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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

O Eco das Montanhas: A Jornada de Chiara Rossetta

 

O Eco das Montanhas 

A Jornada de Chiara Rossetta


A história começa na primavera de 1898, em um pequeno e pitoresco vilarejo chamado Zoldo Alto, localizado nas encostas mais ao norte da província de Belluno, onde os picos nevados dos Dolomitas se erguiam como guardiões silenciosos de um mundo que parecia alheio à modernidade. Após um inverno rigoroso, os primeiros sinais de vida ressurgiam; a neve começava a se dissolver sob o calor tímido do sol, expondo os campos férteis que logo se transformariam em um vibrante tapete de flores silvestres. Chiara Rossetta, uma jovem de 17 anos, estava no quintal de sua casa simples, construída de pedras gastas pelo tempo e pela chuva. Seus olhos, de um castanho profundo, seguiam o contorno das montanhas ao longe, como se buscassem respostas no horizonte. O ar da manhã era fresco, impregnado do perfume das árvores de pinho que circundavam a aldeia. Chiara segurava um lenço vermelho em suas mãos ágeis, dobrando-o cuidadosamente antes de amarrá-lo com firmeza sobre seus cabelos escuros e trançados. Aquele lenço não era apenas um acessório. Era um símbolo da tradição, herdado de sua mãe, e que agora ela usava com um misto de orgulho e saudade. Com o olhar ainda fixo nas montanhas, suspirou profundamente, sentindo o vento frio beijar suas bochechas coradas. Ali, naquele instante de quietude, Chiara se sentia parte de algo maior, um elo invisível com a terra que sustentava sua família há gerações, mas também com os segredos e as incertezas que o futuro poderia trazer. Chiara vinha de uma família humilde. Seus pais, Domenico e Teresa, lutavam para sustentar os cinco filhos com a pequena colheita de batatas e o leite de algumas vacas. As noites eram longas, preenchidas pelo som do vento entre as árvores e pelo murmúrio das preces de sua mãe, pedindo por um futuro melhor.

Um dia, um murmúrio diferente percorreu o vilarejo, carregado pelo vento frio que descera das montanhas. A chegada de uma figura austera conhecida por organizar o recrutamento de trabalhadores para as colheitas no Trento, trouxe um burburinho de curiosidade e inquietação. A mulher, com sua voz firme e postura imponente, anunciou na praça: “Eles precisam de braços fortes para a colheita na Val d’Adige. Pagam bem, e o trabalho dura toda a estação.” Suas palavras, simples e diretas, reverberaram como uma promessa de esperança para muitos, mas também como uma despedida inevitável para outros. Para Chiara, a oferta parecia mais que um simples trabalho sazonal; era uma janela para um mundo além das montanhas que confinavam seu vilarejo. Cada palavra da signora Dal Bosco soava como um eco de possibilidades, uma chance de escapar, mesmo que por poucos meses, do cotidiano monótono e das obrigações sufocantes que marcavam sua juventude. Zoldo Alto, com suas paisagens deslumbrantes, era também uma prisão onde as oportunidades eram tão raras quanto flores no inverno. Mais do que isso, a proposta carregava um brilho prático: era a chance de aliviar o peso que sua presença impunha à família. A pequena soma que prometiam pagar poderia comprar pão, pagar dívidas e, com sorte, começar a compor o dote que Chiara sabia ser essencial para um casamento digno. Cada moeda guardada seria um tijolo no alicerce de um futuro que, até aquele momento, parecia uma miragem distante. Ainda assim, o sonho de um futuro próprio era frágil, um fio tênue que se equilibrava entre a esperança e o realismo implacável da pobreza. Havia algo mais profundo em sua decisão: um anseio por independência, por provar a si mesma que era capaz de romper o ciclo de limitações que a cercava. Contudo, a promessa de liberdade trazia consigo um preço emocional. A ideia de partir significava deixar para trás tudo o que conhecia – os rostos queridos, as noites em volta da lareira, os campos que ela sabia como a palma da mão.

Esse dilema pulsava como um tambor silencioso em seu peito. Chiara sabia que, ao aceitar, não estava apenas enfrentando a distância física, mas também cruzando uma linha invisível entre o que era esperado dela e o que ela desejava para si mesma. A pobreza podia limitar seus recursos, mas não apagava sua determinação de lutar por algo maior. Naquela mesma noite, enquanto o resto da casa dormia, Chiara ouviu os sussurros baixos de seus pais na cozinha. A mãe, com a voz embargada, dizia que era perigoso deixar a filha ir tão longe. O pai, silencioso como sempre, respondia apenas com suspiros profundos e o ranger da cadeira contra o piso. Quando a discussão cessou, Chiara sabia que havia tomado sua decisão, mesmo que essa pesasse como uma pedra em seu coração.

Na madrugada seguinte, o vilarejo repousava em um silêncio sombrio, com as sombras ainda abraçando as fachadas de pedra e os telhados cobertos de musgo. A pequena praça, iluminada apenas pela pálida luz de um céu que prometia o amanhecer, parecia suspensa no tempo, como um cenário à espera de que algo marcante acontecesse. Chiara estava lá, tremendo não pelo frio, mas pela carga emocional do momento. Ao seu redor, outras jovens se reuniam em pequenos grupos, sussurrando palavras de conforto ou despedida, enquanto ajeitavam malas gastas e cachecóis remendados. Ela segurava firme sua pequena mala de couro, desgastada pelo tempo, mas suficiente para abrigar o pouco que possuía: uma muda de roupa cuidadosamente dobrada, um rosário que sua mãe lhe entregara na noite anterior, e um pedaço de pão envolto em um pano simples, símbolo tanto de sustento quanto de despedida. Era tudo o que precisava para começar a jornada – e, talvez, tudo o que podia levar sem olhar para trás. O lenço vermelho estava amarrado com cuidado sobre seus cabelos escuros, quase como um escudo contra o vento frio da madrugada e as incertezas do que viria. Mas enquanto seu corpo parecia firme e seu queixo erguido sugeria determinação, seus olhos, grandes e inquietos, revelavam o tumulto interior. Medo e esperança se misturavam em suas pupilas, pulsando com a mesma força de seu coração acelerado.

Chiara não era a única a enfrentar essa batalha silenciosa. Ao redor, as outras jovens exibiam expressões semelhantes, cada uma carregando não apenas malas, mas também sonhos, responsabilidades e angústias. Para todas elas, aquele momento era uma linha divisória, um ponto sem retorno, onde o conhecido e o incerto se encontravam. Enquanto o céu começava a clarear, prometendo a chegada de um novo dia, Chiara apertou as alças de sua mala, como se aquele gesto pudesse conter os pensamentos que a inundavam. Ela sabia que, ao dar o primeiro passo para fora da praça, estaria começando não apenas uma jornada física, mas também uma travessia emocional que mudaria sua vida para sempre.

Quando a carroça surgiu ao longe, cortando a neblina da manhã e levantando uma nuvem de poeira na trilha, Chiara sentiu uma fisgada no coração. Era o momento definitivo, aquele em que não haveria mais tempo para hesitações ou despedidas. Ela lançou um último olhar para as montanhas que haviam sido seu abrigo, seus desafios e, às vezes, sua prisão. A luz do amanhecer tingia os picos ainda cobertos de neve, como se a paisagem quisesse guardar sua silhueta em memória. O rosto de sua mãe, banhado em lágrimas, e o silêncio pesado de seu pai assaltaram sua mente com força inesperada. Ambos haviam transmitido amor e desaprovação em igual medida, como se tivessem chegado a um acordo tácito de que a decisão era dela, mas a dor era deles. Nesse instante, Chiara murmurou para si mesma uma promessa silenciosa: um dia, retornaria. Mas não como a menina que partia com uma mala cheia de esperanças e medos, e sim como uma mulher que tivesse moldado seu próprio destino, provando que o sacrifício valera a pena. 

A jornada até Trento foi tudo menos fácil. As primeiras horas foram passadas em silêncio, com o ranger das rodas da carroça e o estalar de cascos no caminho pedregoso oferecendo o único consolo rítmico. Às vezes, desciam para caminhar, as jovens seguindo a trilha estreita enquanto as carroças avançavam lentamente. O vento frio cortava seus rostos, e os pés, empoeirados e doloridos, começavam a se ressentir da distância.

