que o Brasil era uma terra de contrastes. Enquanto a fertilidade do solo proporcionava colheitas abundantes, o isolamento e a saudade da Itália eram pesares constantes. Lucia, com sua devoção religiosa, sentia falta da igreja e das celebrações comunitárias que marcavam sua vida na Itália. A distância da cidade e a irregularidade das missas aumentavam sua melancolia, mas ela encontrou força em cuidar da horta e dos filhos.

Angelo, o mais velho, tornou-se uma ajuda valiosa para o pai, aprendendo rapidamente as técnicas de cultivo e armazenamento de milho. Catarina, com sua curiosidade infantil, encantava-se com as novas paisagens e a fauna local. Giuseppe, o mais novo, era a alegria da família, correndo pelos campos e explorando o novo mundo com os olhos brilhando de fascínio.

Com o tempo, os Scarsel começaram a prosperar. Domenico aprendeu a manejar o café e a aproveitar os recursos naturais ao máximo. Lucia cultivava ervas e verduras que complementavam a dieta da família. Apesar das dificuldades, os Scarsel conquistaram o respeito dos demais colonos e até do próprio comendador.

Em uma carta ao professor que havia deixado na Itália, Domenico escreveu:
"Aqui, nesta terra estranha, encontramos muito mais do que dificuldades; encontramos também oportunidades. Embora a saudade doa como um corte profundo, o trabalho nos dá sentido, e a esperança nos dá força. Estamos plantando não apenas café, mas também o futuro de nossa família."

Os Scarsel construíram um lar em terras distantes, enfrentando desafios que exigiram coragem e resiliência. Sua história, como a de muitos imigrantes, é um tributo à força do espírito humano e à capacidade de transformar sonhos em realidade, mesmo nas condições mais adversas.

Nota do Autor

"A História de Domenico Scarsel" é um relato verídico com nomes fictícios, profundamente inspirado nas histórias reais de milhares de imigrantes italianos que cruzaram o Atlântico no final do século XIX, em busca de uma nova vida no Brasil. A narrativa acompanha Domenico, um humilde agricultor das colinas de Belluno, e sua família, que enfrentam dificuldades inimagináveis em sua terra natal, agravadas pelas guerras de unificação da Itália e pelas condições econômicas opressoras da época. Este pequeno resumo do livro oferece um vislumbre das lutas e conquistas dessa jornada épica. A história não é apenas sobre a sobrevivência física, mas também sobre a força do espírito humano, a resiliência diante da perda e a esperança que impulsiona as pessoas a buscar um futuro melhor, mesmo diante de adversidades intransponíveis. Enquanto Domenico e sua família enfrentam o luto, as doenças e as incertezas de um país estrangeiro, eles encontram também momentos de solidariedade, coragem e renovação. Através de suas experiências, espero honrar a memória de todos aqueles que, como Domenico, ousaram sonhar e reconstruir suas vidas em terras distantes. Este livro é um tributo aos pioneiros e suas histórias de sacrifício e esperança – histórias que continuam a ecoar através das gerações. 

Dr. Luiz C. B. Piazzetta


quinta-feira, 3 de julho de 2025

Além do Mar

 


Além do Mar

O ano era 1885. Vittorio Mancoretti, um homem de constituição robusta e com olhos escuros e profundos que refletiam tanto a dureza da vida quanto a obstinação de quem nunca desiste, nascera e crescera na pequena e quase esquecida aldeia de San Daniele, ainda agarrada às montanhas do Friuli. Essa aldeia era um lugar onde o vento trazia histórias de gerações marcadas pelo trabalho árduo e pela resignação diante de uma terra ingrata. Vittorio era o filho mais velho de uma família de pobres camponeses, onde a única herança era o saber como arrancar de uma terra árida o pouco que bastava para viver.

Desde menino, ele compreendera que o nascer do sol trazia consigo o peso do trabalho, e que as noites eram feitas de esperanças silenciosas, muitas vezes esquecidas pelas promessas de uma Itália unificada há pouco. Aos trinta e cinco anos, seus ombros já estavam curvados pelos mesmos gestos repetidos: arar, plantar, colher – uma dança infinita que retornava apenas cansaço.

