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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

A vida de Matteo Oste – Da planície de Rovigo às terras vermelhas do Brasil


 

A vida de Matteo Oste – Da planície de Rovigo às terras vermelhas do Brasil


Matteo Oste nasceu em Lendinara, pequena localidade da província de Rovigo, no Vêneto, em 1º de novembro de 1861. A infância dele desenrolou-se em meio a campos de arroz que cintilavam ao sol como lâminas douradas e às extensas planícies onde o milho, plantado com sacrifício, sustentava famílias inteiras. Mas por trás da paisagem fértil escondia-se a amarga realidade: a terra já não bastava para todos, e cada colheita parecia menor que a anterior.

Desde menino, Matteo cresceu cercado por histórias de miséria e endividamento. As conversas nas tavernas falavam de impostos que esmagavam os camponeses, de senhores de terra cada vez mais ricos e de famílias inteiras que não tinham mais o que comer. À noite, quando o silêncio caía sobre a aldeia, ele via homens despedindo-se às pressas, partindo em direção a Turim, Milão ou até mais longe, em busca de trabalho nas fábricas nascente da revolução industrial. Ficavam as mulheres, imóveis nos umbrais das portas, com crianças agarradas às saias, olhando para o horizonte como se esperassem que de lá viesse algum milagre.

Para Matteo, essas imagens tornaram-se parte da vida cotidiana. O som dos sinos da igreja misturava-se ao murmúrio de rezas pedindo fartura, enquanto os campos, castigados ora pelas enchentes do Pó, ora pela seca implacável, entregavam colheitas incertas. Na memória do menino, a abundância era apenas um lampejo breve: algumas semanas de saciedade logo substituídas pela dureza do inverno e pela monotonia da polenta, servida dia após dia como único sustento.

Essa infância moldou nele duas certezas. A primeira era que a terra natal, por mais bela que fosse, não oferecia futuro. A segunda, ainda vaga e silenciosa, era que um destino diferente o aguardava além das fronteiras invisíveis de Lendinara.

Foi nesse cenário de penúria e de esperanças frágeis que Matteo conheceu Rosa Zanetti, nascida também em Lendinara, em 8 de setembro de 1867. Ela crescera entre os mesmos arrozais alagados e os mesmos campos de milho castigados pelas enchentes do Pó. Desde menina aprendera a lidar com o peso dos baldes de água, a paciência de ceifar trigo sob o sol inclemente e a resignação de ordenhar vacas magras, cujo leite mal bastava para alimentar os irmãos menores.

A juventude dos dois foi marcada pelo trabalho incessante, de sol a sol. Matteo passava as manhãs inclinado sobre a terra, com a enxada cavando sulcos estreitos, enquanto Rosa, ao lado da mãe, cuidava da horta e das galinhas, preparando a refeição escassa que sustentaria a família até o anoitecer. A mãe de Rosa trabalhava também em arrozais como "mondina". Os dois se viam nas colheitas de arroz, nas festas paroquiais, nos domingos em que a missa reunia toda a comunidade. Entre olhares tímidos e breves conversas à sombra da igreja, nasceu um afeto silencioso, sólido como as pedras que sustentavam as casas da aldeia.

Casaram-se cedo, não apenas por amor, mas também porque o casamento parecia ser, naquela época, um abrigo contra a precariedade da vida. Para Rosa, significava trocar a casa paterna por um lar próprio; para Matteo, significava ter alguém com quem dividir o peso da terra ingrata. Mas nem a união, nem a juventude dos corpos, nem a obstinação dos braços eram suficientes para conter a realidade que se espalhava como uma sombra sobre o Vêneto.

A região mergulhava em uma crise silenciosa: a terra, dividida geração após geração, tornava-se cada vez menor; os impostos devoravam os parcos lucros; e as más colheitas traziam fome ano após ano. A miséria não respeitava lares. Havia dias em que o prato de polenta era o único alimento disponível, e noites em que Matteo e Rosa iam para a cama com o estômago vazio, consolando-se apenas com a esperança de que a manhã seguinte fosse menos dura.

No coração deles, contudo, começava a germinar uma semente de inquietação. O Vêneto, com seus campos dourados e suas aldeias de pedra, era belo demais para ser abandonado — mas, ao mesmo tempo, cruel demais para ser o destino final de suas vidas.

Em 1886, Matteo e Rosa tomaram a decisão que mudaria para sempre o destino de sua linhagem: deixar Lendinara e cruzar o oceano rumo ao Brasil. Não foi escolha fácil. Durante semanas, as conversas na pequena casa de pedra giraram em torno de dívidas impagáveis, colheitas insuficientes e do medo de ver os filhos crescerem na mesma pobreza que eles haviam conhecido. Partir significava arriscar tudo; ficar significava definhar lentamente. A esperança, ainda que remota, venceu o medo.

Com dois filhos pequenos, apresentaram-se ao porto de Gênova, junto a centenas de outros camponeses vindos do Veneto e Lombardia. Ali, diante do gigante de ferro que os esperava, Rosa sentiu um frio no peito, como se estivesse prestes a romper para sempre com o mundo que conhecia. Matteo, firme, segurou-lhe a mão: já não havia retorno.

O navio estava abarrotado de homens exaustos, mulheres assustadas e crianças inquietas. Nos porões, o ar era denso, impregnado de suor, de sal e de um leve odor de mofo que parecia grudar na pele. Cada família defendia com unhas e dentes um pequeno espaço onde espalhava cobertores e trouxas de roupas. O barulho incessante das ondas misturava-se ao ranger das madeiras e ao resfolegar das máquinas, criando uma sinfonia áspera que embalava os dias.

À noite, quando o convés se tornava um palco de ventos fortes e céu estrelado, os imigrantes reuniam-se para rezar, cantar ou simplesmente chorar em silêncio. Lá embaixo, no porão, as crianças choravam de fome ou de enjoo. Rosa embalava seus pequenos contra o peito, murmurando cantigas em dialeto vêneto para disfarçar a própria angústia. Matteo permanecia acordado por horas, deitado sobre o chão duro, ouvindo o som pesado das ondas que batiam contra o casco como se quisessem arrancar o navio do mar.