Quando finalmente chegaram à estação de Tezze Valsugana, Chiara sentiu um misto de exaustão e maravilhamento. Diante dela, um trem fumegava como uma fera adormecida, o vapor se misturando ao ar gelado da manhã. Era a primeira vez que via algo tão grandioso e intimidador. O som metálico das rodas nos trilhos e os gritos dos condutores faziam seu coração disparar. Mas ela se manteve firme, segurando com força sua pequena mala e respirando fundo, como se quisesse absorver toda a coragem que aquele novo mundo exigia. Ao cruzar a fronteira, o primeiro teste aguardava. Um homem de expressão severa e roupas impecáveis pediu documentos. Chiara retirou, com mãos ligeiramente trêmulas, um certificado assinado pelo pároco do vilarejo, atestando sua “boa conduta”. O papel, amarelado e dobrado com cuidado, representava mais do que uma formalidade; era sua garantia de que pertencia àquele grupo, de que trazia consigo não apenas sonhos, mas também a dignidade que seu vilarejo lhe confiara. Enquanto o oficial analisava o documento, ela ergueu o queixo e encontrou força no pensamento de que, passo a passo, estava se aproximando do futuro que escolhera para si mesma.

Em Trento, a grandiosa Piazza del Duomo, com suas pedras desgastadas pelo tempo e a imponente catedral gótica ao fundo, parecia um cenário tirado de um conto de outro mundo. No entanto, para Chiara, a beleza do lugar foi eclipsada pela realidade crua que a esperava. O mercado das Ciòde era um espetáculo que misturava tradição e brutalidade, e ela sabia que seria um dia gravado em sua memória com ferocidade. Sob a sombra de um majestoso tiglio, o grande freixo que parecia testemunhar séculos de histórias de dignidade e humilhação, as jovens estavam alinhadas como se fossem parte de uma exposição silenciosa. Os agricultores locais, com mãos calejadas e rostos endurecidos pelo sol e pela vida nos campos, aproximavam-se com olhares críticos. Seus olhos percorriam cada jovem como se estivessem avaliando gado, fixando-se nas mãos, nos braços e até na postura. Alguns murmuravam entre si em dialetos ásperos, enquanto outros faziam perguntas diretas que pareciam cortar como navalhas. A experiência era avassaladora, uma mistura de julgamento e exposição que tornava o ar quase irrespirável.

Chiara, porém, manteve-se firme, ainda que sentisse o calor subir-lhe ao rosto, tingindo suas bochechas de um vermelho que combinava com o lenço em sua cabeça. Era um rubor de humilhação e raiva contida, mas também de determinação. Ela endireitou os ombros e olhou para frente, recusando-se a baixar os olhos como algumas das outras jovens faziam. Não daria àqueles homens o gosto de vê-la encolher-se. “Suas mãos são fortes?”, perguntou um homem de meia-idade, sua voz rouca. Ele segurou os dedos de Chiara com firmeza, virando-os para examinar as palmas. Chiara engoliu seco, o gesto invasivo desencadeando um arrepio que percorreu sua espinha, mas manteve a compostura. “Sim, senhor”, respondeu ela, com uma voz firme que desafiava o desconforto. Enquanto os minutos se arrastavam, ela percebeu que aquele momento era mais do que uma transação: era uma prova. Não apenas de sua força física, mas de sua resiliência. Sob os olhares avaliadores e os cochichos dos compradores, Chiara fez uma promessa a si mesma. Por mais degradante que fosse a experiência, ela não seria definida por aquele instante. Era uma batalha pequena dentro de uma guerra maior — e ela pretendia vencer. Foi contratada por uma família chamada Berti, donos de uma vasta plantação de maçãs. Seu trabalho começava ao amanhecer e só terminava com o cair da noite. Apesar do cansaço, Chiara encontrava consolo nas raras cartas que enviava e recebia de sua família. Mas nem tudo era sofrimento. Nos intervalos roubados entre as longas horas de trabalho, Chiara encontrou alívio na companhia de outras Ciòde, jovens que, como ela, haviam deixado seus lares em busca de algo melhor. Foi ali, entre as plantações e os alojamentos simples, que conheceu Lucia Zaniella, uma menina de apenas 15 anos, cujos olhos brilhavam com uma vitalidade que nem mesmo a exaustão conseguia apagar. Lucia tinha um jeito travesso, sempre pronta com um comentário espirituoso que arrancava risos até nos momentos mais difíceis. À noite, sob a luz suave da lua que banhava os campos da Val d’Adige, as duas se sentavam lado a lado, emolduradas pelo silêncio quebrado apenas pelo som distante do vento ou pelo murmúrio das cigarras. Aquele era o momento em que o peso do dia parecia se dissipar, ainda que brevemente. Entre goles de água ou bocados de pão duro, compartilhavam histórias de suas aldeias, falavam das famílias que haviam deixado para trás e sonhavam, cada uma à sua maneira, com um futuro menos cruel.

Lucia contava sobre os riachos gelados de sua terra natal e sobre os irmãos menores que esperavam por ela, enquanto Chiara falava das montanhas de Zoldo Alto e da promessa que fizera de retornar como uma mulher forte e independente. “Um dia, quero abrir uma pequena trattoria”, dizia Lucia com um sorriso tímido. “Nada grande, mas cheia de gente rindo e comendo. Você será minha sócia, Chiara.” A ideia, ainda que remota, iluminava seus rostos como uma vela num quarto escuro. Juntas, enfrentavam os desafios com mais coragem. O trabalho nos campos era extenuante, e os olhares desconfiados dos locais frequentemente adicionavam um peso extra aos seus ombros. Mas havia força na amizade, uma cumplicidade silenciosa que tornava as adversidades mais suportáveis. Quando uma hesitava, a outra encorajava. Quando uma caía, a outra ajudava a levantar. A amizade com Lucia tornou-se uma âncora para Chiara, algo que a lembrava de que, mesmo em tempos difíceis, a solidariedade podia florescer, criando laços mais fortes que as correntes da pobreza ou da humilhação. E assim, noite após noite, entre sussurros e risos abafados, as duas teciam não apenas sonhos, mas uma rede de esperança que as mantinha firmes, mesmo quando tudo ao redor parecia desmoronar. No final da colheita, Chiara retornou a Zoldo Alto com algumas moedas no bolso e um coração mais forte, mais moldado pelas adversidades que enfrentara. Ao contrário da jovem hesitante que partira meses antes, ela agora carregava dentro de si uma força silenciosa, fruto das longas jornadas sob o sol implacável, das noites insones em que sonhava com um futuro melhor, e das provações que a haviam feito crescer de maneira inesperada. Ao se aproximar da pequena aldeia, sentiu uma estranha sensação de pertencimento, como se, em algum nível profundo, as montanhas que a cercavam e a terra dura que ela pisava tivessem se integrado à sua própria essência. As majestosas montanhas de Zoldo Alto, que antes lhe pareciam vastas e intimidantes, agora pareciam menos ameaçadoras, quase como velhas amigas que observavam seu progresso. Elas estavam ali, sempre presentes, mas não mais intransponíveis. Pareciam agora fazer parte de quem ela era, como se a força delas tivesse sido transferida para ela ao longo de sua jornada.

A estrada de volta foi silenciosa, com Chiara refletindo sobre tudo o que havia vivido no Trento. As dificuldades do mercado das Ciòde, os olhares de avaliação dos agricultores, a solidão das noites à luz da lua — tudo isso a havia marcado profundamente. Mas também a fortaleceram. Ela já não era mais a menina que partira com um lenço vermelho amarrado na cabeça, com o rosto marcado pela inexperiência e pela insegurança. Chiara havia aprendido a suportar o peso das expectativas e das adversidades, a ser firme quando as circunstâncias tentavam quebrá-la. Agora, ela era uma mulher que carregava no olhar algo de irrevogável, uma determinação forjada nas experiências vividas. Ao atravessar a porta de casa, o cheiro da madeira queimada no fogão e o calor do lar acolheram-na de forma reconfortante, mas já não era a mesma menina que se despedira ali. A mãe, com seus olhos marejados de saudade, a abraçou com força, mas Chiara percebeu que, de algum modo, havia algo novo entre elas — um silêncio compartilhado, uma compreensão silenciosa sobre o quanto o mundo fora além de seus muros. Ela não era mais apenas filha. Era alguém que havia vivido, que tinha uma história para contar, uma história que a tornara mais inteira, mais capaz de enfrentar o futuro. E, apesar de ainda não saber ao certo o que o futuro lhe reservava, Chiara agora sabia que, de alguma forma, ela seria capaz de moldá-lo.

Anos depois, Chiara usaria as lições duramente conquistadas na Val d’Adige para liderar outras jovens de Zoldo Alto. As experiências de trabalho nas vastas vinhedos e a dureza das longas horas sob o sol implacável haviam deixado uma marca profunda em seu caráter, uma marca que ela carregava com uma dignidade silenciosa. Sua voz, antes hesitante e cheia de incertezas, agora era um reflexo de quem conhecia, de perto, o peso da exploração e da subordinação. Ela falava com a firmeza de alguém que soubera o que era ser tratada como mercadoria, a ser avaliada não pela sua humanidade, mas pela força de seus braços. Mas, ao mesmo tempo, havia em suas palavras algo mais — uma esperança inquebrantável, um brilho de luz que nunca se apagava, mesmo nas situações mais sombrias. Chiara acreditava na força do espírito humano, na capacidade de resistir, de se levantar e, acima de tudo, de transformar a dor em aprendizado e superação. Ela sabia que não podia mudar o passado, mas acreditava firmemente que podia ensinar as jovens do vilarejo a não se deixarem abater pelas dificuldades. Em sua postura, na forma como observava os outros com olhos atentos e acolhedores, havia a certeza de que elas também poderiam encontrar força dentro de si mesmas, assim como ela havia feito. Suas palavras eram como um farol para aquelas que, como ela, um dia se sentiriam perdidas diante da vastidão de um mundo que parecia imenso e implacável. Chiara não era mais a jovem ingênua que partira para Trento, mas uma mulher que conhecia a escuridão e sabia como encontrar a luz no fim do túnel. E, ao compartilhar suas histórias, ela se tornava um exemplo de resiliência, uma voz que poderia inspirar outras a lutar por seus direitos e sonhos. Ao liderar aquelas jovens, Chiara não apenas transmitia as lições da colheita, mas algo ainda mais importante: a crença de que, mesmo nas situações mais difíceis, era possível manter a esperança viva. Em cada palavra que dizia, em cada gesto de liderança que tomava, ela plantava as sementes de uma revolução silenciosa — não apenas contra as injustiças do mundo, mas também contra as limitações que cada mulher carregava dentro de si. Ela acreditava que, um dia, a Val d’Adige não seria apenas um lugar de trabalho árduo e exploração, mas um símbolo de superação e força coletiva.

A história de Chiara Rossetti é uma entre milhares, mas sua jornada ressoa com a intensidade das montanhas que cercavam sua terra natal, como se as rochas de Zoldo Alto tivessem guardado cada suspiro, cada lágrima, e cada passo que ela deu em direção ao futuro. É um testemunho de resistência, forjado nas circunstâncias mais difíceis, onde a sobrevivência não era apenas uma questão de força física, mas também de espírito indomável. Em tempos de adversidade, quando a vida parecia estar contra ela, Chiara se erguia, movida não apenas pelo desejo de escapar da miséria, mas pela necessidade de provar a si mesma e ao mundo que a mulher, assim como a terra que cultivava, podia florescer mesmo nas condições mais áridas. A sua luta não era apenas pela sobrevivência; era uma busca pela dignidade, pela autonomia, pela capacidade de tomar as rédeas de seu próprio destino. Ela representava a força silenciosa de tantas mulheres anônimas que, durante séculos, haviam sido empurradas para os limites da história, ignoradas por aqueles que escreviam os grandes feitos. Mas, como as montanhas que a viam crescer, a história de Chiara se erguia firme, impassível ao passar do tempo, e continuava a ser contada nas sombras das colinas, nas palavras sussurradas pelas gerações que viriam depois dela. Era uma história de coragem, onde cada obstáculo superado se transformava não apenas em uma vitória pessoal, mas em um símbolo de todas as mulheres que se viam, à sua maneira, refletidas em seu sofrimento e em sua força. As dificuldades que Chiara enfrentou eram as mesmas que milhões de outras mulheres experimentavam, mas a forma como ela as encarou, com uma determinação serena e uma visão implacável de futuro, tornava sua história universal. Ela não era apenas um nome perdido na memória de um pequeno vilarejo italiano; ela era o eco de todas as mulheres que, ao longo da história, lutaram para ser vistas e ouvidas. E, assim, sua vida permanece como um lembrete de que, mesmo nas épocas mais sombrias, as montanhas da adversidade podem ser escaladas, e as vozes daqueles que enfrentam a tempestade podem, finalmente, ser ouvidas e reverberadas por todas as gerações que virão.


Nota do Autor


Este romance foi inspirado em pesquisas e relatos históricos sobre as vivências e desafios enfrentados pelos habitantes da região de Belluno, no Vêneto, durante os séculos XIX e XX. Embora os eventos narrados sejam fictícios, eles refletem as dificuldades reais de uma época marcada pela luta pela sobrevivência, pelas mudanças sociais profundas e pelo êxodo em busca de melhores oportunidades em terras distantes. Ao escrever esta obra, busquei dar voz a personagens que, embora fruto da imaginação, carregam em suas trajetórias os sentimentos, os medos e os sonhos que poderiam ter sido os de qualquer pessoa daquela época. O sofrimento diante das guerras, a luta contra a miséria, e a resiliência necessária para sobreviver em meio às adversidades são elementos que perpassam esta narrativa, concebida com profunda admiração pelas vidas de nossos antepassados. Nenhuma das figuras retratadas aqui representa pessoas reais, e a história foi construída como um tributo às histórias anônimas que moldaram comunidades inteiras. As paisagens descritas, as aldeias, e os eventos refletem o contexto histórico e cultural da região, enriquecidos com a liberdade criativa que a ficção permite. A pesquisa que embasou este romance envolveu a consulta a textos históricos, artigos, e memórias coletivas. Entre as fontes consultadas, um relato particular sobre os desafios das mulheres de Belluno foi uma importante inspiração para construir o pano de fundo deste enredo, ainda que o mesmo tenha sido amplamente reelaborado para criar uma narrativa original e independente. Espero que esta obra inspire não apenas uma reflexão sobre o passado, mas também uma apreciação pela força humana em tempos de adversidade, enquanto nos conectamos com as vozes que ecoam através da história.
Com respeito e gratidão,

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta

terça-feira, 22 de julho de 2025

El Eco de le Montagne: La Zornada de Chiara Rossetta


 

El Eco de le Montagne: 

La Zornada de Chiara Rossetta

La stòria la scomìnsia in primavera del 1898, in un pìcolo e pitoresco paeseto ciamà Zoldo Alto, sentà su le coste pì a nord de la provìnsia de Belluno, ndove i cimi nevegà dei Dolomiti i se alsava come guardiani silensiosi de un mondo che pareva lontan da la modernità. Dopo un inverno rigoroso, i primi segni de vita i ze rivà; la neve la se dismanciava pian pian col caldo del sol, scoprendo i campi fèrtili che de lì a poco i se gavea trasformà in un tapeto vivo de fiori selvadeghi.

Chiara Rossetta, ´na tosa de 17 ani, la zera fora, ´ntel cortivo de casa so, ´na casa semplice, fata de piere consumà dal tempo e da la piova. Con i òci so, scuri come el castagno, la vardava el contorno delle montagne lontan, come se la sercasse risposte ´ntel orisonte. L’ària de la matina la zera fresca, pien del profumo dei pini che ghe stava intorno al paeseto. Chiara la tenea un fasoleto rosso ´nte le man, e con destresa la lo piegava ben prima de ligarlo fermo su i so cavèi scuri e trecià. Quel fasoleto no el zera solo un adornamento; el zera un sìmbolo de tradission, ´na eredità che la ghe vien da la so mama, e che adesso la portava con orgòlio mescolà a nostalgia. Con el sguardo ancora fisso su le montagne, la ga sospirà fondamente, sentindo el vento frisiar le so gote rosse. Là, in quel momento de quiete, Chiara la se sentiva parte de qualcosa de pì grande, un ligame invisìbile con la tera che gavea nutrito la so famèia da generassion, ma anca con i segreti e i timor che el futuro podea portar.

Chiara la vien de ´na famèia ùmile. I so genitori, Domenico e Teresa, i ghe dava da magnar a cinque fiòi con la poca racolta de patate e el late de qualcossa de vache. Le noti le zera longhe, pien del suon del vento tra le piante e del mormorio de le preghiere de Teresa, che la domandava un futuro milior.

Un dì, un brusio diverso el passò par el paeseto, portà dal vento fredo che el rivava da le montagne. L’arivo de la Signora Dal Bosco, ´na figura austera famosa par organisar la ricerca de lavoranti par le racolte ´ntel Trento, el ga fato nàsser un misto de curiosità e ansietà. La dona, con la so vose decisa e postura autoritaria, la ghe dise in piassa: “Ghe ze bisogno de brassi forti par le racolte in Val d’Adige. Lori i paga ben, e el lavoro dura tuta la stagion.” Le so parole, semplici e direte, le parea come una promessa de speransa par tanti, ma anca come ´na partensa inevitàbile par altri.

Par Chiara, sta proposta la pareva pì de un semplice lavoro de stagion; la zera ´na finestra su un mondo oltre le montagne che teneva el so paeseto prigioniero. Ogni parola de la Signora Dal Bosco la ghe sonava come un eco de possibilità, ´na oportunità de scapar, anca se par pochi mesi, da la monotonia e dai obligi che la sentiva pesar su la so zoventù. Zoldo Alto, col so panorama meraviglioso, el zera anca na prigion dove le oportunità le zera rare come i fiori d’inverno.

Pì ancora, la proposta la portava un senso pràtico: l’ocasion de aliviar el peso che la so presensa la ghe dava a la famèia. La poca sma che i prometeva de pagar la podea comprar farina, pagar i dèbiti e, forse, scomìnsiar a meter via el dote, che Chiara la savea ben quanto el zera importante par un matrimónio dignitoso. Ogni scheo risparmià el zera un maton ´nte le fondamenta de un futuro che, fino a quel momento, el ghe pareva ´na mirage lontan. 

Par altro lato, el sònio de un futuro par sé stesa el zera fragil, un filo sotile che se tenea drio fra la speransa e la dura realtà de la povertà. Ghe zera qualcosa de pì profondo ´ntela so resolussion: un desidèrio de independensa, de dimostrar a sé stesa che la zera capace de romper el siclo de limitasion che la ghe stava atorno. Ma la promessa de libartà portava con se un pressio emocional. L’idea de partir voleva dir lassar drio tuto quel che la conosseva – i volti cari, le serade intorno al fogolar, i campi che la savea come la palma de le so man.

Sto dilema bateva come un tamburo silensioso ´ntel so peto. Chiara savea che, acetando, no la stava solo afrontando la distansa fìsica, ma anca passando ´na linea invisìbile tra quel che la ghe zera aspetà e quel che la voleva par sé stesa. La povertà podea limitar i so mesi, ma no potea spegner la so determinassion de lotar par qualcosa de pì.

Quela stessa sera, mentre el resto de la casa dormiva, Chiara gavea sentì i sussuri bassi dei so genitori in cusina. La mama, con la vose strosà, disea che zera pericoloso lassar che la fiola andasse via così lontan. El pare, silensioso come sempre, ghe rispondea solo con sospiri profondi e col scrìtolar de la carega sora el pavimento. Quando che la discussión finì, Chiara savea che la gavea deciso, anca se sto peso ghe pareva una piera drento al cuore.

La matina dopo, el paeseto gera ancora avolto in un silensio scuro, con le ombre che abrassava le case de piere e i tetti coberti de muschio. La piasseta, iluminà solo da la luse sbiadida de un ciel che prometea l’alba, parea sospesa ´ntel tempo, come un teatro che spetava qualcosa de importante. Chiara zera là, tremando no par el fredo, ma par la carga emocional de quel momento. Intorno a ela, altre tose se reunia in grupeti, sussurando parole de conforto o de adio, mentre le sistemava valise vècie e sciarpe ratopà.

Lei tegnea ben streta na pìcola valisa de cuoio, consumà dal tempo, ma bastansa par contenee el poco che lei la gavea: un cambio de robe piegà con cura, un rosàrio che la so mama ghe gavea dà la sera prima, e un toco de pan avolto in un strasin semplice, sìmbolo sia de sostentamento che de despedida. Zera tuto quel che ghe serviva par scominsià el viaio – e, forse, tuto quel che la podea portar sensa voltarse indrio.

El fasoleto rosso el zera ligà ben su la so testa scura, quasi come un scudo contro el vento fredo de la matina e le incertese de quel che ghe stava davanti. Ma mentre el so corpo parea saldo e el menton alsà indicava determinassion, i so òci, grandi e inquieti, rivelava el tumulto de drento. Paura e speransa se mescolava in le so pupile, pulsando con la stessa forsa del so cuor in afano.

Chiara no gera sola a combater sta batàlia silensiosa. Intorno, le altre tose tegnea espression sìmili, ognuna caricando no solo valise, ma anca sòni, responsabilità e angosce. Par tute le altre, quel momento el zera ´na linea divisòria, un punto de no ritorno, ndove quel che i ga conossesto e el sconossesto se incontrava. Mentre el ciel se scominsiava a schiarir, prometendo l’arivo de un novo zorno, Chiara strense le manighe de la so valisa, come se quel gesto ghe podesse contener i pensieri che la ghe invadeva. Lei savea che, facendo el primo passo fora de la piasseta, la stava scominsiando no solo un viaio fìsico, ma anca una traversia emossional che ghe cambierà la vita par sempre.

Quando la careta se ga mostrà lontan, taiando la nèbia de la matina e alsando un po’ de polvere lungo la strada, Chiara ga sentìo ‘na stocà al cuor. La zera el momento decisivo, quelo ndove no ghe zera pì tempo par esitar o dir adio. Lei gavea dà un’ùltima sbirada a le montagne che le gavea stà el so rifùgio, el so desafio e, quache volta, la so prision. La luse del sorger del sol imbruniva i cimi ancora coèrti de neve, come se ‘sta paisagem volesse tegner la so ombra in memòria.

El viso de la mare, bagnà de làgreme, e el silensio peso del pare i ghe vegnia in mente con un peso inesperà. Tuti do i ghe zera trasmesso amor e desaprovassion par igual, come se i gavea trovà ‘na sintonia tàssita che la resolussion zera la so, ma el dolo zera el loro. In quel istante, Chiara la ga murmurà par lei stessa ‘na promessa tàssita: un dì me tornerò. Ma no come la tosa che la partìa con ‘na valisa pien de speranse e timori, ma come ‘na dona che la gavea costruì el so destino, dimostrando che el sacrifìssio el gavea vinto.

El viaio fin Trento el zera tuto trane che fàssile. Le prime ore le zera passà in silensio, con el scrichiar de le rode de la careta e el schiopar dei piedi su la strada pien de sassi che fasea compagnia. Qualche volta, le dessendea par caminar, le tose che le seguiva la stradina mentre le carete le andava pianin. El vento fredo ghe se infilava nte la fàssia, e i piè, pien de pólvere e strachi, i gavea za da sufrir el peso de la strada.

Quando lei le ze rivà fin a la stasion de Tezze Valsugana, Chiara la ga sentì ´na mèscola de stranchesa e meravèia. Davanti a lei, un treno fumava come ‘na bèstia che dormiva, el vapor che se mescolava con l’ària freda de la matina. Zera la prima volta che la vedeva qualcosa de cusì grande e intimidante. El rumor metàlico de le rode sui binari e i urli dei condutori i ghe fasea bater el cuor. Ma lei la ga tegnesto fermo, stringendo forte la so pìcola valìsia e respirando fondo, come se volesse siapar tuta la forsa che ‘sto mondo novo la ghe domandava.

Passando la frontiera, el primo teste el la spetava. Un omo con la fàssia sèria e ‘na veste impecà la ga domandà i documenti. Chiara la ghe ga dà, con le man un poco tremante, un certificato firmà dal paroco de la vila, che testava la so “bona condota.” El papel, sgualcido e piegà con cura, el rapresentava pì che ‘na formalità; el zera la so garantia de apartener a quel grupo, de portar no solo sòni, ma anca la dignità che la so vila la ghe gavea confià. Mentre l’uficial el controlava el documento, lei la ga alsà el mento e la ga trovà forsa ´ntel pensar che, un passo a la volta, la gavea rivà pì vissin al futuro che lei gavea scelto.

A Trento, la maestosa Piassa del Duomo, con le so piere consumà dal tempo e la catedrale gòtica imponente sul sfondo, la pareva un senàrio tolto de un conto de un altro mondo. Ma par Chiara, la belessa del posto la zera spenta da la realtà cruda che la ghe spetava. El marcà de le Ciòde el zera un spetàcolo che mescolava tradission e crudeltà, e lei savea che ‘sto dì saria restà scolpìo ´nte la so memòria come ‘na ferita viva. Soto l’ombra de un maestoso tiglio, el grande frassin che pareva aver visto sècoli de stòrie de dignità e umiliassion, le tose le zera alineà come parte de ‘na mostra tàssita. 

I contadin del posto, con le man calegà e fasse indurì dal sol e da la vita sui campi, se avicinava con sguardi crìtici. I òci i scorea ogni zòvene come se i stesse valutando bestiame, fissando le man, i brassi e anca la postura. Qualchedun mormorava tra lori in dialeti aspri, mentre altri ghe fasea domande direte che parea taiar come navàia. L'esperiensa zera avassalante, ‘na mistura de giudìssio e esposission che rendeva l'ària quasi impossibile da respirar.

Ma Chiara la ghe stava drita, anca se la sentìa el calor che la ghe montava sul viso, tingendo le so guance de un rosso che andava insieme al fasoleto che lei le gavea in testa. Zera un rossor de umiliassion e ràbia contenuta, ma anca de determinassion. La se radrisò le spale e la ghe guardò drita avanti, rifiutandose de abassar l’òci, come faséa qualcuna de le altre zòvane. No ghe la gavrìa mai dato sto gusto, de vederla sconser.

“Le to man le ze forti?” ghe domandò un omo de mesa età, con ‘na vose rossa. El ghe tegnè le dita de Chiara con forsa, girandole per vardarghe le palme. Chiara la inghiotì ‘n seco, el gesto invasivo ghe desencadenò ‘n fremito lungo la schena, ma lei ga mantenuto la calma. “Sì, sior,” rispose, co ‘na vose ferma che sfidava el disàgio.

Con el passar de i minuti, Chiara la capì che sto momento zera pì de ‘na transassion: zera ‘na prova. No solo de la so forsa fìsica, ma de la so resiliensa. Soto i sguardi valutatori e i bisbigli dei compratori, la ghe fesse ‘na promessa a sé stesa. Per quanto degradante che fusse l'esperiensa, no la sarìa definì da sto momento. Zera ‘na batàia pìcola drento ‘na guera grande — e lei la volea vinser. La ze stà assunta da ‘na famèia ciamà Berti, paroni de ‘na vasta piantassion de pomi. El so lavor el scominsiava con el nasser del sole e finiva solo con el tramonto. Malgrado la stranchesa, Chiara la trovava conforto in le rare lètare che la mandava e ricevéa da casa.

Ma no tuto zera soferena. Tra i momenti rubà tra le ore de lavor, Chiara la trovava solievo in compagnia de altre ciòde, zòvane che, come lei, gavea lassà i so paesi in cerca de qualcosa de mèio. Ze stado là, tra le piantassion e i alogi semplici, che la gavea conossesto Lucia Zaniella, ‘na ragazza de solo quindesani, con i òci che brilava de ‘na vitalità che gnanca la fatiga la gaveva spento. Lucia gavea ‘n modo spensierato, sempre pronta con ‘na batuta spiritosa che la ghe fasseva rider anca ´ntei momenti pì difìssili.

La sera, soto la luce delicà de la luna che la ghe bateva sui campi de la Val d’Adige, le do se sedeva ´na vissin al’altra, incornicià dal silensio, roto solo dal rumor lontan del vento o dai bisbili de le sigare. Zera quelo el momento ndove el peso del zorno el pareva sparir, anca se solo par ‘n momento. Tra ‘na sciarada d’aqua o ‘na bocà de pan duro, le compartiva stòrie dei so paesi, parlava de le famèie che gavea lassà e soniava, ognuna a modo so, un futuro meno crudele.

Lucia la contava de i ruscei gelà de la so tera natia e dei fradei pìcolini che la i aspetava, mentre Chiara la contava de le montagne de Zoldo Alto e de la promessa che lei gavea fato: tornare ‘na volta, forte e indipendente. “Un dì, mi vao verzer ‘na pìcola tratoria,” diseva Lucia con ‘n soriso tìmido. “No grande, ma pien de zente che ride e magna. Ti sarà la me sòssia, Chiara.” L’idea, benché lontan, iluminava i so visi come ‘na candela drento ‘na stansa scura. 

Inseme, le do afrentava i dificoltà con pì coraio. El lavoro sui campi el zera strancante, e i òci desconfià dei local ghe meteva anca pì peso sui so spali. Ma ghe zera forsa ´ntela missìssia, na cumplissità tàssita che rendeva le dificoltà pì suportàbili. Quando ´na zera indessisa, l'altra ghe dava coraio. Quando ´na cascava, l'altra ghe dava na man par tirarla su.

L’amissìsia con Lucia la ze diventà un àncora par Chiara, qualcosa che ghe ricordava che, anca ´ntei momenti difìssili, la solidarietà podéa fiorir, creando legami pì forti de le catene de povertà o umiliassion. E cusì, note dopo note, tra ciàcole piano e qualche riso sofegà, le do tesseva no solo sòni, ma anca na reta de speransa che le tegneva ferme, anca quando tuto intorno pareva cascar. A la fine dela racolta, Chiara la ze tornà a Zoldo Alto con qualcossa in tasca e con el cuor pì forte, formato da le dificoltà che lei aveva afrontà. La Chiara che partì mesi prima, tìmida e insserta, non ghe zera pì: adesso la portava drento de sé na forsa tàssita, nata da le lunghe zornate soto el sol implacàbile, da le note insoni con i sòni de un futuro milior e da le prove che lei aveva fato crèsser.

Quando che la se ze avicinà a la so pìcola contrà, la ghe ga sentì ´na strana sensassion de apartenenaa, come se, in fondo, le montagne che le sircondava e la tera dura che lei pestava se fuse integrà con el so èssere. Le maestose montagne de Zoldo Alto, prima pareva vaste e minassiose, adesso pareva pì familiari, quasi come vèci amiche che osservava el suo progresso. Lore le zera sempre là, ma non pì insormontàbili. Pareva far parte de lei, come se la forsa de le montagne la fusse stà trasmessa a lei lungo el so viaio.

La strada de ritorno la ze stà silensiosa, con Chiara che rifletea su tuto quel che lei aveva vissuto a Trento. Le dificoltà al mercato de le ciòde, i òci valutativi dei agricoltori, la solitudine de le note soto la luna — tuto l’aveva segnà profondo. Ma l’aveva anca rinforsà. Non zera pì la toseta che partì con el fasoleto rosso in testa, el viso segnà da l’inesperiensa e l’inssertessa. Chiara l’aveva imparà a soportar el peso de le aspetaive e delle adversità, a star salda quando le circostanse provava a romperla. Adesso la zera na dona con el sguardo deciso, na determinassion forgià da quel che lei aveva vissuto.

Quando la ze passà la porta de casa, l’odor de legna brusà ´ntel fogon e el calor del focolar la ga ciamà el so cuor, ma Chiara non era pì la stessa. La mama, con i òci pien de nostalgia, la ghe ga dato un abrassio forte, ma Chiara la capì che tra de loro ghe zera qualcosa de novo — un silensio condiviso, na comprenssion tàssita de quanto el mondo el zera pì grande dei muri de casa. Non el zera pì solo ´na fiola. La zera na persona che l’aveva vissuto, che ghe gavea stòrie da contar, stòrie che l’aveva resa pì intera, pì pronta par afrontar el futuro. E, anca se lei non savea ancora cosa el futuro ghe riservava, Chiara la zera sicura de poderlo plasmar.

Questa ze la forsa de Chiara, e la stòria che le montagne de Zoldo le tegnerà par sempre ´ntel silensio de le loro ròssie.


Nota del Autor

Sto romanso el ze inspirà da riserche e raconti stòrici su le vite e i sfidi afrontà dai abitanti de la region de Belùn, ´ntel Véneto, drento ai sécoli XIX e XX. Anche se i eventi contà i ze fictisi, i riflete le dificoltà reali de 'na època segnà da la lota par la sopravvivensa, le grando cambiamente sossial e l'ésodo in serca de oportunità mèio in tere lontan. Scrivendo sto libro, mi go sercà de dar vose a personagi che, incòi i ze fruto de 'l'imaginassion, i porta drento i so passi i sentimenti, le paure e i sòni che i podaria benìssimo èssar quei de ognuno che viveva in quelo tenpo. El sofrimiento davanti le guere, la lota contro la misèria e la resiliensa necessària par sopravviver in meso a le adversità i ze elementi che percore sta narativa, pensà con granda ammirassion par le vite dei naltri antenà. Nissun de i personagi descriti chì rapresenta persone vere, e sta stòria la ze stà pensà come un omaio a le stòrie anónime che le ga plasmà comunità intere. I paesagi descriti, i paesi e i eventi i riflete el contesto stòrico e cultural de la region, enrichì da la libartà creativa che la fission permete. La ricerca che la ga sostegnù sto romanso el ze sta fato con la consulta de testi stòrici, artìcoli e memòrie coletive. Tra le fonte usà, un raconto in particolar sui sfidi de le fémene de Belùn el ze sta 'na importante inspirassion par costruir el fondo de sto intrèsio, anca se el ze stà ampiamente rivisità par crear 'na narrativa original e independente. 

Spero che sto libro el possa ispirà no sol 'na riflession sul passà, ma anca un rispeto pì profundo par la forsa umana drento ai momenti de adversità, mentre che conetemo con le vose che risuona atraverso la stòria.

Con rispeto e gratitùdine.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



segunda-feira, 14 de julho de 2025

Raízes na Terra Nova

 


Raízes na Terra Nova

Em 1877, no coração da província tirolesa de Trento, na Itália, Giovanni Pellezzari, um jovem agricultor de 27 anos, sentiu o peso de uma decisão que não podia mais adiar. Ele havia crescido na pequena vila de San Lorenzo in Banale, um lugar quase esquecido aninhado entre os Alpes, onde os sinos da igreja pontuavam os dias e o aroma de lenha queimada enchia o ar nas noites de inverno. Mas a beleza natural da vila contrastava com a dura realidade de seus habitantes.

As safras pobres tornavam os terrenos já cansados cada vez mais inférteis, e o pequeno lote de terra que Giovanni herdara de seu pai já não produzia o suficiente para alimentar sua família. A crise econômica que assolava a região era sentida em cada esquina: o mercado local esvaziava-se mais rápido que de costume, os vizinhos debatiam ansiosamente o aumento dos impostos, e o inverno parecia mais rigoroso a cada ano. Giovanni via nos olhos de Elena, sua jovem esposa, a preocupação crescente, e o choro de seu filho recém-nascido, Pietro, o fazia refletir sobre o futuro que ele poderia oferecer.

San Lorenzo in Banale, outrora um refúgio de tradições simples e laços comunitários, parecia agora uma prisão silenciosa. As montanhas, que antes representavam proteção, tornaram-se barreiras que isolavam os moradores de oportunidades. Giovanni sabia que não era o único a sonhar com a promessa de terras distantes. Conversas sobre o Brasil ecoavam entre as rodas de amigos, nos encontros após a missa, e até nas cartas de parentes que haviam partido anos antes. Essas histórias falavam de terras férteis, onde o trabalho árduo era recompensado com uma colheita abundante, e onde as crianças cresciam com mais oportunidades.

Foi durante uma noite particularmente fria, enquanto Pietro dormia nos braços de Elena ao lado do fogão a lenha, que Giovanni tomou sua decisão. Ele levantou-se, olhou pela pequena janela embaçada de sua casa de pedra, e encarou a escuridão do vale. A jornada seria arriscada, cheia de incertezas, mas permanecer ali significava condenar sua família ao mesmo destino de miséria que ele tanto lutava para evitar.

Giovanni, então, começou a planejar sua partida com determinação silenciosa. Ele vendeu seus poucos pertences de valor, incluindo um antigo relógio de bolso de pouco valor mas, de grande valor sentimental, pois foi herdado de seu avô, e comprou as passagens de navio para o Brasil. A despedida da pequena San Lorenzo in Banale foi dolorosa. No dia de sua partida, alguns amigos e parentes se reuniram na praça central para abraçá-los pela última vez. Elena carregava Pietro em um xale de lã, e Giovanni segurava firme o único baú que levaria consigo, contendo roupas, ferramentas simples e sementes da terra natal. Com a mala de madeira cuidadosamente preparada, Giovanni colocou os poucos pertences que simbolizavam sua vida até então. Dentro dela, roupas modestas dobradas com esmero por Elena, uma imagem de Santo Antônio que pertencera à sua mãe e um punhado de sementes de trigo colhidas do último campo que cultivara em San Lorenzo in Banale. A mala não continha apenas objetos, mas também memórias e esperanças – um pedaço tangível da vida que deixavam para trás e um lembrete do futuro que esperavam construir.

Ao subir na carroça que os levaria até a estação de trem com destino ao porto de Gênova, Giovanni olhou uma última vez para as montanhas. Ele sabia que estava deixando para trás não apenas a vila, mas também uma parte de sua própria identidade. Contudo, em seu coração, ele carregava a esperança de que, ao outro lado do oceano, pudesse plantar raízes mais fortes, capazes de sustentar os sonhos de sua família.

A jornada até o porto de Gênova foi longa e cansativa, pontuada por despedidas dolorosas e noites inquietas em estalagens humildes. Giovanni e Elena protegiam Pietro do frio outonal que cortava como navalhas, embalando-o com mantas improvisadas e calor de seus corpos. Ao chegarem a Gênova, numa manhã cinzenta e carregada de neblina, foram recebidos pelo ruído constante do porto: gritos de estivadores, o som das correntes arrastando caixotes e o apito estridente de navios que chegavam e partiam.

A visão do Santa Lucia, o imponente navio que os levaria ao Brasil, foi um espetáculo que evocou um turbilhão de emoções no coração de Giovanni. O gigante de ferro, com suas formas robustas e estruturas altivas, erguia-se como um colosso sobre o cais, dominando o cenário com sua presença monumental. Suas chaminés vertiam densas colunas de fumaça escura, tingindo o céu encoberto com um tom ameaçador, como se o próprio oceano estivesse anunciando os desafios da travessia.

Giovanni nunca tinha visto algo tão grandioso e poderoso. A magnificência do navio, que prometia levá-los a uma nova vida, trazia consigo uma sombra de inquietação. Cada detalhe, desde o movimento frenético dos marinheiros até o ecoar constante das ordens gritadas, era um lembrete da vastidão do mar que enfrentariam. Para ele, o Santa Lucia era ao mesmo tempo um símbolo de esperança e uma manifestação tangível de seus medos mais profundos. Ao lado dele, Elena mantinha-se firme, mas seus olhos não escondiam a preocupação. Com Pietro nos braços, ela o apertou contra o peito como se aquele gesto pudesse protegê-lo dos perigos invisíveis que pairavam no ar salgado. Seus lábios se moveram em uma prece silenciosa, quase um sussurro que apenas ela e o céu podiam ouvir. Era uma súplica fervorosa, implorando por segurança e resiliência para enfrentar a jornada incerta que os aguardava. A bordo daquele navio, os sonhos de Giovanni e Elena seriam postos à prova, mas, naquele momento, sob a sombra do colosso de ferro, tudo o que sentiam era a mistura avassaladora de esperança e temor.

As promessas de um novo começo no Brasil pareciam tão distantes quanto o próprio horizonte. O Santa Lucia não era apenas um navio; era o portal para o desconhecido. Cada detalhe dele impressionava Giovanni: as laterais enferrujadas pela maresia, as escadas apinhadas de famílias igualmente ansiosas, os mastros que desapareciam na neblina como se apontassem para outro mundo. Era difícil não sentir um frio na espinha ao imaginar semanas naquele colosso balançando sobre um oceano que ele nunca tinha visto.

Enquanto Giovanni ajudava Elena a subir a rampa que os levaria ao convés, ele respirou fundo. Este é o começo, pensou. A bagagem que carregavam era leve, mas o peso dos sonhos e medos que levavam no coração tornava cada passo mais difícil. No entanto, ao cruzar a entrada do navio, ele lançou um último olhar ao cais, à Europa que deixavam para trás. Naquele momento, sentiu que não havia mais retorno, apenas a vastidão do oceano e a promessa de uma nova terra.

A viagem através do oceano foi uma longa sucessão de desafios. Giovanni descreveu em seu diário a claustrofobia das cabines apertadas e o ar impregnado de sal e suor. O pequeno Pietro chorava incessantemente, assustado com o balanço incessante do mar. No terceiro dia, uma tempestade os envolveu em um caos de ondas gigantes e vento cortante. Muitos rezaram em voz alta, e Giovanni segurou Elena e Pietro como se pudesse protegê-los da fúria dos céus.

A bordo, um ambiente opressivo e carregado de incertezas transformava o navio em uma prisão flutuante. Doenças contagiosas, como uma maré invisível e implacável, varriam os conveses, infiltrando-se nas cabines apertadas e nos cantos úmidos, deixando um rastro de febres, tosses e desespero. O ar, saturado pelo cheiro de sal, suor e enfermidades, parecia conspirar contra os mais vulneráveis.

Elena, mesmo combalida pela exaustão física e emocional, não se deixou vencer pela apatia. Entre as sombras da enfermaria improvisada e os gemidos abafados dos doentes, ela encontrou forças para estender a mão a uma jovem mãe que, debilitada e sem leite, lutava desesperadamente para alimentar o filho de poucos meses. Com uma coragem que desafiava o ambiente hostil, Elena partiu seu pedaço de pão já escasso e o entregou à mulher, cujas mãos trêmulas o aceitaram como se fosse um tesouro. Os olhos da jovem mãe se encheram de lágrimas silenciosas, e por um breve instante, a dureza daquela jornada cedeu espaço a um ato de profunda humanidade.

A generosidade de Elena tornou-se uma fagulha de luz em meio à escuridão avassaladora do navio. Outros passageiros, inspirados por sua ação, começaram a compartilhar o pouco que tinham, criando um elo frágil de solidariedade em um mar de adversidades. Naquele gesto, não era apenas alimento que ela oferecia, mas esperança — a esperança de que, mesmo no coração do sofrimento, a bondade humana podia florescer como uma flor rara em terreno árido.

Quando finalmente chegaram ao porto do Rio de Janeiro após quase um mês, os Pellizzari foram conduzidos à Hospedaria dos Imigrantes. Lá, dividiram espaço com centenas de outros recém-chegados. Giovanni anotou: "Aqui somos como grãos de areia trazidos por uma onda; perdidos, mas juntos."

Depois de quase uma semana no Rio, embarcaram no Vapor Maranhão, que os levou ao porto de Rio Grande. Mais uma vez, enfrentaram a incerteza, desta vez agravada pela hospedagem em barracões superlotados e quase sem privacidade enquanto aguardavam transporte fluvial até a terra prometida. A travessia pela imensa Lagoa dos Patos foi lenta e arriscada; ventos traiçoeiros balançavam as pequenas embarcações a vapor, e Elena apertava Pietro ao peito, enquanto Giovanni ajudava a cuidar de outros passageiros para aliviar a tensão.

Passaram finalmente pela capital da província, a cidade de Porto Alegre, e dali seguiram com o mesmo barco subindo pelas corredeiras do Rio Caí em direção ao cetro da província. Quando após horas de viagem desembarcaram em São Sebastião do Caí, ainda restava um último desafio: uma longa e difícil caminhada que durava quase um dia até a Colônia Dona Isabel. O grupo de famílias italianas subiu morros e cruzou riachos, cada passo ecoando os sonhos de um novo começo.

Quando chegaram à colônia, Giovanni e Elena encontraram apenas vastidões de mata virgem e barracões de madeira precários. O enorme terreno de quase 50 hectares que adquiriram do governo brasileiro era mais promessa do que realidade, pelo tudo que precisava ser feito. No primeiro dia, Giovanni improvisou uma cabana de galhos coberta por folhas de palmeiras para proteger a família. Durante toda a noite, ouviram rugidos de animais ferozes rondando o frágil  abrigo, nervosos com aquela intromissão em seus domínios. Pietro chorava baixinho, e Giovanni, segurando um machado, prometeu a si mesmo que a floresta não os venceria.

Nos dias seguintes, Giovanni começou a abrir clareiras na mata densa. Cada árvore derrubada parecia uma vitória contra a imensidão selvagem. Elena cuidava do pequeno Pietro enquanto preparava algum alimento para a família com o pouco que tinham: raízes, milho seco e ervas.

A primeira safra foi de milho, uma escolha modesta, mas carregada de esperança. Giovanni dedicou-se ao preparo do solo com uma devoção quase sagrada. A cada enxadada, ele sentia o peso dos sonhos de sua família e a responsabilidade de transformar aquela terra desconhecida em sustento e futuro. Com mãos calejadas e alma perseverante, ele plantou cada semente com cuidado reverente, como se estivesse depositando uma parte de si mesmo naquele solo.

Os dias eram longos e exaustivos, e as noites, curtas e inquietas. Giovanni enfrentava não apenas a dureza da terra, mas também suas próprias incertezas, perguntando-se se aquele esforço árduo seria recompensado. A vida na colônia era implacável, e ele sabia que o fracasso não era uma opção.

Quando os primeiros brotos verdes finalmente romperam o solo, foi como um milagre. Na luz suave do amanhecer, Giovanni observou as pequenas folhas despontando, frágeis, mas cheias de promessas. Ele se ajoelhou na terra úmida, sujando as roupas e deixando que as lágrimas descessem livremente por seu rosto. Não eram lágrimas de cansaço, mas de alívio e gratidão.

Aqueles pequenos sinais de vida representavam mais do que uma colheita por vir; eram a confirmação de que seu sacrifício e sua fé começavam a dar frutos. Enquanto seus dedos tocavam suavemente as folhas tenras, Giovanni sentiu uma conexão profunda com a terra que agora chamava de lar. Naquele momento, ele compreendeu que cada gota de suor e cada dia de trabalho árduo valiam a pena. Aquele milho não era apenas alimento; era um símbolo de renascimento, de esperança renovada e da promessa de dias melhores.

Com o tempo, a cabana de galhos foi substituída por uma casa de madeira, construída com as próprias mãos de Giovanni e  a ajuda de outros vizinhos. A comunidade, unida pela luta comum, compartilhou conhecimentos e ferramentas. O milho cresceu alto, e os primeiros sacos de grãos foram trocados por farinha, tecidos e utensílios básicos.

Embora Giovanni sentisse saudades da Itália, ele sabia que o futuro de Pietro estava ali, naquela terra distante. No segundo ano, a família plantou também trigo, e Elena começou a fazer pão novamente. O aroma do pão fresco na pequena cozinha de madeira trouxe lágrimas aos olhos de Giovanni; por um instante, ele sentiu-se de volta a San Lorenzo in Banale.

Giovanni Pellizzari e sua família, com o tempo e uma determinação inabalável, tornaram-se pioneiros respeitados na Colônia Dona Isabel. O que começou como um sonho distante, embalado por esperanças e promessas de uma vida melhor, transformou-se em uma realidade desafiadora, mas repleta de possibilidades. Nos primeiros anos, enfrentaram dificuldades que pareciam intransponíveis. A mata virgem, com seu silêncio profundo e sua imponência quase intimidadora, exigia um trabalho incessante para ser transformada em campos cultiváveis. O solo, por vezes teimoso, parecia resistir ao arado, como se testasse a persistência dos recém-chegados. A vastidão do céu brasileiro, tão diferente do horizonte fechado das montanhas italianas, era ao mesmo tempo uma inspiração e um lembrete da imensidão de sua jornada.

Apesar de tudo, Giovanni e sua família perseveraram. Com cada árvore derrubada, cada sulco traçado na terra e cada semente plantada, eles escreviam sua história de resiliência. Não demorou para que fossem reconhecidos como exemplo de trabalho árduo e liderança na comunidade. A casa simples de madeira, construída com suas próprias mãos, tornou-se um ponto de encontro, um lugar onde outros imigrantes buscavam conselhos, apoio e inspiração. Entre o canto das cigarras ao entardecer e o aroma das primeiras colheitas, Giovanni encontrou no Brasil algo que a Itália, marcada pela pobreza e pela falta de oportunidades, não pôde oferecer: a chance de recomeçar. Na Colônia Dona Isabel, ele não apenas construiu uma nova vida, mas também um legado. A terra, conquistada com tanto esforço, agora florescia, retribuindo cada gota de suor com frutos que nutriam tanto o corpo quanto a alma. Giovanni compreendeu que a verdadeira riqueza não estava apenas na fertilidade do solo ou no progresso das colheitas, mas na capacidade de transformar desafios em oportunidades e de construir um futuro melhor para sua família. Ele se tornou um símbolo vivo de que, mesmo nas circunstâncias mais adversas, o espírito humano, guiado pela esperança, é capaz de realizar o impossível.

A terra que antes parecia inóspita, marcada por desafios implacáveis e por uma solidão quase esmagadora, agora florescia sob os cuidados meticulosos de Giovanni e sua família. O solo, outrora duro e resistente, havia cedido ao trabalho árduo e à determinação inabalável de suas mãos, transformando-se em um cenário de vida e abundância. Os campos ondulavam em tons de verde e dourado, como se a natureza, finalmente conquistada, estivesse agradecendo por sua persistência.

Giovanni observava com um misto de orgulho e humildade o fruto de anos de esforço incessante. Cada planta que crescia, cada grão que amadurecia sob o sol escaldante, era muito mais do que uma colheita: era um testemunho vivo da força da resiliência e da fé no futuro. Ele sabia, no fundo do coração, que as sementes que plantara não eram apenas de milho ou trigo, mas de algo muito mais profundo e duradouro — esperança.

Essas sementes, invisíveis aos olhos, eram as promessas silenciosas de dias melhores para as gerações que viriam. Giovanni imaginava seus filhos, e os filhos de seus filhos, caminhando por aqueles mesmos campos, colhendo os frutos de um sonho que ele e Elena haviam ousado cultivar em solo estrangeiro. Cada pedaço daquela terra agora carregava as marcas de sua história, das suas lutas, e da sua vitória sobre as adversidades. Enquanto o vento balançava suavemente as folhas das plantações, Giovanni ergueu os olhos para o vasto céu brasileiro, tão diferente do céu de sua Itália natal, mas agora tão familiar. Ele percebeu que a verdadeira colheita não estava apenas na abundância material, mas na capacidade de transformar uma vida marcada por dificuldades em uma existência cheia de significado. O Brasil não era apenas o lugar onde haviam recomeçado — era o lugar onde haviam florescido. E, embora ele soubesse que nem sempre estaria ali para ver os frutos de tudo o que havia plantado, tinha a certeza de que suas raízes, fincadas com tanto amor e sacrifício, sustentariam o futuro de sua família por gerações. Giovanni fechou os olhos por um instante, sentindo o calor do sol em seu rosto e ouvindo o sussurro das plantações ao vento, e em seu coração, havia apenas paz.

Nota do Autor

Esta obra, embora apresente nomes fictícios, é baseada fatos e eventos reais que marcaram a história dos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul. Cada página reflete a coragem, a resiliência e o espírito inquebrantável dos pioneiros que, ao deixarem sua terra natal em busca de uma vida melhor, enfrentaram desafios inimagináveis em terras desconhecidas.

A história de Giovanni e sua família é uma homenagem sincera àqueles que transformaram tristeza e fome em alegria e fartura. Com trabalho árduo e determinação, esses imigrantes não apenas construíram uma nova vida para si mesmos, mas também contribuíram significativamente para o desenvolvimento das colônias e da identidade cultural da região.

Ao escrever esta narrativa, meu objetivo foi resgatar e preservar a memória de seus feitos heroicos, dando voz às suas experiências, às suas dores e às suas vitórias. Que esta obra inspire gratidão e admiração por aqueles que abriram caminho para as gerações que vieram depois, deixando um legado de esperança e prosperidade.

Com respeito e reverência,  

Dr. Luiz C. B. Piazzetta


domingo, 18 de agosto de 2024

Sonhos em Terra Nova: A Jornada dos Imigrantes Italianos no Rio Grande do Sul



No final do século XIX, a Itália, então um reino recém unificado, estava marcada pela diminuição drástica de trabalho, pobreza e pelo desespero. A falta de empregos no campo trazia para as pequenas cidades levas de famílias em busca de uma vida nova que o país, por falta de recursos, infelizmente, não podia oferecer. Trento, Vêneto e Lombardia eram regiões particularmente afetadas pela crise econômica que assolava o país. As terras eram secas em algumas zonas e sofriam com inundações em outras, sendo a fome um inimigo constante, especialmente nas zonas montanhosas, acostumadas  a séculos com essas dificuldades. Entre as aldeias e vilarejos, a esperança de melhora era uma mercadoria escassa. No entanto, o rumor de uma terra prometida, do outro lado do oceano, começava a se espalhar como um bálsamo para aqueles que lutavam pela sobrevivência.

Giovanni e Maria, pequenos trabalhadores rurais, moradores em uma vila de Trento, viviam com seus três filhos – Carlo, Lucia e Antonio – em uma velha e precária casa, que a família ja não tinha recursos para os devidos reparos, mas, por outro lado, cheia de sonhos. Giovanni, como agricultor lutava contra a terra ingrata, a inclemência do clima e os preços baixos dos grãos que colhia e dos poucos produtos que conseguia obter, sentia agora que sua família estava à beira do desespero. Ao ouvir histórias sobre a vastidão das terras brasileiras e as oportunidades que se abriam no Novo Mundo, decidiu que era hora de buscar um futuro melhor. Com apenas alguns poucos bens e muito mais esperança, a família se preparou para deixar para trás o que conheciam e partir rumo ao desconhecido.

Enquanto isso, em Treviso, Elisa e seu pai, Giuseppe, estavam imersos em um sentimento de perda e esperança. Giuseppe, um viúvo marcado pela dor da perda recente de sua esposa, viu na emigração uma chance de dar a sua filha uma vida que ele não podia mais proporcionar na Itália. Eles embarcaram em um navio, cheios de expectativas e com o coração pesado pela despedida, rumo ao Brasil.

Na Lombardia, a situação era igualmente desesperadora. Luigi, um jovem artesão, viu a emigração como a única saída para mudar sua sorte e garantir um futuro melhor para seus irmãos mais novos. O navio que os transportava estava cheio de pessoas como ele – homens e mulheres que, carregavam consigo sonhos e esperanças.

A travessia para o Brasil não foi fácil. O oceano, imenso e imprevisível, desafiou a resistência dos imigrantes com tempestades e doenças. A comida era escassa e as condições de vida, precárias. No entanto, a fé e a determinação mantiveram todos em frente. A promessa de um novo começo estava sempre presente, um farol na escuridão das dificuldades.

Quando os navios finalmente chegaram ao Brasil, a visão que se apresentava era muito diferente daquilo que haviam imaginado. Os portos estavam abarrotados de pessoas, a vegetação era densa e o calor, abafante. Os imigrantes foram distribuídos em várias regiões, mas foi no Rio Grande do Sul que encontraram a maior concentração de novas colônias.

As colônias de Caxias do Sul, Dona Isabel e Conde d'Eu foram fundadas com o propósito de oferecer terras e condições para que os imigrantes pudessem prosperar. No entanto, a adaptação à nova vida não foi fácil. As terras eram vastas e selvagens, e a infraestrutura era quase inexistente. A comunicação com o mundo exterior era limitada e os primeiros anos foram marcados por um intenso esforço para transformar a mata virgem em campos férteis.

Giovanni e Maria enfrentaram o desafio com coragem. A família começou a desbravar a terra, com Giovanni trabalhando a terra e Maria cuidando da casa e dos filhos, além de ajudar o marido no pesado trabalho da roça. As dificuldades eram muitas, mas o trabalho árduo e a esperança de uma colheita promissora eram a motivação diária. O clima quente e as doenças desconhecidas representavam desafios constantes, mas a perseverança da família era inabalável.

Elisa e Giuseppe por sua vez, lutaram para se estabelecer em sua nova casa. Encontraram apoio em outros imigrantes e, juntos lentamente, foram formando uma pequena comunidade. Giuseppe usou suas habilidades agrícolas para cultivar a terra, enquanto Elisa cuidava da casa e procurava fazer amizade com os vizinhos para se adaptar à vida nas colônias.

Luigi e seus amigos enfrentaram desafios semelhantes. A terra era rica, mas o trabalho era intenso. Sua aptidão na construção foi útil, encontrando nesse setor o se ganha pão. As condições em que viviam eram duras e a grande distância entre as famílias aumentava o sentimento de isolamento. No entanto, a camaradagem entre os imigrantes ajudava a superar as dificuldades. Além do trabalho na construção, se dedicava com afinco na pequena roça e a primeira colheita foi uma grande conquista. O sentimento de realização começou a brotar, mesmo diante das adversidades.

Com o tempo, os imigrantes italianos começaram a ver os frutos de seu trabalho. As colônias prosperaram, e as terras, uma vez inóspitas, transformaram-se em áreas férteis e produtivas. As dificuldades iniciais foram superadas pela determinação e pelo espírito de comunidade. Os laços entre os imigrantes se fortaleceram, e a vida nas colônias tornou-se cada vez mais gratificante.

O legado dos imigrantes italianos no Rio Grande do Sul é uma história de resiliência e superação. Eles chegaram em busca de uma vida melhor e, através de trabalho árduo e determinação, conseguiram transformar suas vidas e a terra em que estabeleceram suas raízes. Hoje, suas contribuições são celebradas e a influência italiana é uma parte fundamental da cultura e da história da região. A saga dos imigrantes italianos é um testemunho poderoso do espírito humano e da capacidade de transformar desafios em conquistas duradouras.