A seca, uma companheira cruel das colheitas, e a pobreza, sempre à espreita, haviam transformado a vida dos Mancoretti em um ciclo amargo de escassez. A pequena faixa de terra herdada, exausta por anos de exploração, não era mais capaz de sustentar sua esposa Bianca, uma mulher forte com olhos azuis desbotados pelo tempo, e seus dois filhos pequenos, Matteo, de sete anos, e Rosa, que tinha apenas quatro anos. Matteo já havia começado a ajudar o pai nos campos, mas seu espírito ainda estava cheio da inocência dos jogos. Rosa, por outro lado, frágil e frequentemente doente, necessitava de cuidados que muitas vezes eram mais do que podiam oferecer.

Vittorio sentia o peso de suas responsabilidades como uma corrente que o mantinha preso a um destino que parecia nunca mudar. Cada dia passado naquela terra lhe roubava um pedaço de força, mas nunca sua determinação. Dentro dele, ardia uma chama viva – uma inquietação que o levava a olhar além das montanhas de Valdorsi, sonhando com uma vida onde o trabalho não fosse apenas sobrevivência, mas uma promessa de algo mais.

As notícias de uma nova terra, rica e generosa no sul do Brasil, chegavam devagar pelos vizinhos que haviam lido cartas de parentes emigrados. Falavam de florestas vastas, rios caudalosos e promessas de terras próprias, longe dos patrões que lhes tiravam tudo. Vittorio, inicialmente cético, não podia mais ignorar a miséria crescente ao redor de sua casa.

Bianca, prática e decidida, disse ao marido:

“Se ficarmos aqui, morreremos. Se partirmos, ao menos teremos uma esperança.”

Com o coração pesado, Vittorio decidiu vender tudo o que possuíam — o velho arado, uma vaca magra e até mesmo a aliança de casamento de sua esposa.

O Vapor Umberto I

A jornada até o porto de Gênova foi uma verdadeira odisseia, cheia de dificuldades e sacrifícios. A família percorreu estradas empoeiradas e acidentadas, viajando por dias em uma carroça carregada de pertences, depois em vagões apertados de trem e, finalmente, a pé, atravessando povoados e colinas com os poucos bens que possuíam bem embrulhados.

No cais, o ambiente era uma mistura de névoa e expectativa, cheio de vozes em dialetos diferentes, carregadas de esperança e desespero. Foram agrupados com dezenas de outros emigrantes, todos com destino ao Brasil, formando uma massa de rostos ansiosos e olhares perdidos.

Umberto I, ancorado, imponente diante deles, parecia uma cidade flutuante, com suas enormes chaminés e os conveses lotados de pessoas. Para quem nunca tinha visto o mar, a visão do colosso de ferro era tão fascinante quanto assustadora. Mas o cheiro de óleo e sal, misturado ao burburinho dos passageiros já embarcados, criava uma sensação sufocante antes mesmo de entrarem no vapor.

No porão do navio, escuro, úmido e abafado, as condições eram ainda mais opressivas. Famílias inteiras estavam amontoadas em redes penduradas no teto, enquanto outras improvisavam camas com trapos e malas. A travessia do Atlântico era um verdadeiro tormento: a fome corroía os estômagos, doenças se espalhavam como fogo, e a saudade dos entes queridos deixados para trás parecia pesar mais a cada dia, com cada onda que o navio enfrentava.

Matteo, o menino de sete anos, era um raio de sol no meio da escuridão do porão. Com sua energia infinita, organizava jogos e brincadeiras, arrancando sorrisos das outras crianças e aliviando, ainda que por um momento, o peso da viagem. Rosa, sua irmã menor, porém, era frágil e, dia após dia, parecia definhar, arrancando lágrimas silenciosas de seus pais.