A travessia parecia interminável. Dias de calor sufocante alternavam-se com tempestades que faziam o navio inteiro estremecer. Houve noites em que o medo percorreu cada olhar: uma única onda mais forte poderia engolir tudo. Mas havia também manhãs de calma, em que os passageiros subiam ao convés e, pela primeira vez em semanas, sentiam o sol e o vento livres no rosto. Nessas horas, Matteo erguia os olhos para o horizonte e imaginava o futuro. Não via riquezas nem facilidades — apenas a chance de oferecer aos filhos uma vida em que a fome não fosse companheira diária.

No coração de Rosa, o medo convivia com a esperança. Enquanto cantarolava baixinho, ela se perguntava se algum dia veria novamente os campanários de Lendinara ou os arrozais de sua infância. Mas quando olhava para Matteo, imóvel, com o rosto endurecido pela determinação, sabia que não havia mais recuo: a travessia já não era apenas geográfica, mas também de destino.

E assim, embalados entre rezas e tempestades, suor e saudade, o casal Oste avançava para um continente desconhecido — um mundo novo que os receberia com a dureza da terra vermelha e, ao mesmo tempo, com a promessa silenciosa de um futuro possível.

Após semanas de tormenta e calor sufocante, finalmente avistaram o Brasil. O destino era uma grande fazenda chamada Santa Gertrudes, no interior de São Paulo, onde o nome do Conde do Prado já se impunha sobre vastas áreas plantadas com café. Ali os Oste foram lançados num mundo de trabalho sem descanso. O sol queimava como fogo, a terra parecia não ter fim, e o idioma dos feitores soava áspero aos ouvidos dos recém-chegados.

O peso do destino mostrou-se cruel: Matteo e Rosa em poucos meses perderam os dois filhos para febres desconhecidas e incuráveis com os remédios caseiros que conseguiram. A dor foi silenciosa, sufocada no trabalho diário, mas nunca esquecida.

Com o tempo, a vida se recompôs. Nasceram-lhes outros filhos: Guerino, Domingos, José, Albino e Teresa. A pequena casa de madeira, perdida entre laranjais, encheu-se outra vez de vozes infantis. Matteo, homem prático, instituiu uma disciplina rígida: a mesa de sua família teria apenas o necessário — polenta de milho, que ele adquiria no armazém da própria fazenda. Alguma carne de porco de a de aves que criavam completavam a dieta. Nada era desperdiçado. Cada moeda era guardada como se fosse ouro.

Durante anos, o casal trabalhou de sol a sol, suportando calos, dívidas com o patrão, e o peso de uma vida que parecia nunca melhorar. Mas Matteo carregava consigo uma obstinação férrea. Aos poucos, juntou pequenas economias, fruto do sacrifício de cada um dos dias vividos.

Finalmente, depois de quase seis anos, o momento chegou. Deixaram para trás o trabalho assalariado e adquiriram um pedaço de terra fértil em local promissor conhecido como Mombuca. Aquele chão representava não apenas propriedade, mas dignidade. Ali, Matteo e Rosa reuniram filhos e netos, erguendo casas, plantando lavouras, transformando o mato em cultivos e o medo em esperança. Apenas Teresa não os acompanhou: casara-se com Ângelo Mariani, descendente de italianos, e permanecera mais alguns anos na Santa Gertrudes, junto do marido.

Matteo Oste envelheceu cercado pela família, vendo no rosto dos netos a prova de que sua decisão de emigrar não fora em vão. Partiu deste mundo em 11 de abril de 1942, em Rio Claro. Rosa sobreviveu mais de uma década, falecendo em 19 de janeiro de 1953. Seus olhos se fecharam longe da Itália, mas seu coração estava enraizado no Brasil.

A trajetória dos Oste é um retrato do destino de milhares de imigrantes: camponeses pobres que trocaram o frio de Rovigo pelo calor abrasador das terras paulistas. Homens e mulheres que suportaram perdas inimagináveis, mas legaram aos seus descendentes não apenas a memória da dor, e sim o valor do trabalho, da esperança e da terra conquistada com suor.

Nota do Autor

A história de Matteo Oste e de sua esposa Rosa Zanetti é uma recriação literária, construída a partir de relatos orais que chegaram até mim por meio de uma de suas netas. Foi ela quem, com emoção na voz e brilho nos olhos, narrou a trajetória de seus avós, emigrantes vindos de Rovigo, no Vêneto, em 1886, que deixaram a pátria e atravessaram o oceano rumo ao Brasil.

Embora os nomes tenham sido modificados para preservar a intimidade das famílias envolvidas, os fatos aqui relatados guardam raízes verdadeiras. A pobreza da Itália setentrional no final do século XIX, a travessia em navio abarrotado de imigrantes, as primeiras jornadas em fazendas de café do interior paulista, a perda dolorosa de filhos, a persistência no trabalho agrícola, a vida marcada pela polenta, pelas laranjeiras e pela disciplina severa à mesa, tudo isso é parte de uma memória transmitida de geração em geração.

A neta de Matteo, ao reconstituir a história, não apenas ofereceu datas e lugares, mas também o sentimento de quem cresceu ouvindo sobre o sacrifício dos antepassados. Coube a mim, como escritor, vestir essas lembranças com a roupagem da narrativa, ampliando-as em forma de romance histórico, sem nunca trair a essência do vivido.

Assim, esta obra não é biografia, mas tampouco é invenção gratuita. É a fusão entre memória familiar e literatura, um gesto de respeito aos que partiram do Vêneto em busca de uma vida melhor e acabaram por construir, no interior de São Paulo, raízes tão profundas quanto as árvores que plantaram.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta


sábado, 20 de setembro de 2025

Radise e Temporai: La Saga de Enrico e Marianna Bellò


Radise e Temporai

La Saga de Enrico e Marianna Bellò


Radise Spacà

Rovigo, Vèneto — Otobre 1886

Le foie zalde balava con el vento, come che savéa cossa che stéa rivando. Enrico Bellò passava el dedo sora le tàvole consumà de la finestra, vardando 'l orisonte inbrumà. So mòier, Marianna Zardini Bellò, la piegava in silensio l’ultime robe dei putei. No la disea gnente. La vardava Ernesto e Giacomo che dormiva streti su’l leto de paia. La decision la zera presa da qualche zorno, ma sta matina qua, l’ùltima in tera véneta, la pesava come ‘na macina. Lori i ga vendesto tuto: el campeto del pare de Enrico, do vache e anca la prensa de l’ua che par ani la ga fato el vin de casa. Tuto scambià par ‘na pasaje de terza classe su ‘n vapor par el Brasil. El viaio el ze sta un inferno de tossi, gemiti e gómiti. Marianna no dormiva par tegner i putei in braso con la febre. Enrico vardava el baùle con i oci de lupo: ghe zera le so arnesi, ‘na foto dei veci e ‘n quaderno pien de soni e conti de speransa.

La Dolor Verde

Lori i ga sbarcà a Santos storti con el corpo, ma con i oci vivi. La strada fin là ghe ga portà a Santa Gertrudes, in meso a ‘na natura che paréa voler magnarse anca la speransa. Lori i ze destinà in ‘na proprietà granda, che la zera del Baròn de Alvarenga — pien de cana e pien de zente che no parlava gnente, ma che suava insieme: taliani, spagnoli e negri liberà. El cason de legna stéa de mufa e malinconia. Enricoel zera bon de man, ma la fadiga la zera ‘na bestia. Marianna tegnea i fiòi e cusinava la polenta la sera, con la farina comprà a dèbito. I dèbiti montava. Anca la febre. Giacomo lu è morto in meno de sei mesi. Dopo tre setimane, anca Ernesto el ze ‘ndà. Marianna no piansea. No strilava. La ga scavà la fossa con le man. Enrico el ga restà muto tre zorni. La sera del terso, el scrise sul quaderno:

"Se ghe ze un Dio, el ghe de forsa a chi no la ga pì."

Polenta, Sugo e Resistenza

Dopo la dolor, el silénsio. E dopo, anca pì fadiga. Enrico scambiava formenton par farina al molino de la Fazenda São Benedito. Se magnava polenta e aranse. Poche, ma continue. I ani i ga portà altri tre fiòi: Guido, Rosina e Natale. Marianna la tornava a sorider pian pianin. El sabo sera, Enrico contava stòrie ai putei: de Venessia, de la neve, dei campi con i papaveri. I fiòi vardava come se i sentisse fàvole. Rosina la ga imparà a far formaio. Guido dava da magnar ai porsei. Natale, pìcolo, el se ne ‘ndava in meso ai canevai come se fusse nato là. La speransa tornava pian pian a butar fora.

La Tera Promessa

Dopo vinti ani de risparmi, Enrico el ga rischià tuto ‘n’altra olta. I ga comprà un campeto a Mombuca — tera scura, mole, viva come ‘na dona zòvene. Pìcola, ma soa. E questo cambiava tuto. I ga fato ‘na casa de legno, sòlida e pien de sol. Guido si ga sposà con ‘na fiola calabresa. Natale lu el ga segui el fradèo. Rosina, bela e testarda, la gà restà a curar i veci. Par ogni nevodo che nasséa, Marianna la piantava ‘n àlbero in cortivo. La tera ga dado cafè, mandioca, formenton — e anca ‘na forma de benstar. I Bellò i se ga sparpaglià in tute le parte, come radise soto tera.

La Laor de la Memòria

I primi ani a Mombuca i ze sta pien de ‘n silénsio novo — no quelo del dolor, ma quelo de chi laora la so tera. Ogni matina zera ‘na speransa nova. Enrico vardava la tera, coregea, seminava el futuro con passiensa. La vita in colònia la zera ancora greza, ma no aver pì comandi da paron el zera ‘na libartà granda.

Marianna sistemava la casa con man ferme e ‘na pasiensa che vien da chi ga patì. L’orto cresseva come se fusse ‘na parte del so cuor. Le àlbari dei fiòi cresseva, e la ghe parlava come se fusse ancora vivi.

El staletin diventà un posto de laor. El formaio de Rosina e i pan de Marianna, coti in forno de baro, i vegniva scambià con i visin — altri taliani: lombardi, piemontesi, anca trentini. La tera, che ´na volta la zera strània, adesso la ga nomi taliani in ogni curva.

Cicli che se Repete

I nevodi rivava come ùa bona dopo un’istà caldo. I fiòi zughea tra i campi, se scapava tra i careti, se scondeva in meso al formenton. Enrico vardava da lontan, con l’oci strachi ma contenti. El sentiva el peso del corpo, ma l’ánima zera legera come mai.

Guido el ga fato fortuna con el cafè e i porsei. Natale lu el ze ‘ndà in sità, a Rio Claro, ndove lu el ze diventà marangon. Rosina la ze restà con i veci, curando anca la capela fata soto ‘na fìghera, ndove i recitava el rosàrio.

I fioi i ga costruìì le so case intorno a la casa granda. ‘Na famèia come ‘na contrada invisìbile. A le feste del racolto, i tamburi fati a man e i violin dei veci riempia l’ària de ‘na contentessa che pareva vegnir da lontan. Marianna vardava tuto con un soriso misto a gratitùdine e strachesa.

L’Ùltima Staion

I ùltimi ani de Enrico i stéa de silénsio. I so passi lenti, i oci vardava l’orisonte par ore. El se sentava su’l pòrtego, con el quaderno in grembo e ‘n lapis pìcolo come el so fià. El segnava nassimento, morte, staioni, malatie, nomi. Come se volesse salvar tuto dal tempo.

Quando lu el ze morto, in 1943, el ze stà piantà soto la stessa fìghera ndove Rosina tegnéa le candele. No discorsi. Solo el rumor de le zape che verzer la tera — no par ‘na pianta, ma par ‘na memòria che resta.

Marianna la ga vivesto ancora nove ani. I cavèi bianchi i zera ‘n sìmbolo. I nipoti la vardava come ‘na regina vècia e serena. No cuciva pì, no curava i porsei, ma bastava ‘n sguardo, ‘n gesto, ‘na parola.

El zorno che la morì, ‘ntel istà caldo del 1952, la famèa intera la zera là. Nissun pianseva forte. No serviva. La so mancansa la parlava da par so, come la fin de ‘na vendemia bona.

Eredità de Silènsio

Dopo la partensa de Marianna, Rosina la ga restà a tegner viva la casa. Vècia, ma decisa. I fiòi e i nipoti dei Bellò i se ga sparpalià in meso a San Paolo. Alcuni sitadin, altri maestri, altri mercanti. Ma el nome restava.

La casa vècia la ze stà rinforsà, el forno de baro salvà. Le àlbari de Marianna i fasea ancora ombra ai putei novi. El quaderno de Enrico el ze stà trovà da ‘n dissendenti curioso, che el ze diventà stòrico e el ga scrito ‘n libro con quele lètare.

Soto la fìghera, su la piera, Rosina la ga scrito ‘na frase che conta tuto:

“Radise che no se spaca — solo cambia tera.”


Nota del Autor

Sta stòria che ti ghe in man la ze na òpera de fantasia stòrica, fata sora un toco vero de vita de emigranti italiani che, come tanti altri, i ga traversà el mar a la fin del Otosento drio a tera, lavoro e un doman manco incerto.

El scrito se basa, con libartà, sora na lètera vera scrita da un emigrante del Vèneto, tegnùa fin adès ´ntei archivi publichi del interior de San Paolo. In sto testimónio tacà, se scampa fora na strada segnata da gran perdite, da la fadiga de ogni zorno e da na fede tignùda ntel valor del laor fato con el cuor.

I perssonagi de sta stòria — Enrico e Marianna Bellò, i so fiòi e i so dissendenti — i ze sta inventà, ma quel che i passa el ze cussì sìmile a quel che tanti i ga vivesto: la traversia del mar, el pianser par i fioi persi, i ani massacranti ´nte le "fazende" de cafè, e poi la vitòria de la tera conquistà con el sudor e la volontà.

Se ghe n’è gnanca un diàlogo, el ze sta volù. Sto silénsio che gira in tuta la stòria el ze come un spècio de quel che tanti de lori i ga vivesto: dignità tegnùda, gesti neti e poche paroe. Le so stòrie le ze stà scrite pì con le man che con la boca.

Sta òpera la ze dedicà a tute quei che i ga lassà la so tera sensa promessa de tornar, portando solo el ricordo de chi che el ze restà — e piantando, in tera nova, le radise de quel che saria diventà ´na nova caso.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta

domingo, 14 de setembro de 2025

Raízes e Tempestades A Saga de Enrico e Marianna Bellò


Raízes e Tempestades 

A Saga de Enrico e Marianna Bellò


Raízes Rotas

Lendinara, Rovigo, Vêneto — Outubro de 1886.

As folhas amareladas dançavam ao vento como se soubessem o que estava por vir. Enrico Bellò passava o dedo pelas tábuas gastas da janela, enquanto observava o horizonte enevoado. Sua esposa, Marianna Zardini Bellò, dobrava silenciosamente as últimas peças de roupa dos filhos. Ela não respondeu. Apenas olhou os filhos — Ernesto e Giacomo — que dormiam lado a lado no catre de palha. A decisão já estava tomada havia dias, mas ali, diante da última manhã na pátria, o peso era quase insuportável. Venderam o pouco que tinham — o terreno herdado do pai de Enrico, duas vacas, e a prensa de uva que por gerações havia produzido o vinho da família. Trocaram tudo por passagens de terceira classe num navio com destino ao Brasil. A travessia foi um inferno de tosses, gemidos e náuseas. Marianna passava noites em claro, com os meninos febris no colo. Enrico cuidava do pouco que tinham com olhos de lobo: um baú com ferramentas, uma fotografia dos pais, e o caderno onde anotava sonhos e cálculos de futuro.

A Dor Verde

Desembarcaram em Santos com os corpos curvados, mas os olhos acesos. A viagem para o interior os levou a Piracicaba, onde a natureza parecia querer engolir tudo — até mesmo a esperança. Foram designados à fazenda do Barão de Alvarenga, uma imensidão de canaviais onde italianos, espanhóis e negros libertos se misturavam em silêncio e suor. O barraco de madeira cheirava a mofo e solidão. Enrico era hábil na terra, mas a lida ali era desumana. Marianna cuidava dos filhos durante o dia e cozinhava a polenta à noite, com farinha comprada a crédito no armazém da fazenda. As dívidas cresciam. A febre também. Em menos de seis meses, Giacomo faleceu. Três semanas depois, Ernesto o seguiu. Marianna não gritou. Nem chorou diante dos outros. Apenas cavou a cova com as próprias mãos. Enrico ficou três dias sem dizer palavra. Na noite do terceiro, rabiscou no caderno:

“Se ghe ze un Dio, el ghe de forsa a chi no la ga pì.”


Polenta, Suco e Sobrevivência

Depois da dor, veio o silêncio. E logo depois, o trabalho ainda mais duro. Enrico trocava milho por farinha no engenho da Fazenda São Benedito. Comia-se polenta e laranja. Era pouco, mas era constante. Os anos trouxeram três filhos: Guido, Rosina e Natale. Marianna voltava a sorrir, aos poucos. Nas noites de sábado, Enrico contava histórias aos filhos: de Veneza, de neve, de campos de papoula. Os meninos ouviam como se escutassem lendas de um outro mundo — e de fato, era. Rosina aprendeu a fazer queijo com a mãe. Guido alimentava os porcos. Natale, ainda pequeno, já se enfiava entre os canaviais como se fosse parte da terra. A esperança recomeçava a brotar.

La Terra Prometida

Com o pouco que economizaram em mais de vinte anos, Enrico arriscou tudo de novo. Compraram um terreno em Mombuca — terra escura, úmida, fértil como ventre de mulher nova. Era pequena, mas era deles. E isso mudava tudo. Construíram uma casa de madeira, sólida e aberta ao sol. Guido casou-se com uma moça de origem calabresa. Natale seguiu o irmão. Rosina, bela e decidida, ficou para cuidar dos pais. A cada novo neto que nascia, Marianna plantava uma árvore no quintal. A terra deu café, mandioca, milho e, aos poucos, também prosperidade. A família Bellò se espalhou pelos arredores como raízes subterrâneas.

A Lavoura da Memória

Os primeiros anos em Mombuca foram marcados por um silêncio novo — não mais o silêncio da dor, mas o silêncio do trabalho em terra própria. Ali, cada amanhecer era uma promessa. Enrico passava os dias examinando o solo, corrigindo falhas, construindo com paciência uma fazenda que pudesse resistir ao tempo. A vida na colônia era ainda rudimentar, mas o simples fato de não depender mais de ordens alheias era um luxo impensável em outros tempos.

Marianna reorganizava a casa com mãos firmes e uma serenidade adquirida nas perdas. Suas rotinas tinham agora um sentido mais profundo. A horta crescia como uma extensão de seu cuidado — alfaces, batatas, tomates, ervas. No quintal, as árvores plantadas em nome dos filhos cresciam altas, e ela as regava como se conversasse com o passado.

O pequeno celeiro virou centro de produção. O queijo feito por Rosina e os pães que Marianna assava em forno de barro passaram a ser trocados com vizinhos, criando laços com outras famílias de imigrantes: lombardos, piemonteses, alguns trentinos. A terra, antes estrangeira, agora tinha nomes italianos espalhados por cada curva de estrada.

Ciclos que se Repetem

Os netos chegaram como vindima farta depois de um verão generoso. As crianças corriam pelos canteiros, aprontavam nas cocheiras, escondiam-se entre os milharais. Enrico assistia de longe, em silêncio, com os olhos cansados e satisfeitos. Sentia o corpo pesar como nunca, mas a alma leve como não se lembrava de ter sido um dia.

Guido prosperava com o plantio de café e a criação de porcos. Natale seguiu para a cidade, atraído pela modernidade de Rio Claro, onde tornou-se marceneiro. Rosina permaneceu fiel à terra, cuidando dos pais e da pequena capela erguida sob uma figueira, onde se rezavam terços nas noites de sábado.

Com o tempo, os filhos construíram suas próprias casas ao redor da sede principal. Um núcleo familiar tomou forma como uma aldeia invisível, unida por sangue e por história. Nas festas de colheita, os tambores improvisados e os violinos dos imigrantes enchiam o ar de um entusiasmo quase ancestral. Marianna olhava para aquilo tudo com uma expressão que misturava gratidão e cansaço.

A Última Estação

Os últimos anos de Enrico foram silenciosos. Seus passos tornaram-se lentos, os olhos demoravam mais tempo observando o horizonte do que o necessário. Ele passava horas sentado sob o alpendre, com um caderno no colo e um lápis já tão pequeno quanto sua respiração. Anotava datas de nascimentos, mortes, safras, doenças, nomes. Era como se quisesse registrar cada detalhe para impedir que o tempo os engolisse.

Quando faleceu, em 1943, foi enterrado sob a mesma figueira onde Rosina mantinha as velas acesas. Não houve discurso, apenas o som das enxadas abrindo a terra para mais uma semente — não de planta, mas de permanência.

Marianna viveu ainda nove anos. Seus cabelos embranquecidos se tornaram símbolo da família, sua presença era reverenciada pelos netos como a de uma matriarca silenciosa. Já não costurava tanto, nem cuidava dos porcos, mas sua autoridade se manifestava em pequenos gestos — um olhar, um aceno, um gesto de aprovação ou correção.

No dia de sua morte, um verão abafado de 1952, a família se reuniu inteira no terreno. Ninguém chorou alto. Não era preciso. Sua ausência se impunha com uma solenidade silenciosa, como o fim de uma colheita abundante.

Herdeiros do Silêncio

Com a partida de Marianna, Rosina assumiu o centro da casa. Já velha, sabia que a sua missão era diferente: preservar. Os filhos e netos dos Bellò se espalharam pelo interior paulista, muitos se urbanizaram, alguns se tornaram professores, outros comerciantes. Mas o nome resistia.

Na casa original, as paredes foram reforçadas, o forno de barro mantido. As árvores frutíferas plantadas por Marianna ainda davam sombra às novas gerações. O velho caderno de Enrico foi descoberto por um bisneto curioso, que se tornaria historiador e usaria aquelas anotações como base para um livro sobre imigração italiana no Brasil.

Na lápide do casal, sob a figueira que crescia firme, uma frase gravada por Rosina resumia tudo o que haviam vivido:

“Radise che no se spaca — solo cámbia tera.”


Nota do Autor

A história que o leitor tem em mãos é uma obra de ficção histórica, construída com base em um fragmento autêntico da vida de emigrantes italianos que, como milhares de outros, cruzaram o oceano no final do século XIX em busca de terra, trabalho e um futuro menos incerto.

O texto se inspira livremente em uma carta escrita por um imigrante vêneto e preservada nos arquivos públicos do interior paulista. Nesse testemunho silencioso, revelam-se os traços de uma jornada marcada por perdas profundas, resistência cotidiana e uma fé obstinada no valor do esforço.

Embora os personagens desta narrativa — Enrico e Marianna Bellò, seus filhos e descendentes — sejam fictícios, suas vivências ecoam as experiências reais descritas na carta: a travessia atlântica, o luto por filhos perdidos, os anos de trabalho duro nas fazendas de café e, por fim, o triunfo discreto da terra conquistada com suor e perseverança.

A escolha por evitar diálogos é intencional. O silêncio, que permeia esta narrativa, busca refletir o modo como tantos desses homens e mulheres viveram: com dignidade contida, gestos firmes e palavras medidas. Suas histórias foram escritas mais com as mãos do que com a voz.

Esta obra é dedicada a todos os que partiram sem promessa de retorno, levando consigo apenas a memória dos que ficaram — e semeando, em solo estranho, as raízes do que viria a ser um novo lar.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta





domingo, 7 de setembro de 2025

Entre a Planície do Pó e o Novo Mundo


 

Entre a Planície do Pó e o Novo Mundo


Vittorio Belinazzo nasceu em 1875, em Fratta Polesine, um pequeno município da província de Rovigo. A infância se desenrolara na monotonia das terras planas do Polesine, onde os campos, cortados pelos canais e cercados pelas cheias do Pó, sustentavam com dificuldade as famílias camponesas. A vida era feita de um trabalho constante e de recompensas escassas. O pai, Giuseppe, ganhava a vida como diarista nos vastos arrozais da região, passando os dias dobrado sobre a enxada em terras que nunca seriam suas. A mãe, Rosa, governava a casa e mantinha unidos os sete filhos, enquanto o tempo parecia arrastar-se em um ciclo de pobreza resignada.

Quando a Itália se unificara, muitos em Fratta esperaram por um futuro mais justo. Mas o que chegara às portas da aldeia não fora prosperidade, e sim impostos mais pesados e as crises do trigo que minavam qualquer esperança. Na juventude, Vittorio viu vizinhos e parentes partirem em grupos rumo à América. A ideia o perseguia: deixar a planície, os rios e os arrozais, atravessar o mar e tentar a sorte em terras onde a fome não fosse companheira diária.

No início dos anos 1890, tomou a decisão de partir junto com a família de um seu tio materno. Despediu-se dos pais e dos irmãos menores com a promessa de jamais esquecê-los e embarcou no porto de Genova para o Brasil. A travessia foi longa, marcada pelo aperto dos porões e pelo cheiro sufocante de corpos amontoados. Mas, ao desembarcar em Santos e seguir para São Paulo, sentiu que uma nova vida começava.

Instalou-se primeiro como operário em pequenas oficinas. O trabalho era duro, mas o ritmo frenético da cidade crescia junto com suas oportunidades. Com o tempo, aprendeu o ofício de relojoeiro, profissão que exigia paciência, precisão e um olhar atento aos detalhes, virtudes que lhe serviriam pela vida inteira.

Foi nessa época que conheceu Elisa, filha de imigrantes de Brescia. Casaram-se em 1898. A casa modesta que ergueram em São Paulo foi o primeiro refúgio estável que Vittorio conheceu. Pouco depois, nasceram os filhos: Maria, em 1899, e Alfredo, em 1901. O orgulho de ser pai dava-lhe forças para suportar a exaustão das longas horas de trabalho.

A lembrança da família em Fratta, contudo, jamais o abandonou. O irmão mais novo, Giulio, permanecera na Itália e buscava aprender um ofício. Para Vittorio, ele simbolizava uma esperança: que as gerações seguintes pudessem escapar do destino de servidão ao campo. A irmã Teresa, casada com um funcionário público de Rovigo, representava a estabilidade que ele mesmo buscava no Brasil. E até os sobrinhos, crianças que jamais vira, ocupavam um lugar no seu coração.

Apesar do esforço diário, a prosperidade não vinha. Os ganhos eram sempre consumidos pelas necessidades da família. O Brasil oferecia uma vida mais segura do que o Polesine, mas estava longe das promessas de abundância que haviam circulado nas aldeias italianas. Vittorio, realista, aceitava essa condição. Entendia que sua verdadeira conquista não estava em enriquecer, mas em oferecer aos filhos uma vida que não começasse já marcada pela fome.

Os anos se sucederam, e sua identidade passou a ser dividida entre dois mundos. No Brasil, era marido, pai e artesão. Na Itália, permanecia filho e irmão, ligado por laços invisíveis que nem a distância do oceano conseguia romper. Era a vida de um emigrante: suspensa entre a memória de uma terra perdida e a construção de outra, que nunca deixava de ser estrangeira.

O tempo avançou rápido sobre a vida de Vittorio Belinazzo. A oficina de relojoeiro, modesta mas respeitada, tornara-se seu refúgio durante décadas. Entre engrenagens, ponteiros e cordas de aço, ele via o tempo passar não apenas nos relógios que consertava, mas também no rosto que se transformava diante do espelho.

Os filhos cresceram. Maria, a primogênita, herdara da mãe a firmeza e do pai a delicadeza dos gestos. Tornou-se professora, ocupação que enchia Vittorio de orgulho, pois simbolizava a ruptura com o destino de servidão que ele conhecera na infância. Alfredo, inquieto e enérgico, não quis seguir o ofício paterno; preferiu o comércio, atraído pelo movimento das ruas do centro de São Paulo.

Aos poucos, a cidade mudava. Bondes elétricos substituíam os puxados por mulas, fábricas se multiplicavam, e a enxurrada de imigrantes continuava a transformar o cenário urbano. Vittorio, já homem maduro, sentia-se parte dessa transformação, mas guardava dentro de si uma nostalgia persistente das planícies do Polesine.

Durante anos alimentou a ideia de voltar a Fratta Polesine, ainda que apenas em visita. Imaginava a mãe diante da velha casa de pedra, o irmão Giulio já adulto, talvez dono de uma oficina própria, e os sobrinhos, crescidos sem jamais conhecê-lo. Mas a vida não lhe deu essa chance. A morte da mãe chegou-lhe pela notícia tardia de um vizinho que regressara à Itália. Depois, a guerra de 1915 a 1918 devastou a Europa, tornando impossível qualquer retorno. O sonho de rever a aldeia desfez-se em silêncio.

A velhice chegou discreta. Elisa, companheira de todas as lutas, adoeceu primeiro. Vittorio cuidou dela até o último instante, com a mesma paciência com que cuidava de um relógio frágil. Sua partida abriu um vazio irreparável. Viúvo, continuou vivendo na mesma casa, cercado de lembranças e da presença esporádica dos filhos e netos.

Com os anos, o ofício deixou de ser necessidade e passou a ser companhia. Continuava sentado à bancada, ajustando engrenagens com mãos já trêmulas, como se os relógios fossem testemunhas silenciosas de sua própria resistência. A memória, porém, permanecia viva. Em certos fins de tarde, fechava os olhos e via-se de novo menino em Fratta, correndo pelos campos encharcados, ouvindo a voz da mãe chamando para casa.

Assim viveu Vittorio Belinazzo, homem comum e anônimo, mas cuja coragem em atravessar o mar e recomeçar do nada ecoaria nas gerações seguintes. O sacrifício silencioso de sua existência fazia parte de uma história maior: a de milhares de italianos que, como ele, trocaram as margens do Po pelas ruas de São Paulo, levando consigo saudades, esperanças e a obstinada fé no futuro.

Morreu em 1949, com setenta e quatro anos, cercado pelos filhos e netos. Não deixou riquezas, mas legou à família algo mais duradouro: a coragem de ter cruzado o oceano e a dignidade de uma vida erguida sobre trabalho, fidelidade e amor.

Na pequena sepultura de São Paulo, longe das margens do Pó, repousou Vittorio Belinazzo. Mas, na memória dos descendentes, sua figura jamais ficou confinada ao cemitério. Para eles, ele era o elo entre dois mundos, o homem que carregara na alma a planície de Rovigo e a plantara, invisível, no solo do Brasil.

Nota do Autor

Esta história é baseada em fatos verídicos, embora os nomes tenham sido alterados a pedido de um de seus descendentes, aquele que generosamente forneceu os dados que tornaram possível reconstruir a vida de Vittorio. O objetivo desta narrativa não é apenas preservar a memória de sua trajetória, mas também transformá-la em algo mais amplo: uma homenagem a todos aqueles que, como Vittorio, enfrentaram as adversidades com coragem, honra e perseverança. Ao compartilhar esta história, espero que ela transcenda os limites de uma família, tocando a todos que reconhecem a força e a dignidade de quem se aventura a construir uma vida nova, mesmo diante das dificuldades. 

Dr. Piazzetta




quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Sòni de Libartà: La Stòria de ´na Famèia Vèneta in Brasil


Sòni de Libartà: La Stòria de ´na Faméia Vèneta in Brasil


La zera na bèa matina asciuta a Lendinara, in provìnsia de Rovigo, ndove el sole spuntava su l’orisonte, sciarando i campi verdi di riso pena sboccià che se stendea fin ndove el sguardo el podea rivar. Bepi, un zòvane contadin de 24 ani, andava su el tèren torno de casa, sentendo la tèra ùmida soto i piè. L’aroma de la nèbia matutina se mescolava con l’odor tìpico de le risaie che lù coltivava intorno casa con tanto impegno par el so paron. A so fianco ghe zera Colomba, so mòier, che portava un soriso che ghe sciarava el viso e na speransa nova ´ntel còr. Insieme, i soniava un futuro diverso, lontan da le catene che i ghe impediava de viver lìbari.

El so pare, Toni, el vardava i campi con un sguardo straco ma determinà. Con 57 ani, el portava con sé la sapiensa de chi gà lavorà tanto soto el sole cocente e sempre, en tuta la so vita, soto i ordini de i paroni. Laura, so mare, conossùa da tuti come Laureta, la gà sempre sonià de vèder i so fiòi lìbari par laorar la so pròpia tèra. La famèia no la gà mai avù na tèra pròpria, e sto pensier pesava su i so còr come na pièra grosa.

La decision de ndar via de el paese la ze nassùa tra le conversassion in torno a tola durante le longhe serate de lo scorso inverno. Toni sempre el diséa: "No se pol viver cussì", esprimendo la so frustrassion par na vita de stanchessa e pòchi fruti. El pì grando desidèrio de tuti lori el zera solamente uno: aver na tèra pròpria e no dover depender pì da nissùni. Lori i zera stufi de taser sempre, de obidire sempre e solamente laorar. I fiòi — Nino, el pì grande; Cesco, e la picina Gìgia — lori i ascoltea i sòni de i so genitori e drento de lori se infiava na speransa nova. Ognidun gavea el so sònio: Nino volea farse forte come el pare, per laorar I campi come lù, Cesco ancora soniava de imparà a manegiar i ferri de laoro, e Gìgia volea aiutare la so mare con i lori de casa e imparar le vècie ricete de famèia con la nona.

Cussì, ´ntel 1889, dopo tante ciàcole e conti fat con cura, la famèia decise de ndar via par sempre. El porto de Zènoa i aspetava, pien de promesse de nove oportunità. La despedìa la ze stà piena de làgrime e struchoni forti. A bordo del vapor Giùlio Cèsare, che i ghe fece el duro viàio fin el Brasil. El mar, con le onde alte, parea voler provar la so forsa d’ànimo, ma anca se la speransa restava viva ´ntel so còr. De note, tra un scuotón e l’altro, se contava stòrie e se cantea cansoni che parlea de libartà e de novi inísi.

Finalmente, in na matina sciara, i gà vardà ancora lontan le tère de el Brasil, cossa che la gà provocà grande agitassion a bordo. El porto del Rio de Janeiro li acolse con un miscùglio de giòia e ánsia. Era un mondo tuto novo: colori vivi, aromi e olori forti, suoni diversi e un caldo intenso che lori i sentì pena sèndia su la nova pàtria. Dopo qualche ora in tèra, i ripartì su un altro navio, un pò pì pìcolo, verso el Rio Grande do Sul. El viàio el ze stà longo e faticoso, ma ogni zorno portea nove speranse.

Quando lori i gà rivà a la 4ª Colònia Taliana, sciamà Alfredo Chaves, se sentì suíto ben acòlti da i altri migranti. Le pìcole case, fate de legno bruto, querte da pàia e pavimento da tèra battuda, niente i ghe ricordea de la so vècia tèra, ma, par l'altro lato, in quel posto ghe zera na speransa nova. Con quel poco de economie che i ghe zera ancora rimaste e con l’aiuto de i visini, lori i gà riusì a comprarsi un peso de tèra. La zera stà na tèra fèrtile, pien de àlberi, na vera imensità de campo ancora no disboscà, piena de promesse, ndove finalmente i podaria laorar par lori stessi.

La vita ´nte la colònia no zera mica fàcile; el laoro el zera sempre stà duro. Bepi e Colomba loro i se sveiava de bonora par curar le piantassioni, mentr’el Toni e Laureta aiutava con i fiòi e con i laori in tèra. Nino imparava el mestìere dal pare; Cesco se adestregiava ben con i ferri; e Gigia coréa par i campi, portando ervete fresche par i piati de casa.

De sera, se trovava tuti insieme a tola, par condivider el pan e le stòrie. Toni contava de l’Itàlia, mentre Laureta preparea piati che recordea el so paese natio, i quali scaldava non solo el corpo, ma anca el còr. Se cantava le vècie cansioni popolari e de famèia, e i fiòi i balava al son de quele melodìe che parlava del passato e dei sòni del futuro.

Cussì, la stòria de Bepi e la so faméia se scolpìa tra le tère fèrtili del sud Brasil, con la speransa rinovada e i legami famigliari sempre pì forti, fruto de le bataglie vìnse par na vita nova, lìbara e piena de promesse.



terça-feira, 27 de agosto de 2024

A Jornada de uma Família de Rovigo na 4ª Colônia Italiana do RS

 



No final do século XIX, a Itália enfrentava tempos difíceis. A fome, a pobreza e a falta de perspectivas atormentavam as famílias, especialmente no norte do país, na região do Vêneto. Foi em meio a esse cenário que Giovanni e Maria R., um casal de agricultores da pequena vila de Villanova del Ghebbo, na província de Rovigo, decidiram buscar uma nova vida. Com seus oito filhos, eles embarcaram em uma jornada que mudaria suas vidas para sempre, rumo ao Brasil.

