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quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Alvise Pavesa – Entre a Terra e o Destino


Alvise Pavesa – Entre a Terra e o Destino


Alvise Pavesa veio ao mundo em 1857 na pequena localidade de San Vigilio, em Castiglione delle Stiviere, situado nas colinas da província de Mantova, onde os campos magros sustentavam mal aqueles que deles viviam. Desde a infância aprendera que a terra podia ser madrasta, oferecendo apenas colheitas ralas e trabalho sem descanso. A unificação da Itália não trouxera alívio; os impostos eram mais altos, os soldados levavam os jovens, e as famílias pobres viam-se esmagadas pelo peso das dívidas. Para os Pavesa, a sobrevivência era uma sucessão de invernos difíceis e verões ingratos.

Foi nesse cenário que começou a ouvir falar da América. As cartas vindas do outro lado do oceano enviadas por milhares de emigrantes que já tinham partido se tornavam cada vez mais frequentes e falavam de terras vastas, de colheitas fartas, de patrões sedentos por braços fortes. Homens bem falantes percorriam as aldeias espalhando papéis impressos, prometendo prosperidade do outro lado do mar. A miséria tornava aquelas palavras mais convincentes do que qualquer sermão. Alvise resistiu quanto pôde, mas o peso das dívidas e o medo de não poder alimentar os filhos que viriam o empurraram para a decisão irreversível. Vendeu o pouco que possuía, despediu-se do vilarejo e, com a esposa e a filha de 7 anos em novembro de 1888 e pôs-se a caminho do porto de Gênova.

O embarque foi o primeiro choque. O navio estava abarrotado de famílias inteiras, velhos, mulheres grávidas, crianças de colo, todos comprimidos em porões úmidos que cheiravam a mofo e a maresia. A travessia do Atlântico foi um suplício de semanas. O ar rarefeito misturava o cheiro de corpos, vômito e fezes. Cada tosse que ecoava no escuro parecia anunciar mais um condenado. Muitos sucumbiram à febre antes mesmo de ver terra firme, e os mortos eram enrolados às pressas em panos gastos e lançados ao mar, sob o olhar apavorado dos sobreviventes. Alvise rezava em silêncio a cada corpo que desaparecia nas ondas, temendo que sua própria família fosse a próxima.

Quando, enfim, surgiram as primeiras silhuetas da costa brasileira, um clamor percorreu o navio. Alguns se ajoelharam, outros choraram, e muitos agradeceram a Deus por estarem vivos. Alvise permaneceu calado, os olhos fixos na linha do horizonte. Aquela terra prometida não se parecia em nada com a Itália que deixara para trás. O verde intenso das florestas, o calor sufocante e o céu pesado anunciavam que ali nada seria familiar.

Instalado em Campinas, no interior de São Paulo, descobriu rapidamente a distância entre a promessa e a realidade. O clima úmido e abrasador castigava sem piedade. As lavouras de café e cana de açúcar, que dominavam a região, exigiam uma disciplina quase sobre-humana: o trabalho começava ao raiar do sol e só terminava quando a escuridão caía. O contrato com os patrões não era melhor do que servidão. Os salários mal bastavam para comprar farinha e feijão, e a possibilidade de um pedaço de terra própria parecia uma miragem cada vez mais distante.

Em janeiro de 1889, sua esposa deu à luz uma menina, chamada Caterina nome de uma das avós de Alvise. Foi recebida como sinal de esperança, uma pequena vitória contra a dureza do destino. Mas o calor e a febre o impediram de batizá-la de imediato. Decidiu esperar o tempo esfriar, como se o simples adiamento pudesse proteger a criança da morte precoce que rondava tantas famílias. Sua filha mais velha, Maria, estava doente havia semanas, a febre queimando-lhe o corpo. Alvise via nela o reflexo de sua impotência: a distância dos médicos, a falta de remédios, a única esperança depositada na providência divina.

A vida em Campinas era uma luta contra inimigos invisíveis. Os insetos penetravam na pele dos pés, deixando feridas que nunca cicatrizavam. A malária ceifava vidas sem aviso, e a febre amarela reaparecia em surtos que aterrorizavam a colônia. Muitos colonos, tomados pelo desespero, amaldiçoavam a América e até o nome de Colombo, acusando-o de ter aberto ao mundo uma terra que se revelava mais castigo do que bênção. Outros, resignados, repetiam que, se ao menos pudessem viver sem dívidas, estariam melhor na Itália.

Em São Paulo, a insatisfação explodira em rebelião. Colonos italianos, enganados por promessas falsas de terras, levantaram-se contra seus exploradores. A repressão foi dura, mas a notícia chegou rapidamente ao interior. Alvise sentia crescer entre os imigrantes uma nuvem de descrença. Muitos sonhavam em retornar, mas sabiam que a travessia custava mais do que poderiam juntar em anos de trabalho. Outros, já endividados com os próprios patrões, não tinham sequer a possibilidade de partir.

Ainda assim, pequenos gestos de fé sustentavam os que não sucumbiam à desesperança. Alvise fazia promessas silenciosas. Pedia para os parentes na Itália que missas fossem celebradas em sua aldeia natal, agradecendo a sobrevivência em meio a tantos perigos. Guardava consigo a lembrança das procissões de Castiglione, o toque dos sinos da igreja de São Luís Gonzaga, a imagem dos santos iluminados por velas. Essas memórias se tornaram seu consolo, a ponte invisível entre a vida que perdera e a que agora tentava construir.

A colônia italiana em torno de Campinas se reorganizava com solidariedade. Famílias dividiam sementes, ferramentas, pedaços de pão. As noites eram preenchidas por conversas à luz fraca de lamparinas, em que cada um recontava sua história, talvez na esperança de não se esquecer de quem fora antes. Mas a saudade corroía. Muitos sentiam a Itália mais viva nas lembranças do que o Brasil diante dos olhos. Alvise, que tantas vezes amaldiçoara os campos magros de sua província, agora os recordava como um lugar menos cruel do que a selva tropical que precisava enfrentar.

A pequena roça de milho recém-plantado entorno da casa prometia uma colheita modesta, mas suficiente para garantir alimento por muito tempo. A cana de açúcar, por sua vez, exigia esforço incessante, arrancando-lhe forças que julgava não ter. Cada manhã, ao pegar a enxada, Alvise sentia os ossos pesarem como chumbo. Mas sabia que, se fraquejasse, sua família pereceria.

No íntimo, compreendia que a vida lhe havia imposto o papel de geração de sacrifício. Não colheria a prosperidade que lhe fora prometida. Não teria descanso nem terras próprias. Mas alimentava a esperança de que seus filhos, e os filhos deles, herdariam mais do que penúria. Herdariam raízes fincadas nesta terra estranha, regadas com o suor e as lágrimas de quem pagara o preço mais alto.

E assim, entre dias de calor sufocante e noites de febre, entre memórias da Itália e orações murmuradas sob o céu estrelado de Campinas, Alvise Pavesa foi moldando sua vida ao destino que escolhera. A travessia não terminara no porto; estendia-se em cada jornada pelo cafezal, em cada lágrima diante da filha doente, em cada pedaço de pão dividido com vizinhos. Um homem arrancado da Lombardia pela fome, lançado no coração do Brasil pela esperança, e que agora compreendia que sua verdadeira herança não seriam riquezas nem terras, mas a resistência silenciosa de quem se recusa a ceder diante da adversidade.

Alvise Pavesa envelheceu entre o calor sufocante das lavouras e a sombra das colinas distantes de sua terra natal. Cada gota de suor, cada dor e cada oração se transformaram em raízes invisíveis, firmes no solo estranho que agora chamava de lar.

Seus filhos cresceram ouvindo histórias de uma Itália distante, aprendendo que o valor da vida não se mede em terras ou moedas, mas na coragem de atravessar oceanos, enfrentar doenças e manter a esperança acesa.

E assim, no silêncio das noites tropicais, Alvise compreendeu que sua verdadeira travessia não havia sido o Atlântico, mas a vida inteira: uma jornada de resistência, amor e fé, que floresceria em gerações futuras. A pátria que perdera permanecia em suas lembranças, mas a terra que conquistara com esforço se tornara eternamente sua.

Nota do Autor

A história de Alvise Pavesa – Entre a Terra e o Destino, aqui apresentada em forma resumida, é uma narrativa inspirada em relatos reais de imigrantes italianos que, no final do século XIX, atravessaram o Atlântico em busca de uma vida melhor no Brasil. Embora os personagens e os eventos aqui descritos sejam ficcionais, eles refletem a experiência coletiva de milhares de homens, mulheres e crianças que enfrentaram a fome, doenças, trabalho exaustivo e saudade de uma terra natal distante.

Ao escrever esta obra, procurei permanecer fiel ao espírito da época: à dureza das colônias agrícolas, às dificuldades impostas pelo clima e pelo trabalho, e, sobretudo, à resiliência e à esperança silenciosa que sustentava aqueles que se lançaram no desconhecido. O leitor encontrará nas páginas desta narrativa não apenas sofrimento e luta, mas também o poder da memória, da solidariedade e da coragem de quem, mesmo diante do destino mais adverso, não perdeu a fé na vida.

Este livro é, acima de tudo, uma homenagem a todos os imigrantes que construíram suas histórias e, através de seu esforço, plantaram raízes em terras estranhas, deixando um legado de resistência e esperança que atravessa gerações.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Os Destinos de Enrico e Adele Castrovinci: Uma Saga de Emigração e Resiliência



Os Destinos de Enrico e Adele Castrovinci

Uma Saga de Emigração e Resiliência

Enrico Castrovinci nasceu numa manhã luminosa de primavera em abril de 1841, no pequeno vilarejo de Canova Fornace, uma fração bucólica nos arredores de Sabbioneta, na província de Mantova. O amanhecer daquele dia trouxe consigo uma brisa suave, carregada com o perfume das flores silvestres que desabrochavam após um longo inverno. O sol tingia os campos com um dourado quase mágico, prometendo mais uma estação de fartura para quem ousasse desafiar a terra com as mãos calejadas e o coração repleto de fé.

Filho mais velho de Domenico Castrovinci e sua esposa, Beatrice, Enrico era a primeira centelha de esperança numa família que sobrevivia da generosidade ingrata dos campos. Suas primeiras lembranças eram as de caminhar descalço pelos vinhedos ao lado do pai, observando o suor escorrer pelo rosto dele enquanto lavrava a terra. A mãe, em contraste, lhe ensinava rezar e várias canções antigas em dialeto lombardo enquanto trançava cestos de vime na soleira da porta da casa simples de pedra. A pobreza moldava a rotina da família, mas não sua dignidade.

Enrico era um rapaz que combinava o vigor do trabalho com uma curiosidade inata sobre o mundo. As histórias que o velho pároco da aldeia contava sobre terras longínquas e cavalheiros nobres encheram sua mente com sonhos além dos campos de trigo e dos estreitos canais da região. Mas, por mais que sonhasse, ele sabia que o destino o chamava para ser o pilar de sua casa.

Quando completou 21 anos, em 1862, Enrico tomou uma decisão que alteraria o curso de sua vida. Ele desposou Adele Castiglioni, uma jovem cuja presença parecia iluminar qualquer ambiente. Adele era a filha mais nova de uma família vizinha, conhecida por sua generosidade e firmeza. Com olhos de um verde que rivalizava com os campos na primavera e uma determinação que superava a de muitos homens, Adele era uma força da natureza. Juntos, eles formavam um par quase mítico para os habitantes de Canova Fornace — o jovem trabalhador e a mulher de espírito indomável.

A celebração de seu casamento foi um evento memorável no vilarejo. Os poucos moradores locais se reuniram na pequena capela dedicada a São Remígio, decorada com flores colhidas dos campos. Após a cerimônia, uma modesta festa foi realizada ao ar livre, onde as mesas eram cobertas com pratos simples, mas preparados com o amor e o cuidado de uma comunidade que compartilhava tanto as alegrias quanto as dificuldades. O vinho local, embora rústico, fluía como se fosse o mais nobre elixir, e os risos ecoavam pelos vinhedos.

Na manhã seguinte ao casamento, enquanto os primeiros raios de sol iluminavam os campos, Enrico e Adele começaram sua jornada juntos. Eles sabiam que a vida não seria fácil. Os impostos esmagadores, as intempéries e a constante ameaça de fome faziam parte da realidade. Mas Enrico acreditava que, com trabalho e união, eles poderiam transformar até mesmo o mais estéril dos solos em um jardim fértil. E Adele, com sua força e resiliência, acreditava nele. Os anos que se seguiram foram marcados por desafios e conquistas. Entre o trabalho extenuante nos campos e as noites iluminadas apenas pela luz trêmula da lareira, o casal começou a construir algo maior do que eles mesmos. Mas a história de Enrico Castrovinci não seria apenas uma crônica sobre o trabalho árduo e a vida no campo. Era, acima de tudo, uma história de sonhos, sacrifícios e a luta constante entre o desejo de permanecer fiel às raízes e a tentação de buscar horizontes mais amplos. E assim, na pequena Canova Fornace, com seu céu amplo e horizonte limitado, começava a saga de Enrico e Adele, um prelúdio para um destino que, como as estações do ano, era inevitável e cheio de promessas ocultas.

Nos quinze anos que se seguiram, Enrico e Adele moldaram sua existência em Canova Fornace com uma resiliência que parecia desafiar a dureza da vida no campo. Seu lar, pequeno e simples, tornou-se o coração de uma família que crescia em número e em histórias. Os cinco filhos — Vittore, Luisa, Rosa, Gemma e Cesare — eram o reflexo do amor e da determinação do casal. Cada criança trazia consigo um traço único: Vittore, o primogênito, herdara a seriedade de Enrico e seu olhar atento para os detalhes da lavoura. Luisa, a mais velha das meninas, possuía a gentileza e a praticidade de Adele, enquanto Rosa era uma sonhadora incorrigível, com perguntas incessantes sobre o mundo além dos limites da aldeia. Gemma, por sua vez, tinha uma alegria contagiante que iluminava até os dias mais sombrios, e Cesare, o caçula, já demonstrava uma inquietação precoce, como se sua alma pressentisse aventuras além da terra natal. A vida, no entanto, não era feita apenas de momentos ternos e alegrias familiares. As colheitas eram incertas, e os impostos, cada vez mais pesados, gravavam como um fardo insuportável sobre os pequenos agricultores. Os esforços para expandir os vinhedos ou melhorar a produção de trigo frequentemente esbarravam em intempéries e pragas, deixando Enrico muitas vezes em noites insones, preocupado em como prover para sua crescente família.

A unificação da Itália, que deveria trazer um novo começo para o país, parecia um sonho distante para os habitantes de Canova Fornace. As promessas dos novos governantes chegavam à aldeia como ecos distantes, sem nunca se materializarem em mudanças concretas. Estradas continuavam intransitáveis, mercados permaneciam distantes e os camponeses ainda lutavam para vender seus produtos a preços justos. Enrico sentia que o peso de cada estação ficava mais difícil de suportar, e a sombra da desesperança começava a se insinuar em seus pensamentos.

Foi nesse cenário de incerteza que um dia, na praça do vilarejo, um vizinho retornou da América do Sul trazendo não apenas sua bagagem, mas também histórias que incendiavam a imaginação de quem o ouvia. Falava de terras vastas e férteis no Brasil, onde o solo respondia ao menor esforço, e de um governo disposto a conceder pedaços generosos de terra a imigrantes dispostos a trabalhá-la. As descrições eram tão vívidas que Enrico podia quase sentir o cheiro das novas colheitas e o calor do sol em um céu estrangeiro. No entanto, havia algo mais do que as histórias: havia esperança. Pela primeira vez em anos, Enrico viu uma luz no horizonte que parecia alcançável. Ele não era um homem de ilusões fáceis, mas as palavras do vizinho, combinadas com sua própria insatisfação crescente, acenderam uma chama em seu coração. Era como se o destino o chamasse para algo maior — algo que não apenas pudesse mudar sua vida, mas também a de seus filhos. Sentado à mesa de madeira rústica naquela noite, enquanto os filhos dormiam e Adele costurava à luz da lamparina, Enrico compartilhou com ela os pensamentos que o assombravam desde que ouvira as histórias. Adele, sempre prática, ouviu em silêncio, o olhar fixo nas mãos dele, que apertavam a xícara de chá com uma força nervosa. Quando ele terminou de falar, ela apenas assentiu. Não era uma decisão fácil, mas ela sabia, assim como ele, que talvez fosse a única escolha.

Em 1877, depois de meses debatendo a difícil decisão, Enrico e Adele Castrovinci venderam tudo o que possuíam: a pequena casa onde seus filhos haviam dado os primeiros passos, as ferramentas gastas pelo uso incessante nos campos e até mesmo os poucos móveis que compunham seu lar. Cada objeto vendido era uma despedida dolorosa de uma vida inteira de memórias, mas também um passo inevitável em direção ao desconhecido. Com o pouco que conseguiram arrecadar, compraram passagens para a travessia que prometia uma nova chance no Brasil.

A despedida em Canova Fornace foi marcada por lágrimas e abraços apertados. Amigos e familiares se reuniram para desejar sorte à família. Muitos, como eles, haviam considerado emigrar, mas não tiveram coragem ou recursos para dar o salto. Para os Castrovinci, aquela partida era tanto um adeus quanto um salto de fé. Quando o carro de bois que os levou até a estação de trem finalmente partiu, o silêncio que ficou na vila parecia ecoar a saudade que já começava a tomar conta de seus corações.

No porto de Gênova, o caos reinava. Homens gritavam ordens, crianças choravam, e o ar era uma mistura de sal e fumaça. O navio “Santa Maria” os esperava, imponente e ao mesmo tempo opressor. Ao subir a rampa de embarque, Adele apertava a mão de Enrico, enquanto os filhos olhavam com curiosidade e temor para o colosso de madeira e ferro que seria sua casa pelos próximos quarenta dias. A viagem pelo Atlântico foi um teste de fé e resistência para todos a bordo. O espaço era apertado, e as condições de higiene, praticamente inexistentes. O balanço implacável do mar fazia os estômagos revirarem, enquanto o cheiro de sal, umidade e corpos exaustos impregnava o ar. As rações eram magras: pão duro, uma sopa rala que mais parecia água quente, e, ocasionalmente, um pedaço de carne salgada que precisava ser mastigado com determinação.

As noites no porão do navio eram especialmente difíceis. Adele abraçava os filhos enquanto Enrico, mesmo exausto, permanecia alerta, como se sua vigilância pudesse afastar os perigos invisíveis que os cercavam. Entre os passageiros, circulavam histórias de doenças que se espalhavam rapidamente em navios como aquele, e Enrico sabia que um simples resfriado poderia ser fatal em um ambiente tão precário. Quarenta dias se passaram como uma eternidade. Quando finalmente avistaram a costa do Brasil, um misto de alívio e incerteza tomou conta dos passageiros. O desembarque no Rio de Janeiro foi um momento inesquecível. O porto fervilhava de atividade, com marinheiros e trabalhadores carregando cargas e chamando uns aos outros em uma língua que os Castrovinci não compreendiam.

Eles foram encaminhados para a Hospedaria da Ilha das Flores, em Niterói, um local improvisado que abrigava centenas de imigrantes diariamente. As condições ali não eram muito melhores do que as do navio, mas, pelo menos, havia terra firme sob seus pés. Enrico observava as outras famílias ao seu redor, seus rostos marcados pela exaustão, mas também por uma esperança teimosa, semelhante à que ele próprio carregava. Embora o futuro ainda fosse incerto, os Castrovinci sabiam que haviam superado o primeiro grande obstáculo de sua jornada. No íntimo, Enrico sentia que, por mais que o caminho fosse árduo, ele estava determinado a transformar aquela terra estranha no lar que sua família tanto merecia.

De Niterói, após alguns dias de repouso e incertezas, a família Castrovinci embarcou em um novo capítulo de sua jornada. Seguiram para Vitória, o destino que prometia ser o início de uma nova vida. Ao desembarcarem na cidade, foram encaminhados à Hospedaria da Pedra d’Água, um local simples, mas funcional, onde os recém-chegados eram recebidos e orientados antes de seguirem para as colônias agrícolas. Enrico, sempre atento ao ambiente ao seu redor, observava cada detalhe com uma mistura de fascínio e preocupação. A paisagem era dramaticamente diferente da planície fértil da Lombardia. As florestas densas se erguiam como muralhas verdes, e os rios caudalosos, com suas águas barrentas e correntes traiçoeiras, pareciam esconder segredos tão abundantes quanto os recursos que prometiam. Essa terra parecia ao mesmo tempo rica e implacável, cheia de promessas, mas exigindo coragem e determinação de quem quisesse conquistá-la. Após poucos dias, a família uniu-se a um grupo de outras onze famílias italianas. Juntos, formaram uma pequena caravana, determinada a enfrentar os desafios do interior. A jornada seguinte os levou a um novo tipo de transporte: canoas longas, esculpidas à mão pelos habitantes locais. O rio que cortava a floresta era a única estrada disponível. As águas os levavam em uma viagem lenta, mas incessante, rio acima, rumo a Santa Leopoldina e, posteriormente, Santa Teresa. Os dias na canoa eram exaustivos. Sob o sol escaldante, Enrico e Adele ajudavam a remar enquanto as crianças tentavam se distrair com os sons exóticos da mata ao redor: o canto dos pássaros, o farfalhar das folhas e os ocasionais rugidos de animais desconhecidos. À noite, o grupo montava acampamento nas margens do rio. As fogueiras iluminavam os rostos cansados, e as conversas, misturadas a cantos melancólicos, davam a todos uma sensação de comunidade e coragem compartilhada. Quando finalmente chegaram à região de Santa Joana, o grupo foi recebido com uma visão avassaladora: um mar de mata virgem que precisava ser desbravado. Cada família recebeu uma porção de terra, marcada apenas por estacas de madeira cravadas no chão, que delimitavam o início de seu novo lar. Não havia casas, nem estradas, apenas a promessa de que, com trabalho duro, aquela terra se tornaria fértil e produtiva. Os Castrovinci, como os outros, começaram imediatamente a trabalhar. Enrico e Adele, com a ajuda dos filhos mais velhos, ergueram uma estrutura de madeira improvisada para servir de abrigo temporário. Durante o dia, cortavam árvores e queimavam a vegetação, abrindo espaço para o plantio. À noite, reuniam-se ao redor de uma fogueira, contando histórias e tentando aliviar a saudade de tudo o que haviam deixado para trás. Embora os desafios fossem imensos, havia um senso de propósito que unia o grupo. Enrico, com sua determinação inabalável, liderava os esforços da família, acreditando que cada árvore derrubada, cada pedaço de terra arado, os aproximava de um futuro melhor. Para Adele, o trabalho era um ato de amor pelos filhos, um sacrifício que ela fazia na esperança de que eles pudessem crescer em um lugar onde sonhos pudessem florescer.

A chegada em Santa Joana marcava o início de uma nova vida. Entre o esforço de construir o presente e as lembranças do passado, os Castrovinci começavam a escrever sua própria história na vastidão da terra brasileira. Os Castrovinci se estabeleceram com determinação em um pedaço de terra que decidiram chamar de Nova Esperança, um nome que carregava tanto sua fé no futuro quanto a promessa de uma vida renovada. Era um pedaço de solo bruto, cercado por mata densa e rios serenos, onde o verde parecia não ter fim. Para Enrico, aquele lugar, apesar de sua aspereza inicial, era um campo onde ele plantaria não apenas sementes, mas também sonhos.

Logo nos primeiros dias, Enrico usou suas mãos calejadas e sua força inabalável para começar o trabalho árduo de preparar o solo. Escolheu o café como sua principal cultura, acreditando que o grão, tão apreciado pelos brasileiros, seria seu passaporte para a prosperidade. Entre as fileiras de café, plantou mandioca, um alimento resistente e nutritivo que ajudaria a sustentar sua família enquanto as plantas de café cresciam e amadureciam. 

Adele, por sua vez, tornou-se a guardiã de uma pequena horta próximo à casa que construíram com madeira e barro. Ali, ela cultivava ervas e legumes, cada planta escolhida com cuidado, não apenas para alimentar a família, mas também para trazer um pouco de sabor e cor ao cotidiano que, por vezes, parecia desafiador. Ervas como manjericão, salsa e orégano evocavam memórias das cozinhas italianas, enquanto os vegetais frescos, como abóboras e quiabos, aprendidos com os moradores locais, eram um símbolo da adaptação a um novo lar. As noites em Nova Esperança tinham um ritmo próprio. O silêncio da mata era pontuado pelo canto incessante das cigarras, uma sinfonia natural que parecia acompanhar os pensamentos de Enrico e Adele enquanto se sentavam em torno de uma lamparina tremeluzente. À luz amarelada, os filhos se aglomeravam, e as histórias tomavam conta do ambiente. Eram contos de coragem, lendas italianas trazidas na memória e até mesmo relatos das aventuras do dia a dia naquele novo mundo.

A nostalgia pela Itália era inevitável, mas a narração das histórias tornava a saudade mais suportável. Adele, com sua voz serena, relembrava os campos dourados e as aldeias de pedra de Sabbioneta, enquanto Enrico falava sobre os desafios vencidos e os que ainda viriam, sempre com um tom de esperança. Cada história não era apenas uma forma de entreter os filhos, mas também uma maneira de reafirmar sua identidade e passar adiante as tradições que traziam consigo. Assim, entre o trabalho extenuante sob o sol tropical e os momentos de intimidade ao anoitecer, os Castrovinci encontravam forças para continuar. Nova Esperança não era apenas um pedaço de terra; era o símbolo de sua resiliência, um local onde o passado e o futuro se encontravam, e onde cada dia era uma nova oportunidade de transformar sonhos em realidade.

Vittore, o primogênito da família Castrovinci, revelou-se desde cedo um jovem forte e ambicioso, com uma visão que ia além das colinas de Nova Esperança. Aos 25 anos, com o espírito de liderança herdado do pai e a resiliência aprendida na infância, casou-se com Angela Bellucci, uma jovem de olhar determinado e mente prática, recém-chegada da Toscana. Angela trazia consigo não apenas a herança cultural de sua terra natal, mas também habilidades e ideias que logo se tornariam fundamentais para o crescimento da nova família. Com um planejamento cuidadoso e uma boa dose de coragem, o casal adquiriu terras na região conhecida como Bananal, uma área promissora que combinava campos férteis com o acesso a trilhas comerciais. Enquanto Angela cuidava do lar e supervisionava as plantações, Vittore dedicou-se ao cultivo de pimenta, cuja demanda crescente prometia bons lucros. Além disso, aventurou-se na criação de gado, uma atividade que requeria não apenas força, mas também paciência e disciplina.

A ambição de Vittore, porém, não parava nos limites de suas terras. Ele vislumbrou oportunidades nos mercados de Vitória, a cidade portuária que se tornara um polo comercial em ascensão. Para isso, organizou caravanas cuidadosamente planejadas, compostas por pequenos grupos de burros de carga. Durante essas jornadas, ele transportava sacas de pimenta e produtos de sua criação, enfrentando desafios que poucos ousariam encarar.

As viagens eram uma verdadeira prova de resistência e habilidade. O caminho para Vitória serpenteava por florestas densas, onde a luz do sol mal conseguia penetrar o dossel das árvores. Além dos perigos naturais, como rios traiçoeiros e animais selvagens, Vittore precisava atravessar territórios habitados por comunidades indígenas. Ao invés de enfrentar esses grupos com hostilidade, ele optou por uma abordagem baseada no respeito e na diplomacia. Levava consigo pequenos presentes – fumo, tecidos coloridos e outras mercadorias simples –, que oferecia como símbolo de boa vontade. Esses gestos garantiram não apenas a segurança de suas caravanas, mas também o início de uma relação de confiança entre os colonos e os povos nativos. Vittore era conhecido não apenas como um comerciante ousado, mas também como um homem justo, que entendia o valor das alianças em uma terra repleta de desafios. Enquanto Angela transformava o Bananal em um exemplo de prosperidade e organização, Vittore se tornava uma figura de influência na região, inspirando outros colonos a seguirem seu exemplo. Juntos, eles não apenas construíram um legado, mas também reforçaram os valores que os Castrovinci traziam de sua Itália natal: trabalho árduo, coragem e a capacidade de sonhar em meio às adversidades.

Cesare, o caçula da família Castrovinci, parecia ter herdado não apenas o amor pela terra que seu pai, Enrico, tanto cultivava, mas também uma visão que transcendia os campos. Desde jovem, ele se mostrava fascinado pelas estruturas que abrigavam a vida e a fé da comunidade. Enquanto ajudava o pai na plantação de café e mandioca, Cesare passava as noites rabiscando esboços de construções na luz trêmula das lamparinas. Seu talento nato para a arquitetura era evidente, e sua paixão pelas construções logo se tornaria uma força transformadora na região. Com o passar dos anos, Cesare começou a unir suas habilidades agrícolas com sua vocação por edificar. Ele via as construções não apenas como abrigos físicos, mas como símbolos de unidade e progresso para a comunidade. Em 1893, aos 28 anos, ele tomou a iniciativa de liderar um projeto ambicioso: a construção da primeira capela da região, dedicada a São Benedito, padroeiro dos agricultores e símbolo de fé para as famílias italianas. A ideia de Cesare encontrou resistência inicial. Os colonos, ainda lutando para estabilizar suas vidas em terras estrangeiras, estavam hesitantes em desviar recursos e energia para algo que não fosse de necessidade imediata. No entanto, Cesare possuía uma habilidade natural para inspirar e convencer. Ele reuniu a comunidade em reuniões sob as sombras das árvores centenárias, argumentando que a capela não seria apenas um lugar de oração, mas um símbolo de esperança e identidade em uma terra onde tantos se sentiam deslocados. Os preparativos começaram modestos, com cada família contribuindo da forma que podia – madeira, pedras, ferramentas, e, acima de tudo, trabalho manual. Cesare assumiu a liderança com um fervor contagiante, coordenando as tarefas e ensinando técnicas simples de construção para aqueles que nunca haviam trabalhado com arquitetura. Mesmo com recursos limitados, a visão de Cesare se manteve clara: a capela seria uma estrutura simples, mas sólida e bela, refletindo a alma resiliente de sua gente. Depois de meses de esforço árduo, a capela finalmente ganhou forma. Suas paredes de pedra e seu teto de madeira eram modestos, mas a simplicidade carregava uma imponência que tocava todos os que a viam. No dia da inauguração, a comunidade se reuniu para uma celebração que ecoou pelos campos e florestas. Ao som de cânticos e preces, Cesare viu seu sonho se concretizar, emocionado ao testemunhar como a construção havia unido o povo em uma causa comum.

A capela de São Benedito tornou-se rapidamente o coração da comunidade. Além de missas e celebrações religiosas, o pequeno edifício abrigava reuniões, festas e momentos de solidariedade nos tempos mais difíceis. Cesare não apenas deixou sua marca com a construção, mas também inspirou outros a valorizarem o espírito coletivo e a criarem marcos que celebrassem a identidade e a união daquela terra repleta de desafios e oportunidades. Com o passar do tempo, Cesare se tornou conhecido como um visionário, alguém que enxergava além das dificuldades imediatas e acreditava no poder das construções – físicas e espirituais – para transformar vidas. A capela era mais do que pedra e madeira; era um testemunho do espírito indomável dos Castrovinci e de todos aqueles que escolheram transformar o desconhecido em lar.

Os anos passaram lentamente, marcados pelo ritmo implacável das estações e pelo trabalho constante que moldava a vida na nova terra. Enrico, embora carregasse em seu coração a saudade da Itália, sabia que seu destino estava ali, entre aquelas árvores, campos e pessoas que ajudara a construir. Os sonhos de um retorno à sua terra natal — a antiga Mantova, com suas paisagens familiares e memórias de infância — tornaram-se, aos poucos, desejos silenciosos guardados na profundidade de sua alma. Em 1911, aos setenta anos, Enrico Castrovinci partiu desta vida. Seu corpo descansou sob a sombra das árvores que ele ajudara a desbravar, e seu espírito permaneceu vivo naquelas terras batizadas de Nova Esperança. O homem que enfrentara as dificuldades de um mundo novo, com mãos calejadas e coração incansável, deixou para trás um legado muito além das plantações de café e mandioca — deixou a marca indelével da perseverança, da coragem e da esperança inquebrantável. Adele, sua companheira incansável e guardiã da família, viveu mais alguns anos, até 1920. Na serenidade de seus últimos dias, ela viu os frutos do trabalho árduo de Enrico e dela mesma florescerem através dos filhos e dos netos. Era um tempo de transformação para a colônia, onde as crianças cresciam com o legado dos valores italianos, mas já imersas na cultura brasileira que agora era sua casa. Com olhos carregados de memória e orgulho, Adele acompanhou as novas gerações perpetuando a coragem, o respeito pelo trabalho e a fé que os Castrovinci haviam trazido da antiga Mantova. Mesmo quando o peso da idade enfraquecia seu corpo, sua alma permanecia firme, alimentada pelas histórias contadas à beira do fogo, pelas tradições preservadas e pelo amor que unia aquela família e aquela comunidade. A partida de Adele marcou o fim de uma era, mas o início de um novo capítulo para os Castrovinci — um capítulo escrito por seus descendentes, que continuariam a transformar aquela terra distante em um verdadeiro lar, mantendo vivos os sonhos e valores que nasceram em uma pequena aldeia do norte da Itália, mas que floresceram sob o sol do Brasil.

Hoje, o que um dia foi apenas uma clareira na imensa mata virgem transformou-se em um próspero município chamado Itarana. As casas se multiplicaram, as ruas se abriram e o som da vida moderna preencheu o ar, mas, apesar de toda a transformação, as raízes italianas permanecem firmes e profundas, entrelaçadas ao solo brasileiro como as videiras que Enrico e Adele plantaram com suas próprias mãos. Nas celebrações locais, quando a comunidade se reúne em festas cheias de cor, música e dança, as histórias daqueles primeiros desbravadores são contadas com reverência e emoção. Enrico e Adele, com sua coragem silenciosa e fé inabalável, são lembrados não apenas como figuras do passado, mas como espíritos vivos que guiam e inspiram cada nova geração. Nos sorrisos dos seus descendentes — espalhados por toda a região e além — brilha o orgulho de quem conhece a saga de seus antepassados, que enfrentaram o desconhecido em busca de um futuro melhor. Esse legado de sacrifício e determinação é o alicerce sobre o qual construíram suas vidas, um fio invisível que une o passado ao presente e assegura que a história dos Castrovinci jamais seja esquecida. Assim, em Itarana, a memória da pequena aldeia de Canova Fornace, no coração da Mantova antiga, vive em cada casa, em cada campo cultivado e no calor das relações humanas que mantêm viva a chama da esperança que um dia Enrico e Adele acenderam naquela terra distante.


Nota do Autor


Esta obra é uma narrativa de ficção, mas está profundamente enraizada na realidade vivida por milhares de famílias que buscaram um novo começo no Brasil durante os séculos XIX e XX. A história de Enrico e Adele Castrovinci foi inspirada em relatos autênticos, encontrados em cartas e documentos históricos de imigrantes italianos que enfrentaram os desafios de uma vida repleta de esperança, sacrifícios e resiliência.

Embora os nomes dos personagens e alguns eventos tenham sido alterados para preservar a intimidade das famílias envolvidas e permitir maior liberdade narrativa, os sentimentos, as lutas e as conquistas descritos refletem as experiências reais de muitos imigrantes. Cada carta lida revelou uma nova faceta do espírito humano diante das adversidades, servindo como fonte de inspiração para esta obra.

Agradeço a todos os que preservaram essas memórias, permitindo que a voz de seus antepassados ecoe através do tempo. Que esta história homenageie não apenas aqueles que partiram em busca de um futuro melhor, mas também as gerações que hoje carregam o legado de sua coragem.

Com gratidão,

Dr. Luiz C. B. Piazzetta


quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Sob o Céu Ardente do Espírito Santo

 


Sob o Céu Ardente do Espírito Santo

Da Lombardia às florestas do Brasil, a saga de uma família pioneira


Em 1841, no coração da província de Mântua, nasceu Lorenzo Bellani, filho de agricultores que conheciam a terra como se fosse uma extensão de suas próprias mãos. Cresceu entre o perfume do trigo recém-ceifado e o frio cortante dos invernos lombardos, num mundo onde cada estação trazia promessas e ameaças na mesma medida. Ainda jovem, aprendeu que a terra só retribuía com fartura àqueles dispostos a sacrificar o corpo e o espírito.

No ano de 1862, uniu-se a Emilia Carpi, mulher de força serena, capaz de transformar escassez em sustento e silêncio em firmeza. O casamento lhes trouxe não apenas companhia, mas um pacto de resistência diante da dureza da vida. Vieram cinco filhos — Vittore, Lucia, Rosa, Zelinda e Cesare — e, com eles, a certeza de que a luta pela sobrevivência se intensificaria.

A década de 1870 foi marcada por colheitas incertas, terras cada vez mais disputadas e impostos sufocantes. A unificação da Itália não trouxe alívio imediato às famílias camponesas; pelo contrário, a pressão sobre os pequenos agricultores aumentou. Rumores vindos do outro lado do oceano falavam de terras vastas e generosas no Brasil, de um governo que oferecia passagem e abrigo aos que aceitassem povoar regiões quase intocadas. A decisão amadureceu lentamente, até que, no início de 1877, Lorenzo vendeu o pouco que possuíam e reuniu recursos para a travessia.

O embarque em Gênova foi uma ferida aberta no coração da família. A cidade fervilhava com o som das marés, dos pregões e do ranger das cordas nos mastros. O porto era um teatro de emoções: crianças chorando, mães abraçando os filhos como se quisessem gravar-lhes o cheiro, homens trocando apertos de mão que carregavam promessas impossíveis de cumprir. A bordo, os Bellani se instalaram no porão destinado aos imigrantes — um espaço onde a madeira transpirava umidade e o ar misturava sal, suor e esperança.

Durante quarenta dias, o Atlântico foi tanto caminho quanto provação. Nos primeiros dias, a brisa fresca e o balanço suave pareciam quase agradáveis. Mas logo vieram as tempestades: ventos que urravam como animais famintos, ondas que se erguiam como muralhas líquidas, e o casco do navio gemendo sob o impacto. A vida a bordo era marcada por comida racionada — caldo ralo, pão endurecido, arroz ou macarrão cozido demais — e por noites em que o sono era interrompido pelo rangido das estruturas e pelo choro de crianças assustadas. O enjoo se tornou companheiro constante, e doenças como escorbuto e febres eram ameaça diária.

Quando a silhueta da baía de Guanabara surgiu no horizonte, as emoções explodiram. Montanhas cobertas de verde, águas cintilantes e um calor úmido que envolvia o corpo como um manto. Mas a beleza escondia uma nova dureza. Em Niterói, na Hospedaria da Ilha das Flores, receberam abrigo e comida, mas também a consciência de que estavam apenas no início de uma segunda travessia — aquela pela terra.

De Niterói, seguiram para Vitória, onde foram acolhidos na Hospedaria da Pedra d’Água. Dali, a jornada tornou-se mais íntima e mais selvagem. Em canoas estreitas de até dezesseis metros, cortaram rios que serpenteavam por uma mata densa, com o sol filtrando-se em feixes dourados pelas copas altas. Mosquitos zuniam incessantemente, e a umidade impregnava roupas e pele. Em cada parada, precisavam acender fogueiras para afugentar animais e aquecer a comida.

Em Cachoeiro de Santa Leopoldina, a terra firme trouxe alívio e novos desafios. As trilhas até Santa Teresa eram ladeadas por vegetação cerrada, e o calor constante exauria forças. Finalmente, em Santa Joana, quinze famílias italianas — incluindo os Bellani — escolheram o ponto onde fincariam raízes. Árvores centenárias caíram sob machados e serras, clareiras foram abertas e as primeiras casas de madeira erguidas. O solo fértil prometia colheitas, mas também exigia um trabalho diário que começava antes do nascer do sol e terminava sob a luz das lamparinas.

Vittore, o primogênito, amadureceu rapidamente naquele cenário. Aos vinte e cinco anos, uniu-se a Angela Betti e se estabeleceu em Bananal, alternando entre a agricultura e o comércio de terras. Comprava e revendia lotes, sempre na esperança de consolidar um patrimônio que protegesse sua família de tempos ruins.

Mas o comércio sobre lombos de asno tornou-se sua marca. Saía em pequenas caravanas carregadas de sacas, muitas repletas de pimenta — produto que os imigrantes raramente usavam, mas que os brasileiros valorizavam. A estrada até Vitória era longa e exigente, cruzando pontes improvisadas, subindo serras e enfrentando chuvas que transformavam o chão em lama profunda.

Suas rotas mais ousadas levavam-no até Taquaral, onde era preciso atravessar territórios indígenas. Vittore levava consigo facas de aço, tecidos coloridos, espelhos pequenos e outros presentes simples, mas valiosos, que entregava como sinal de respeito. Esses gestos garantiam que a viagem prosseguisse sem violência, um pacto silencioso firmado à sombra das árvores.

Os anos avançaram, e o sonho de regressar à Itália permaneceu aceso. Mas a cada safra perdida, a cada imprevisto, as economias evaporavam. Angela lhe deu doze filhos, e cada um deles cresceu respirando o ar quente e denso do Espírito Santo, aprendendo a trabalhar a terra e a enfrentar a vida com a mesma tenacidade do pai.

Em 1952, já com o corpo gasto e a voz fraca, Vittore partiu sem jamais ter revisto os campos dourados da Lombardia. Seu retorno nunca aconteceu, mas a sua história — e a de Lorenzo — ficou inscrita nas colinas e vales que ajudaram a desbravar. As raízes que plantaram cresceram fundo, sustentando gerações sob o céu ardente do Espírito Santo.


Nota do Autor

Esta história é uma reconstituição de vida e coragem daqueles que, deixando sua terra distante, trouxeram no coração as lembranças, a língua e os costumes da família. Foi escrita para manter viva a memória dos que atravessaram o mar e a mata, e que, com seu trabalho e sua fé, lançaram novas raízes em solo brasileiro. Cada nome, cada acontecimento, é uma forma de agradecer a quem nunca se esqueceu de onde veio e deixou para nós uma história de suor, perda e esperança.

Dr. Piazzetta





sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Soto el Ciel Ardente del Spìrito Santo

 


Soto el Ciel Ardente del Spìrito Santo

Da Lombardia fin a le foreste del Brasil, la saga de ‘na famèia pionera


Int l’ano de 1841, drento al cuor de la provìnsia de Màntova, el zera nassù Lorenzo Bellani, fiol de contadin che i conosséa la tera come se zera ‘na parte de le so man. Lu el zera credsù fra l’odor del formento apena segà e el fredo che te taiava le òsse de l’inverno lombardo, in un mondo ‘ndove ogni stagion la portava promesse e minasse tuto inseme. Da zòvane,el gavea imparà che la tera la rendea sol a chi che ghe dava el corpo e l’ànima.

´Ntel 1862, el se gave maridà con Emilia Carpi, ‘na dona de forsa calma, capase de far del poco bastante e del silénsio fermesa. El matrimónio ghe portò mica sol compagnia, ma anca un pato de resistensa contro la duresa de la vita. Ghe nasse cinque fiòi — Vittore, Lucia, Rosa, Zelinda e Cesare — e con lori la certessa che la lota par la sopravivensa la sarìa ancora pì dura.

I ani setanta i ze stà segnà da racolte inserte, tere sempre pì contese e tasse che strensea i contadin. La unificassion de l’Itàlia no ghe portò mica respiro, ansi, la pression la cressea. Se contea che in Brasil ghe zera tera granda e generosa, e che el governo el pagava el viaio e ‘l ricòvero a chi che voléa andar a popolar le zone che nissun le gavea tocà. Pian pianin, la resolussion la ze cressù, fin che al scomìnsio del 1877, Lorenzo el vendè tuto quel poco che gavea e el mise insieme quel che ghe servia par la traversia.

L’imbarco a Gènova la zera ‘na ferida granda par tuto el cuor de la famèia. La sità la riboliva con el rumor del mar, dei venditori e de le corde che scriciolava sui àlbari. El porto el zera un teatro de emossion: putei che piansea, mare che strensea i fiòi come par tegner el so odor, òmini che se dava strucon forti con promesse che no se podea mantegner. A bordo, i Bellani i se ga acomodà ´ntel fondo riservà ai imigranti — un posto scuro, ùmido, con odor de mar, sudor e speransa.

Par quaranta zorni, l’Ossean Atlàntico el ze stà sia strada che prova. ´Ntei primi zorni, la bresa fresca e el bilanso del barco parea quasi piasèvole. Ma dopo riva le tempeste: venti che urlava come bèstie afamà, onde alte come muri de aqua, e el scafo che gemea. El magnar el zera contà — brodo aquoso, pan duro, riso o pasta stracota — e le noti pien de rumori e putei che piansea. El mal de mar el zera sempre con lori, e malatie come scorbuti e febre le spaventea ogni zorno.

Quando che la baia de Guanabara la comparì al’orisonte, el cuor ghe scopiava. Montagne coperte de verde, aqua che lusea, e un calor ùmido che te fassiava tuto. Ma la belessa la nascondea un’altra duresa. A Niterói, drento la Hospedaria da Ilha das Flores, i ga trovà ricòvero e magnar, ma anca la consapevolessa che ghe mancava ancora ‘na seconda traversia — quela per tera.

Da Niterói, i ze ´ndà a Vitória, drento la Hospedaria da Pedra d’Água. Da lì, la strada la ze diventà pì streta e selvàdega. In canoe longhe fin a 17 metri, i taiava fiumi che girava tra la mata spessa, con el sol che filtrava in fassi dorà. Moschetin sempre a rondar le rècie, e l’umidità che intrava fin drento i pani. Ogni sosta, i dovea far fogo par scasar bèstie e scaldar el magnar.

A Cachoeiro de Santa Leopoldina, la tera soto i piè ghe portava alìvio ma anca sfida. I sentieri fin a Santa Teresa i zera streti e pien de vegetassion, e el calor ghe consumava le forse. Finalmente, a Santa Joana, quìndese famèie taliane — con i Bellani in meso — i trova el posto par meter radise. I ga segà àlbari vècie, i ga fato radure e le prime case de legno. La tera bona prometea racolte, ma voleva lavoro da l’alba fin a note.

Vittore, el fiòl pì vècio, el ga diventà òmine in prèssia. A 25 ani, el se gave maridà con Angela Betti e el si è messo a Bananal, fra laora la tera e comprar-vender loti de teren. Ma el mestier che ghe ga fato nome el zera el comèrssio con el somaro. El partiva in carovane pìcole, càrico de sachi, tanti con pévero — roba che i taliani no usea tanto, ma che i brasilian i volea. La strada fin a Vitória la zera longa, con ponti improvisà, rampade e piove che trasformea tuto in fango.

Le vie pì lontan le lo portava fin a Taquaral, ‘ndove bisognava passar in tera de ìndios. Vittore el portava con sè colteli, tochi de pano colorà, spessieti e altre robe simple ma presiose, che el regalava in segno de rispeto. Questo ghe garantiva passàgio sensa violensa — un pato tacà drento l’ombra de la foresta.

I ani i passava, e el sònio de tornar in Itàlia el restava vivo. Ma ogni racolta persa, ogni imprevisto, el ghe mangiava via le economie. Angela ghe gavea fato dodese fiòi, e tuti lori i cresseva respirando el ària calda e pesà del Spìrito Santo, imparando a laorar la tera e enfrentar la vita con la stessa tenassità del pare.

Nel 1952, con el corpo straco e la vose dèbole, Vittore el ga ´ndà sensa mai aver vardato i campi d’oro de la Lombardia. El so ritorno no el ze mai sussedù, ma la so stòria — e quela de Lorenzo — la ga restà scolpì ´ntei coli e ´ntei vali che i ga disboscà. Le radise che i ga piantà le ze vegnù forte, tegnendo generassion dopo generassion soto el ciel ardente del Spìrito Santo.

Nota del´Autor

Sta stòria vera la ze ‘na rievocassion de vita e de coraio de chi che, ‘ndando via da la so tera lontan, la ga portà drento el cuor i ricordi, la léngua e i usi de la famèia. La ze scrita par tegner viva la memòria de quei che ga traversà el mar e la selva, e che con el so laoro e la so fede i ga meso radise nove in tera brasilian. Ogni nome, ogni fato, el ze ‘na maniera par dir gràssie a chi che no se ga mai scordà da ‘ndove che ‘l vegniva, e che ga lassà a noi ‘na stòria de sudor, pèrdita e speransa.

Dr. Piazzetta

quinta-feira, 24 de julho de 2025

A Odisseia de um Imigrante Italiano


Enrico Castellari 

A Odisseia de um Imigrante


Em 1899, já no final do século, Enrico Castellari, um agricultor mantovano, vivia os dias difíceis de uma Itália marcada pela fome, desemprego e crise social. Com 34 anos, Enrico era um homem dedicado à família e ao trabalho na pequena localidade rural de Piubega. Contudo, as terras de sua região, empobrecidas por décadas de cultivo intensivo, já não ofereciam o sustento necessário para ele, sua esposa Rosa e seus dois filhos, Carlo e Bianca.

A decisão de emigrar surgiu como uma luz em meio às trevas. Nos dias sombrios em que o peso da fome apertava e os campos, antes férteis, se tornavam incapazes de sustentar a família, a visita de um agente de imigração trouxe um misto de esperança e incerteza. Ele passava pelas pequenas cidades e vilas italianas com discursos eloquentes, pintando o Brasil como um paraíso distante. "Uma terra onde a riqueza brota do solo e o trabalho honesto é recompensado", dizia ele, enquanto distribuía panfletos e mostrava ilustrações de vastos campos e famílias sorridentes.

Enrico ouviu falar do agente durante a missa dominical. A pequena igreja de pedra ecoava murmúrios sobre as promessas da nova terra, e, embora muitos hesitassem, ele sentiu algo despertar dentro de si. Movido pela esperança e pelo desespero, reuniu-se com o agente na praça principal de sua aldeia. A conversa foi breve, mas cada palavra parecia carregar um peso imenso: uma promessa de futuro ou uma armadilha disfarçada de oportunidade.

Após dias de reflexão e noites insones, Enrico tomou sua decisão. Vendeu seus poucos pertences: a velha carroça, os utensílios de cobre herdados da mãe, e até mesmo o pequeno rebanho que restava. Com o dinheiro, comprou passagens para ele e sua esposa no próximo navio que zarparia de Gênova rumo ao Brasil. A visão da travessia era ao mesmo tempo assustadora e excitante; o desconhecido os atraía como um chamado irresistível.

Enquanto empacotava os poucos pertences que restaram, Enrico sentiu um nó na garganta ao dobrar as roupas simples de trabalho e guardar o velho rosário que pertencera ao seu pai. Sua casa de pedra, pequena e humilde, parecia agora mais cheia de memórias do que de paredes. Ao lado da esposa, olhou pela última vez para os campos que os viram crescer e sofrer. A terra que sempre fora seu lar agora era apenas um peso de dor e despedida. O dia da partida chegou sob o céu cinzento de uma manhã fria. A vila inteira parecia estar presente para se despedir daqueles que embarcavam na jornada. Lágrimas se misturavam com sorrisos encorajadores, enquanto Enrico subia na carroça que os levaria ao porto. O som das rodas no cascalho parecia marcar o início de uma nova vida.

A jornada começou em Gênova, onde o cais fervilhava de atividade. Homens gritavam ordens, bagagens eram empilhadas desordenadamente, e o cheiro de maresia misturava-se ao aroma agridoce da ansiedade que pairava no ar. Enrico e sua família chegaram cedo, mas mesmo assim enfrentaram longas horas de espera. O navio a vapor, um gigante metálico com chaminés que cuspiam fumaça negra, parecia quase vivo, com suas máquinas ruidosas e tripulação apressada.

Quando finalmente embarcaram, foram direcionados ao convés inferior, um espaço apertado e abafado que parecia mais uma caverna metálica do que um lar temporário. Ali, centenas de famílias se amontoavam com suas posses, tentando criar alguma ordem no caos. O calor era insuportável, e o ar pesado trazia uma sensação de sufocamento constante. Bebês choravam, mães cantavam baixinho tentando acalmá-los, e o murmúrio de orações em diferentes dialetos italianos preenchia os momentos de silêncio.

Durante as semanas no mar, enfrentaram desafios que testaram tanto o corpo quanto o espírito. Os mares revoltos balançavam o navio de forma implacável, deixando muitos à mercê do enjoo e do desespero. As doenças, inevitáveis em um ambiente tão insalubre, começaram a se espalhar rapidamente. A febre e a tosse eram visitantes frequentes entre os passageiros. Rosa, sempre vigilante, cuidava de Bianca com uma devoção incansável, enquanto Carlo, com sua energia infantil, encontrava maneiras de transformar aquele espaço limitado em um campo de brincadeiras, usando um pedaço de corda como um jogo improvisado.

Enrico, por sua vez, passava longos momentos em silêncio, observando a família e refletindo. Ele se perguntava se havia tomado a decisão certa. A saudade do que haviam deixado para trás era uma dor persistente, um peso invisível que carregava a cada instante. No entanto, cada vez que olhava para Rosa embalando Bianca, ou ouvia o riso inocente de Carlo, sentia uma centelha de esperança. Talvez o sacrifício valesse a pena.

Então, um dia, após o que parecia uma eternidade, o navio entrou em águas mais calmas. A tripulação começou a correr pelo convés, e um burburinho tomou conta do ambiente. Enrico subiu ao convés superior, seguido por Rosa, que carregava Bianca, e por Carlo, com os olhos brilhando de curiosidade. Lá, no horizonte, ele viu pela primeira vez o porto do Rio de Janeiro. Montanhas imponentes erguiam-se contra o céu azul, enquanto as águas reluziam sob o sol. A paisagem era majestosa, quase surreal. Enrico sentiu um nó na garganta; as dúvidas que o haviam assombrado começaram a se dissipar. Ele segurou a mão de Rosa com firmeza, compartilhando com ela aquele momento que parecia um sonho. “Estamos aqui”, sussurrou, mais para si mesmo do que para ela. Era o começo de uma nova vida, e pela primeira vez em muito tempo, ele acreditou que poderiam vencer.

Do Rio de Janeiro, a família seguiu para o Espírito Santo. Após dias costeando a praia, chegaram ao porto de Vitória e, dali, foram transportados em pequenos barcos para uma colônia chamada São Antônio. Giuseppe Artioli, um italiano que já vivia ali há anos, os acolheu e explicou as dificuldades que enfrentariam.

“Essa terra é generosa, mas precisa ser domada”, disse Giuseppe. As terras designadas a Enrico eram vastas, mas cobertas por uma floresta densa e desconhecida. Ele passou os primeiros dias limpando o terreno, aprendendo sobre o clima e tentando se adaptar à comida local. A mandioca, o feijão e as frutas tropicais eram estranhos ao paladar lombardo, mas, com o tempo, tornaram-se parte de sua dieta.

O cultivo do café era a principal promessa de riqueza. Enrico, com a ajuda de Rosa e Carlo, começou a plantar as primeiras mudas. O trabalho era extenuante, mas ele nunca reclamava. Cada semente plantada representava a esperança de um futuro melhor.

A floresta também era fonte de aventura e perigo. Carlo adorava explorar, mas Enrico sempre o alertava sobre os animais selvagens. Certo dia, um grupo de colonos encontrou uma preguiça gigantesca, que despertou a curiosidade de todos. “Esse lugar é cheio de surpresas”, disse Rosa, sorrindo.

A colônia era um mosaico de culturas. Italianos, alemães, franceses e suíços conviviam, trocando conhecimentos e experiências. As ocasionais festas comunitárias, onde se misturavam músicas italianas e danças locais, eram momentos de união e alegria.

Enrico começou a ensinar os vizinhos sobre técnicas de cultivo que havia aprendido na Lombardia. Em troca, aprendeu a lidar com as particularidades do solo brasileiro. “Aqui, todos dependem de todos”, dizia ele.

À noite, quando o trabalho terminava, Enrico escrevia cartas aos parentes que haviam ficado na Itália. Contava sobre as dificuldades, mas também sobre as conquistas. “Esta terra é diferente de tudo que conhecemos, mas tem um potencial imenso. Se tivermos coragem, construiremos algo grandioso”, escreveu ao irmão Matteo.

A saudade era uma constante. Rosa, às vezes, chorava ao lembrar dos campos da Lombardia. Mas Enrico a consolava dizendo: “Estamos plantando nossas raízes aqui. Um dia, nossos netos falarão deste lugar como sua casa.”

Anos se passaram, e a família Castellari prosperou. O café floresceu nas terras de Enrico, e sua colônia tornou-se um exemplo de sucesso. Carlo cresceu e começou a ajudar o pai, enquanto Bianca se tornou uma jovem forte e alegre, adaptada à vida no Brasil.

Enrico Castellari nunca voltou à Itália, mas seu espírito aventureiro e sua dedicação deixaram um legado. Ele e Rosa encontraram no Brasil não apenas um novo lar, mas uma nova identidade, onde as raízes italianas se misturaram com o solo brasileiro, criando uma história de coragem, resiliência e esperança. 

Nota do Autor

Escrever Enrico Castellari: A Odisseia de um Imigrante foi como traçar um mapa das complexas emoções e desafios que envolvem o ato de recomeçar em terras desconhecidas. Inspirada em histórias reais de imigrantes italianos, esta obra é uma homenagem à coragem daqueles que, movidos pela necessidade e pela esperança, deixaram para trás suas raízes para plantar novas em um solo distante.

Enrico Castellari é mais do que um personagem; ele é um símbolo da resiliência humana e da capacidade de sonhar mesmo em tempos de adversidade. A narrativa busca capturar não apenas os grandes feitos, mas também os pequenos momentos de dúvida, dor e triunfo que marcam a jornada de cada imigrante. Ao mergulhar nas dificuldades da viagem transatlântica, nos desafios do trabalho árduo e no esforço para adaptar-se a uma cultura diferente, espero que o leitor possa sentir a profundidade da luta e da fé de famílias como a de Enrico. Mais do que um relato histórico, esta é uma história sobre a alma humana, que persevera e floresce mesmo nas condições mais difíceis.

Dedico este livro aos descendentes daqueles que vieram antes de nós, que trazem em seu sangue a força de seus ancestrais, e a todos que acreditam no poder transformador da esperança. 

Dr. Luiz C. B. Piazzetta



domingo, 20 de julho de 2025

Tra Sònio e Realtà


Tra Sònio e Realtà

Luigi Peretti el zera un zòvane contadin int un pìcolo paese ´ntela provìnsia di Mantova, in Itàlia. A soli ventoto ani, el ga preso la dessision de lassar la sua tera natale a la riserca de ´na vita miliore in Brasile. Fassinà da le promesse di tere fèrtili e nove oportunità di lavoro, el ze imbarcà a bordo di un grande piroscafo, verso el sconossesto. Il viaio el ze stà lungo e faticoso, ma Luigi si ga incolà a la speransa di un futuro miliore per sé e per so mòie Caterina, in dolse spera del loro primo fiol.

Quando la nave finalmente ga rivà ´ntel pìcolo porto de Rio Grande, la delusione la ze stà imediata. Luigi non aveva mai dimenticato quel momento. El ga scrito ai genitori, rimasti in Itàlia:

"Quando sono sbarcà per la prima olta, mi son stà perplesso. Non zera nula, assolutamente nula! El porto de Rio Grande, benché pìcolo par confronto con quelo de Rio de Janeiro e de Genova che Luigi gavea vardà drio, el zera un porto importante par el Brasil. Sbarcando, no ghe zera gnente de grando: un caìs no tanto longo, strade sporche de fango e vèci magazine. Ma, no obstante tuto questo, el zera el pòrtego de ingresso par la rica provìnsia del Rio Grande do Sul."

El panorama el zera triste e desolà. Ma, pròprio là vissin al porto, ghe gera ´na sità granda, rica, pien de movimento. Sul cais, ghe se vedeva diverse barche, vele e vapor, tute che ´ndava e vegniva, portando mersi e persone. Luigi gavea sentì parlar de ‘na pianta strana, la guaçatonga, che la gaveva fruti picolini che assomiliava ai mirtilli, ma che gera tanto amari. La legenda contava che chi i gavesse magnà quei fruti el zera destinà a tornar sempre là. Luigi el ga fato un soriso a metà, come par prender in giro ‘sta stòria, ma ´ntel fondo del so cuor el se sentiva strànio, come se ‘na man invisìbile ghe strenseva el stòmago: l’idea de tornar lì ghe fassea paura.

Luigi Peretti e so mòier Giovanna lori i ze rivà in Rio Grande su ´na nave pien de emigranti, quase tuti oriundi de Mantova. La loro destinassion finale la zera Alfredo Chaves, ´na nova colónia italiana inaugurà un ano prima, ´ntel 1898. La colónia, situà un poco pì a nord de la colónia Dona Isabel (che incòi se ciama Bento Gonçalves), la zera stà creà parché le prime colònie de la Serra Gaúcha – Caxias, Bento Gonçalves e Conde d’Eu – in lore no gavea pì spàssio par tuti i imigranti che rivava continuamente dal Véneto e da altre region d’Itàlia.

Luigi el zera un marangon, specialisà ´ntela construssion de cese e de mulini coloniai, che prima i ´ndava con l’aqua e dopo con i primi impianti de energia elètrica. Con la so maestria, lu gavea imparà l’arte dal so pare, un marangon esperto che ghe aveva insegnà tuto, dai segreti del legno al disegno de struture sòlide e durature. Ma in Itàlia, come tanti altri, el laorava anca la tera, parché i laori de marangon no i zera sempre contìnui.

La famèia Peretti e un gruppo de altri compaesan de Mantova intraprese un lungo viaio da Rio Grande fin su a Alfredo Chaves. Ghe volse setimane de fatiche e speranse. Luigi, con Giovanna inssinta, no el zera tipo da lamentarse. Durante el traieto, el imaginava el futuro su la so tera nova, un lote ben situà no tanto distante dal nùcleo sentral de la colónia. Con el cuor pien de sòni e el corpo segnà dal laoro e dal viaio, lori i ze rivà finalmente al so destino.

El teren de Luigi el zera grande, coerto de foresta vèrgine. Con l’aiuto de Giovanna, che no ghe rifiutava gnente nonostante el peso de la gravidessa, el scominsiò sùito a disboscar un'àrea limità. El laorava con el cuor e con la testa, usando ogni momento lìbaro par preparar el futuro. In pochi mesi, Luigi, con la so esperiensa, el tirò su una casa provisòria par la so famèia. Ma el ghe ga fato anca de pì: trovò el tempo par aiutar i so compagni de viaio, tuti vissin del tereno che gavea ricevuto, a construìr le loro case. Questo gesto el ga fato crèsser un senso de comunità che ghe sarebe restà par tanti ani.

Con el tempo, el talento de Luigi come marangon el se ga fato conossiuto in tuta la colónia. La qualità del so laoro no ghe passava inosservà. I visin no tardò a notar la pressision e la belessa de le òpere che Luigi tirava su. L’ano dopo che el gavea rivà, ´ntel 1900, el ga ricevesto el primo incàrico importante: construìr ´na capela in ´na de le linee vissin de Alfredo Chaves. El zera un laoro che el ghe dava onor e orgòio, ma anca ´na gran responsabilità.

Giovanna, con la forsa de ´na dona che no se spaventa davanti ai sacrifìssi, la continuava a curar la tera, piantando e racoiendo ciò che serviva par sfamar la famèia. Luigi tornava a la piantassion solo durante la racolta, ma el ghe fassea tuto par divìder el tempo tra la so vocassion come marangon e el bisogni de la tera. I fiòi i ga nassesti uno dopo l’altro, e ogni passo vanti el zera fruto de lavoro, determinassion e fede. Alfredo Chaves, come tante altre colònie taliane, ghe ga scominsiava a prender forma gràssie a persone come Luigi e Giovanna, che vedea el futuro ´ntei solchi de la tera e ´ntei muri de le case e de le cese che el tirava su.

Nota del Autor

Sta stòria qua, Tra Sònio e Realtà, la ze ‘na memòria che vien da lontan, da ‘na tera lontan e da ‘n tempo ancor pì distante. No la ze solo la crónaca de un viaio, ma el raconto de ‘na fede che no se spesa, de un omo che, come tanti, el ga lassà tuto drio – casa, famèia, radìsi – par inseguir un futuro che lu no podéa gnanca vardar.

Mèio che i archivi, mèio che le date, ze le man calose de Luigi Peretti, el so sudor che casca ‘ntel legno e ‘ntela tera, el sguardo de Giovanna che no se gira indrio. Ze da loro che nasse sta stòria, con la forsa de chi ghe crede fin in fondo a ‘na promessa, anca se la promessa la ze fata de fango, foresta e fadiga.

Scrivar sta stòria la ze stà, par mi, come scoltar i silénsi de ‘na generassion che no gavea tempo de contar, parchè la vivea. Ze un omàio a quei che i ga portà la loro cultura su la schena, che i ga piantà paroe, costumi, fede e speransa drento ‘na tera che no li spetava, ma che cn el tempo la ze diventà casa.

A ti che te lese, domando solo ‘na roba: no ti pensar che tuto questo el sia stà scontà. Ogni casa tirà su, ogni fila de parole scrita qua, la costa làgreme, coraio e amore. Se ghe senti el peso, ze parchè el ze vero. E se el te toca, ze parchè, forsi, un canton de sta stòria la toca anca a ti.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta





quarta-feira, 16 de julho de 2025

Enrico Castellari La Odiséa de un Emigrante

 


Enrico Castellari
La Odissea de un Emigrante

Intel ano 1899, verso la fine del sècolo, Enrico Castellari, un agricultor de Mantova, viveva i zorni difìssili de ´na Itàlia marcà da la fame, el disocupassion e la crisi sossial. Con 34 ani, Enrico lu el zera un omo dedicà a la so famèia e al lavoro ´nte la pìcola località rural de Piubega. Ma, le terre de la so region, póvare per sècoli de coltivassion intensa, no ghe dava pì el sostegno nessessàrio par lui, la so mòier Rosa e i so do fiòi, Carlo e Bianca.

La resolussion de emigrar la ze rivà come ´na luse in meso a le tènebre. Nte quei zorni scuri dove el peso de la fame se sentiva forte e i campi, che prima i zera boni e fèrtili, adesso i zera incapace de sustentar la famèia, la visita de un agente de emigrassion la ga portà ´na mescolansa de speransa e paùra. El girava per le pìcole sità e i paeseti italiani con discorsi eloquenti, descrivendo el Brasile come un paradiso lontan. "Na tera ndove la ricchessa salta fora del tereno e el lavoro onesto el vien ricompensà", diseva lui, distribuindo foietin e mostrando desegno de campi vasti e famèie soridenti.

Enrico lu el ga sentì parlar de l'agente durante la messa de la doménega. La pìcola cesa de sasso ecoava de mormori su le promesse de la nova tera, e anca se tanti i zera indecissi, lui el ga sentì un qualcosa sveiarse drento de lui. Con un sentimento de speransa e disperassion, el se ga incontrà con esse tal agente in la piasa prinssipal de la so vila. La conversassion la ze stà curta, ma ogni parola la pareva portar un peso enorme: ´na promessa de futuro o ´na arapuca travestida da oportunità.

Dopo zorni de riflession e noti sensa sono, Enrico lu el ga siapà la so resolussion. El vendeva i so pochi ben: la vècia careta, i utensili de rame eredità da la mare, e anca el pìcolo grege che ghe restava. Con quei schei, el ga comprà i biglieti par lui e la so famèia sul pròssimo vapor che salpava da Génova verso el Brasile. L'idea de la traversia la zera tanto spaventosa quanto essitante; lo sconossiuto li atirava come un richiamo irresistìbile.

Mentre impacava i pochi beni che ghe restava, Enrico lu el ga sentì un nodo ´nte la gola doblando i pani simpli de lavoro e metendo via el vècio rosario che zera de so pare. La so casa de sasso, pìcola e ùmile, la pareva adesso pien de ricordi pì che de muri. Al fianco de la mòier, el gaveva dato l'ùltimo sguardo sui campi che i li aveva visto crèsser e sofrir. La tera, che sempre la zera stà la so casa, adesso la zera solo un pesá de dolor e adio.

El zorno de la partensa lui i ga rivà soto un ciel grìgio de ´na matina freda. Tuta la vila pareva presente par salutar chi che l'andava via. Làgreme se mescolava con soriso incoragianti, mentre Enrico el montava su la carossa che i li portava fin a la station del treno che i ga portà al porto. El rumor de le rote sul ghiaio pareva marcar lo scomìnsio de ´na nova vita. Enrico, sofiando via el fredo de la matina co le man rossi e rugà de la fatiga, el stava su la carossa mentre che la caravana, lenta ma decisa, se avicinava de la stassion del treno. La lunga colona de vagon la coreva verso Génova, con un rumor contìnuo che pareva cantar ´na melodia de fero e speransa. Le rote le bateva sul binàrio, scandendo ogni momento, ogni pensiero. Enrico, con el sguardo perso fora dal finestrin, el vardava el paesàgio che se cambiava piano, passando dai campi verdi de la pianura a le coline rugose, e poi ancora verso le sità sempre pì grande e confuse. Rosa la teneva streto a sé Carlo, che dormiva straco sul so col, mentre Bianca la stava con la testa scorà sul so fassoleto, silensiosa, come se lei capisse che quel viaio no el zera solo uno spostamento, ma na partensa da tuto quel che i gaveva conosuo fin là.

“Credi tu che troveremo veramente ´sto futuro?” Rosa la gaveva sussurà, senza vardar el marito, come par no farghe sentir el peso de la domanda. Enrico, sensa desviar el sguardo dal finestrin, el gaveva solo smenar con la testa. No gaveva parola, ma drento de lui el cuor el zera pien de promesse che no podeva romper, no par lui, ma par quei che adesso se fidava ciecamente de lui. Le stassion che lori i incontrava lungo la strada le zera come tape de ´na liturgia. Ogni fermada la portava un misto de emossion: zente che se sbrassiava, borse e baule che i se alsava sui vagon, e volti che no se vardaria mai pì. La vita de quei paesi ghe zera e rimaneva là, come ´na fotografia che pian pianino el tempo la gavaria canselar. Mentre la sera la vegnìa zo, con le ombre che se alungava drento el vagon, Enrico el strense el rosàrio che el gaveva in tasca. “Par Sant’António, da ghe se forsa a ‘sta famèia”, el pregava in silènsio, mentre la lunga colona de vagon continuava a cantar el so rumor. Con Carlo e Bianca che ghe stringeva forte le man, el no diseva gnente, ma el cuor ghe bateva forte come un tamburo. Rosa, al so fianco, teneva un fassoleto straco de strensarse i òci rossi.

La sità portuària la zera un caos vibrante. Navi enormi de fero, con camini alti che sbofava fumo nero, i zera sircondà de una moltitudine de zente. Al porto, se senti i vari dialeti italiani, mescolà co l'acento strano de chi che gestiva el embarco. Le famèie le zera tute con i so carichi, legate e baule impilà un sora l'altro. Enrico, sempre taconà ai so fiòi, el gaveva la schiena rìgida e el sguardo fisso su quel vapor imenso che pareva un mostro marìtimo. Finalmente, drio ore de atesa e controli, i zera saliti su la nave. Enrico el se ricordarà par sempre el primo passo sul ponte, con el scricolar del legno e el profumo misto de sal marìn e fumo de carbone. Le cabine, scure e pòvere, no gaveva finestre; el spasso zera streto, ma almeno i gaveva un posto par sdraiarse. Bianca e Carlo i se sedeva su le casse con le so poche robe, mentre Rosa el sistemava le coerte con cura.

La nave, drio un fischio poderoso che pareva squarciar el ciel, finalmente la ze partì. Génova pian pianin la se riduseva a un puntìn sfumato all’orisonte, e un silènsio reverensial el cadeva su tuti. Enrico, con el braso su la spala de Rosa, el gaveva el sguardo fisso sul mare sconfinà. El futuro lo aspetava da qualche parte, ma el passà, con tuta la so pesantessa, el ghe restava indrio. 

I primi zorni sul vapor i zera un misto de riangiarse e soferensa. Carlo e Bianca, no abituà a l'onde del mare, I zera debiliti e malandati, mentre Rosa la stava streta al so posto, sempre preocupà par i fiòi. Enrico, drio ore de riflession e preghiere, el gaveva fato amicissia con altri passegieri. Un vècio, con la barba bianca e le man nodose, el contava de stòrie del Sudamérica; un paron de Vicenza el descriveva le imense foreste de la nova tera, ndove la legna la se trovava con le man nude.

“Ma ti no lo ga mai visto sto Brasil?” el gaveva domandà Enrico, con un sorriso incrèdulo.

No, fiol mio, ma no te gavè bisogno de vardar par creder. El sconossiuto el ze quel che te dà coraio,” el gaveva risposto el vècio, con el sguardo lontan.

I zorni sul mar i gaveva un ritmo monòtono, interroto solo dai pasti stràchi e dai cori de preghiera che i passegièri improvisava. Ma el ventèsemo zorno, el cuor de Enrico el gaveva sentì un peso novo. Bianca la gaveva scominsià a tossir, ´na tosse dura e seca che la zera incapace a fermarse. Carlo el gaveva la segui a poco dopo. Rosa, disperà, la gaveva sfiorà el volto de la fiola, sentindo la febre ardente. El vapor, che prima el pareva un sìmbolo de speransa, el diventò un luogo de paura. El sarampion el ga fato la so entrata, come ´na maledission portà dal vento. Fiòi de ogni àngolo de la nave i gavea scominsià a cascar malà, e ´na scia de silènsio pesante la segueva la disperassion. Enrico, drio tentativi de domandar aiuto al poco equipagio disponìbile, el gaveva capì che poco se podeva far.

Una sera, con Bianca tra le brasse de Rosa e Carlo su el materasso vècio, el silènsio el se spesò. El cuore de Bianca el se fermò, e Rosa la scopiò in un grido che ghe dilasserava l´ ànima. Enrico, colpìto dal dolore, el no gaveva la forsa de piànser; el stava là, fermo, sentindo el peso de ´na colpa che no era soa.

El capitano, sensa emossion, el li avisò: “I corpi no pol restar a bordo. L’aqua del oceano li acoglierà.”

Con grande pena, i marinai i li ga spiegà le regole. Bianca la no podeva essere tenuda a bordo. El capitano, con ´na fassia tesa e dura, el gaveva deto che i doveva fare el ritual de sepoltura al mar, par evitar ulteriore contagio. Rosa, devastà, la no voleva lasarla andar. Se ghe teneva streta, cantando co la vose rota. Ma el destin el no gaveva misericòrdia. Con ´na cerimonia breve, ndove le preghiere de un prete imbarcà le se mescolava ai singhiossi de Rosa, el corpin de Bianca el ze stà calà dolcemente ´ntel mar. Enrico, con el rosàrio in man, el pregava, mentre le onde del mare le se chiudeva piano su quel picolo invòlucro de amore e disperassion. Rosa la gaveva voluto sercar con gli òci fino a perderse nel horizonte, sperando invano de vardarla ancora ´na volta. Con el cuor spesà, Enrico e Rosa i ghe ga dato l’ùltimo sguardo a la Bianca, prima de vederla sparir tra le onde scure. La sua risata e i so òci vivi i se mescolava ora con el infinito del mar. 

Drio ´sto evento, la famèia Castellari la zera devastà, ma anca ancora pì unìda. Rosa e Enrico i se tegneva streti, condividendo un peso de dolore che solo loro i podeva capir. Carlo, ancora dèbile, el sercava conforto ´nte la loro presensa.

Dopo setimane interminàbili, el vapor el ga rivà finalmente a el porto de Rio de Janeiro. I Castellari i zera trasformà: ´na famèia che gavèva lassà la so tera con speransa, ma che ora la gaveva le sicatrissi de ´na pèrdita che el tempo no podeva guarir. Ma la promessa de ´na nova tera la ghe restava, come ´na ancora a cui agraparse.

Dal porto, con molti altri emigranti, i zera stati caricà su un altro vapor fin al Rio Grande do Sul. Finalmente, i Castellari lori i ze rivà a la Colònia Dona Isabel. Le prime impressioni zera de un mondo de lavoro e sacrifìssio. La selva densa, le case de legno mal rabersià, e la comunità spersa le zera lontan dal "paradiso" che l'agente de emigrassion el gaveva promesso. Ma le parole del vècio sul vapor le ritornava a Enrico: "El sconossiuto el ze quel che te dà coraio."

Enrico el alzò ´na capanna insieme a altri coloni, lavorando de sol a sol. Rosa la se dedicava a mantegner la casa, con i pochi mesi che gaveva. Carlo, recuperà, el zera tornà a essere un fiol vispo, ma con ´na ombra de malinconia che solo ´l tempo la podarà canselar. Bianca la zera sempre presente ´nte le loro menti, ´na presensa silensiosa che ogni sera i onorava con ´na preghiera.

Drio ani de sacrifici e lavor, la famèia Castellari la zera riussì a stabilir ´na vita dignitosa. La tera la gaveva risposto al loro sudor, e la comunità, benché inisialmente dispersa, la zera diventà ´na rete de suporte e amississia. Rosa la trovò conforto ´nte le done de la colònia, e Enrico el zera diventà ´na figura respetà, un omo che i zovani i consultava. Ogni primavera, davanti a ´l piccolo altar che gaveva costruì in memòria de Bianca, Enrico e Rosa i raccontava a Carlo de la so sorela, de quel che la gaveva rapresentà par loro e de come la so memòria la zera ´na guida. Carlo, cressendo, el ga giurà de onorar quel sacrifìssio, lavorando duro par no sprecare quel que i so genitori i gaveva conquistà.

La storia de i Castellari no zera solo de soferensa, ma anca de resiliensa e amor, un testemónio de come ´l coraio e la volontà i podeva vinser anca le tragèdie pì scure. E Bianca, benché sia nda via, lei la ghe restava viva, no solo ´nte la memòria de la famèia, ma anca ´nte le radise che lori i gaveva piantà drento a quel novo mondo.


Nota de l'Autor


Sta stòria la ze sta inventà, ma la ghe speta na base vera. I fati i vien dai raconti e dai scriti trovà in le lètare dei nostri vèci emigranti. Le so parole le ga portà fin qua el peso de la so vita, el dolor de la lontanansa e la speranza de un doman miliore.

Se ben la ze na stòria de fantasia, la ghe porta drento l’ànima de chi i ga passà quele visende, e la vol far onorar la memòria de tanti che i ga costruì con el sudor un futuro novo.

Con afeto,

dott. Luiz C. B. Piazzetta