Certa noite, especialmente longa, enquanto o vapor deslizava sob um céu sem estrelas, Vittorio, o patriarca, estava no convés, segurando a mão de Bianca, sua esposa. Olhava para o mar escuro como se buscasse respostas na vastidão desconhecida. O peso de sua decisão apertava seu peito. E se tivesse cometido um erro irreparável? E se sua busca por uma vida melhor condenasse sua família à miséria ou, pior, à morte?

Mas Bianca, com sua força inabalável e seu olhar sereno, apertou sua mão e sussurrou:
“Mantenha a fé, meu amor. A terra que encontrarmos será a promessa de um novo começo. Basta resistirmos.”

Essas palavras ecoaram no coração de Vittorio, uma centelha de esperança no meio de uma escuridão que parecia infinita.

Os Primeiros Anos na Colônia

Quando desembarcaram no porto de Rio Grande, os Mancoretti sentiram uma mistura de alívio e incerteza. A longa travessia do Atlântico havia terminado, mas a verdadeira jornada estava apenas começando. Foram enviados para a Colônia Conde d’Eu, situada entre as verdes encostas da Serra Gaúcha.

Ao chegarem ao destino, encontraram uma terra vastíssima, mas de uma beleza selvagem: cheia de florestas densas e habitada apenas pelo silêncio das árvores e pelo canto distante dos pássaros.

Os primeiros dias foram marcados por novos desafios a cada instante. A família construiu um abrigo improvisado com troncos e folhas, um barraco rudimentar que mal os protegia das chuvas incessantes e do frio das noites. Mas, para os Mancoretti, aquele refúgio simples representava o primeiro passo para um lar. Vittorio, com o machado nas mãos, passava as manhãs derrubando árvores gigantescas e lutando contra os espinhos, enquanto Bianca, com maestria e paciência, limpava pedaços de terra para plantar repolhos e legumes.

As dificuldades pareciam insuperáveis. A comida era escassa, os braços não bastavam para todo o trabalho, e a solidão pesava como um fardo invisível. Rosa, ainda fraca após a viagem, contraiu uma febre alta que rapidamente drenou suas forças. Sem médicos ou remédios, Bianca cuidou da menina com compressas de ervas e orações todas as noites. Milagrosamente, Rosa se recuperou, mas aqueles dias de medo deixaram marcas profundas em todos os corações da família.

Foi a solidariedade dos outros colonos que trouxe algum alívio e esperança. Os recém-chegados logo entenderam que sobreviver era possível apenas com o esforço coletivo. Juntos, homens e mulheres trabalhavam para abrir trilhas na floresta, erguer casas simples e compartilhar a pouca comida que tinham. Vittorio, com sua determinação calma e talento natural para liderar, tornou-se uma referência para a comunidade. Sua voz firme e serena era como uma âncora em meio às tempestades da vida.

O Florescer da Esperança

Após cinco anos de luta contínua contra a terra, o tempo e suas próprias incertezas, a vida dos Mancoretti começou a mudar de forma. As terras, antes uma extensão selvagem de floresta densa, agora exibiam fileiras ordenadas de trigo dourado, pés de feijão verde e vinhedos carregados de uvas suculentas. O cheiro da terra fértil, conquistada com suor e perseverança, permanecia como um lembrete do que o esforço humano podia alcançar.

Vittorio, incansável, dedicou cada minuto de seus dias a construir uma casa digna para sua família. A nova casa de madeira, erguida com tábuas robustas cortadas por suas próprias mãos, era um símbolo de vitória. Na sala principal, pendurou com reverência o crucifixo que haviam trazido da Itália, um lembrete de fé e esperança que os sustentou nos anos mais difíceis. A casa, embora simples, tinha um calor humano que nenhuma mansão poderia replicar.