Giovanni R. era um homem forte e determinado, de mãos calejadas pelo trabalho no campo. Maria, sua esposa, era uma mulher de espírito resiliente, conhecida por sua bondade e dedicação à família. Juntos, enfrentaram anos de dificuldades em Rovigo, mas quando a crise atingiu seu ápice, decidiram que era hora de partir, não queriam deixar como herança para os filhos a mesma miséria em que sempre viveram. Abandonar a terra natal não foi fácil; a despedida da casa onde nasceram e dos amigos de infância trouxe lágrimas e um peso no coração. Mas o desejo de oferecer um futuro melhor para os filhos foi mais forte.

Com uma mala cheia de poucas roupas e muitas esperanças, a família R. embarcou no porto de Gênova rumo ao Brasil. A viagem seria muito longa e cansativa, mas Giovanni e Maria estavam dispostos a enfrentar qualquer adversidade pela promessa de uma vida melhor.

O navio que os levaria ao Brasil era o Ester, uma embarcação repleta de outros imigrantes italianos, todos com histórias semelhantes. Durante a travessia, o casal enfrentou dias de mar agitado, noites sem dormir e o medo constante de doenças que rondavam o navio. Maria cuidava dos filhos com todo o carinho, enquanto Giovanni fazia amizade com outros homens que, como ele, sonhavam com a nova terra.

Os filhos, apesar do desconforto, mantinham o espírito jovem e aventureiro, maravilhados com a imensidão do oceano e as histórias que ouviam dos outros passageiros. A cada dia que passava, a Itália ficava para trás, mas o futuro ainda era incerto.

Após quase dois meses de viagem, finalmente avistaram o porto de Rio Grande, no sul do Brasil. A emoção tomou conta de todos, mas também o temor do desconhecido. Giovanni e Maria sabiam que a jornada estava longe de terminar. Depois de uma breve estadia em Rio Grande, onde ficaram provisoriamente abrigados em barracões de madeira esperando a chegada dos pequenos vapores fluviais, a família R. seguiu para o interior, rumo à Colônia de Silveira Martins, também conhecida como a 4ª Colônia Italiana do Rio Grande do Sul. Seguiram pela Lagoa dos Patos, passando pela capital do estado Porto Alegre e subindo as correntezas do Rio Jacuí até a cidade de Rio Pardo.

O caminho até Silveira Martins foi longo e árduo. A pé e em grandes carroças puxadas por bois, cruzaram estradas de terra, estreitas, verdadeiras picadas, chegando na localidade de Val del Buia, enfrentando o frio das serras e as dificuldades de comunicação com os brasileiros locais. No entanto, cada passo era um passo mais perto de sua nova vida. Após mais quinze dias, finalmente chegaram ao barracão que os abrigaria até a distribuição dos lotes de terra.

Ao chegarem à colônia, foram recebidos por outros italianos que já haviam se estabelecido na região. Giovanni e Maria ficaram impressionados com a beleza da paisagem, mas também perceberam que teriam que recomeçar do zero. O barracão que os abrigou era simples, feito de madeira, mas oferecia abrigo. Com o tempo, construíram uma simples choupana no lote a eles designado e, após roçarem uma pequena parte do terreno, iniciaram o primeiro plantio, como faziam em Rovigo, semeando milho, trigo e plantando algumas mudas de parreiras, que haviam trazido de casa.

Os dias eram longos e o trabalho, extenuante, mas Giovanni e Maria sempre encontravam forças um no outro e na esperança de um futuro melhor para seus filhos. Os oito jovens R. logo se adaptaram à nova vida, ajudando no campo, cuidando dos animais e aprendendo, na medida do possível, a língua portuguesa com algumas crianças locais.

Os primeiros anos foram difíceis. As doenças, a distância da família que ficou na Itália e a saudade dos entes queridos pesavam no coração de Maria. Giovanni, por sua vez, lutava contra o isolamento e a solidão das vastas terras. Mas a comunidade italiana em Silveira Martins era unida, e juntos, enfrentaram as dificuldades.

Com o tempo, a colheita começou a dar frutos, e a família R. começou a prosperar. Giovanni e Maria viram seus filhos crescerem fortes e saudáveis, adaptando-se à nova vida. A fé e a tradição italiana permaneceram vivas em seus corações, e as festas religiosas, como a Festa de San Giuseppe, eram momentos de celebração e lembrança da terra natal.

Décadas depois, a família R. se tornou uma das mais respeitadas na colônia de Silveira Martins. Giovanni e Maria envelheceram vendo seus filhos se casarem, terem filhos e prosperarem. A casa simples se transformou em uma propriedade próspera, e o nome R. passou a ser sinônimo de trabalho árduo e superação.

Giovanni, ao olhar para os campos que agora produziam fartura, lembrava-se dos dias em Rovigo, das mãos calejadas e das noites em que ele e Maria se preocupavam com o futuro. A Itália ainda estava em seu coração, mas ele sabia que o Brasil havia se tornado sua verdadeira casa.

Maria, por sua vez, mantinha viva a memória de sua terra natal através das histórias que contava aos netos, das canções italianas que cantava nas noites frias e da comida que preparava com tanto carinho. O sabor da polenta, do pão caseiro e do vinho feito em casa trazia um pouco da Itália para a nova geração.

Giovanni e Maria R., como muitos outros imigrantes italianos, foram pioneiros que ajudaram a construir o Rio Grande do Sul. Suas vidas foram marcadas pela saudade, pelo sacrifício e pela superação, mas também pelo amor, pela fé e pela esperança.

A história da família R. é a história de milhares de italianos que encontraram no Brasil uma nova pátria, sem nunca esquecer suas raízes. Hoje, seus descendentes mantêm vivas as tradições italianas, celebrando a cultura que Giovanni e Maria trouxeram consigo e que floresceu em solo brasileiro.