Matteo, agora um jovem forte e curioso, tornara-se o braço direito do pai nos campos. Mas, enquanto suas mãos calejadas trabalhavam a terra, sua mente sonhava mais alto. Ele desejava mais do que uma vida de trabalho agrícola; sonhava em criar uma escola para as crianças da colônia, oferecendo-lhes um futuro onde pudessem escrever, ler e sonhar como ele fazia. Rosa, por sua vez, havia se transformado de uma menina frágil em uma jovem cheia de vida. Sua saúde agora florescia, e sua voz, melodiosa e cheia de emoção, conquistava os corações dos colonos durante as missas na capela improvisada, um pequeno barraco decorado com flores e devoção.

Na primavera de 1890, a primeira colheita de vinho da família Mancoretti foi realizada, marcando um momento de grande satisfação. O aroma doce do mosto invadiu a casa, e os barris, armazenados no recém-construído celeiro, simbolizavam mais do que trabalho árduo: eram a promessa de um futuro próspero.

Naquela noite, sob um céu estrelado, os Mancoretti e seus vizinhos permitiram-se sonhar. Eles não estavam apenas sobrevivendo; estavam criando raízes profundas, tão sólidas quanto os vinhedos que começavam a dar frutos.

Naquele tempo, ele pensava, troquei a comodidade pelo risco, o hábito pelo desafio. E a liberdade, esta terra generosa, nos retribuiu com raízes que jamais imaginei que pudessem se aprofundar tanto.” Às vezes, ele sussurrava ao vento, como se conversasse com Bianca: “Conseguimos. Não apenas por nós, mas por todos aqueles que vieram depois.”

Com o som distante das risadas dos seus netos, que se divertiam entre as fileiras de videiras, Vittorio fechava os olhos por um momento, sentindo-se em paz. Ele sabia que havia cumprido seu dever e que o legado dos Mancoretti não era apenas a terra que ele havia cultivado, mas também os sonhos que havia plantado e as vidas que havia tocado. No coração da Serra Gaúcha, sob um céu que parecia mais luminoso do que nunca, a história de Vittorio tornava-se parte desta terra que ele tanto amava.

Nota do Autor

A história da família Mancoretti é uma ficção inspirada em muitos relatos de imigrantes italianos que chegaram ao Brasil no final do século XIX. Assim como Vittorio e Bianca, centenas de milhares de famílias deixaram suas terras natais, especialmente das regiões do Vêneto, Lombardia e Trentino-Alto Ádige, em busca de uma vida melhor. Fugiam da miséria, das crises econômicas e da falta de perspectivas que assolavam a Itália após a unificação, encontrando no Brasil um novo lar, embora cheio de desafios.

As colônias italianas no Rio Grande do Sul, como Caxias, Dona Isabel (atual Bento Gonçalves) e Conde d’Eu (hoje Garibaldi), foram fundadas em meio à mata virgem da Serra Gaúcha. Os primeiros anos desses imigrantes foram marcados por um profundo isolamento, condições de trabalho adversas e a falta de infraestrutura básica, como estradas, médicos e escolas. Muitos enfrentaram doenças, perdas pessoais e uma saudade profunda, mas, ao mesmo tempo, construíram comunidades vivas e resilientes, que moldaram a identidade cultural e econômica dessa região.

O personagem de Vittorio representa o espírito de liderança e perseverança que emergiu entre os colonos, enquanto Bianca simboliza a força e a fé que sustentavam tantas famílias. Matteo e Rosa refletem as gerações seguintes, que sonhavam e trabalhavam para ampliar os horizontes conquistados por seus pais.

A inclusão do vinho como parte do legado da família Mancoretti é uma homenagem à introdução da viticultura pelos italianos no Brasil, um feito que transformou a Serra Gaúcha em um dos principais centros vinícolas do país. Ainda hoje, as festas da colheita e as celebrações comunitárias são ricas em tradições trazidas da Itália, repletas de música, dança e gratidão pela terra que os acolheu.

Esta história é uma ode à resiliência humana, ao poder dos sonhos e à força de um legado que transcende fronteiras. Que os Mancoretti sejam um espelho para todos aqueles que, em momentos difíceis, tiveram a coragem de recomeçar e criar raízes em terras distantes, transformando o desconhecido em lar.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta