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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O Retorno Que Nunca Veio


O Retorno Que Nunca Veio
Crônica da coragem e da saudade dos imigrantes italianos no sul do Brasil

No verão de 1885, a palavra “Mérica” corria como vento quente pelas vielas poeirentas de San Martino di Lupari, na província de Pádua. Nos campos de trigo dourado e nos pátios silenciosos das casas de pedra, o murmúrio ganhava força. Diziam que havia terras imensas, onde o sol amadurecia vinhedos novos e as colheitas cresciam sem o peso dos impostos. Cartas atravessavam o Atlântico como folhas ao vento, escritas por aqueles que haviam partido antes. Vinham da Argentina e do Brasil carregadas de promessas — nelas, a América era pintada como a nova Gênesis, onde leite e mel corriam livres, e o ouro parecia repousar sob cada pedaço de terra.

Foi nesse cenário que Santo Bortelini, tio materno de Antonio Belluzzo, tomou a decisão que alteraria o curso de toda a família. O Vêneto, com suas planícies exaustas e colheitas cada vez mais magras, já não oferecia mais do que trabalho pesado e recompensas escassas. Santo, homem de coragem obstinada, partiu levando a esposa e as duas filhas pequenas. O embarque em Gênova foi silencioso e definitivo, como se cada passo sobre o cais fosse um rompimento com séculos de raízes.

Meses depois, as primeiras cartas começaram a chegar. O papel amarelado cruzara oceanos trazendo palavras embebidas em esperança. As frases eram medidas e precisas, mas carregavam um perfume de otimismo irresistível: falavam de terras férteis, onde a enxada parecia abrir não apenas o solo, mas um futuro inteiro; descreviam um clima generoso, onde o frio não esmagava as sementes e o sol amadurecia tudo com pressa; falavam de abundância, como se a fartura fosse uma recompensa garantida a quem tivesse força para trabalhar.

Essas cartas, lidas e relidas à luz fraca das lamparinas, caíram como sementes na imaginação dos que ficaram. Alimentaram sonhos que, até então, pareciam inalcançáveis. Cada palavra funcionava como um chamado silencioso para além do Atlântico, empurrando jovens e velhos a acreditar que, do outro lado do oceano, existia uma nova vida à espera.

Três anos mais tarde, Antonio, aos vinte anos, já sentia o mesmo peso de incerteza que havia empurrado tantos para longe do Vêneto. As cartas do tio Santo, cheias de promessas e detalhes sedutores, tinham se enraizado em sua mente como uma necessidade urgente. Com o pai, a mãe e os irmãos, embarcou em Gênova num vapor abarrotado de famílias como a sua, todas carregando o mesmo fardo invisível: um passado de privações e um futuro feito apenas de expectativas.

O navio cortava o oceano como uma lâmina lenta, e cada dia parecia suspenso no tempo. Vinte e dois dias se arrastaram entre o cheiro persistente de sal, o ranço das provisões mal conservadas e o ferro frio das correntes. O mar, às vezes sereno como um espelho, às vezes brutal como um animal ferido, embalava o navio e testava a resistência dos passageiros.

Quando finalmente avistaram a costa, o horizonte parecia dissolver as últimas ilusões. O cheiro salgado do Atlântico misturava-se ao odor metálico das correntes e ao ar espesso do porto. O som cadenciado das ondas foi sendo abafado pelo ruído áspero das gruas, dos guindastes e da multidão que se aglomerava. O cais porto do Rio de Janeiro surgia como uma entrada estreita para um mundo totalmente novo, mas ainda envolto em silêncio e estranheza.

Mal desembarcado, Antonio sentiu que o calor úmido e o movimento caótico daquela cidade desconhecida não eram o destino final sonhado durante a travessia. Com poucas palavras, pediu transferência para o Rio Grande do Sul, onde corria a fama de que as colônias italianas ofereciam melhores terras e clima mais próximo ao do Vêneto.

A espera, porém, tornou-se uma provação silenciosa. Setenta dias permaneceram na Hospedaria de Imigrantes, um edifício vasto, mas saturado de gente e de histórias interrompidas. Os corredores ecoavam passos apressados e murmúrios em dezenas de dialetos. Nos dormitórios coletivos, as famílias dividiam o pouco espaço que havia, e cada olhar carregava uma mistura incômoda de desconfiança e esperança. A umidade impregnava roupas e paredes, e o tempo parecia preso ali dentro, arrastando-se dia após dia. Para Antonio, cada amanhecer era mais um lembrete de que a promessa de um novo começo ainda estava suspensa, à espera de um chamado que nunca chegava depressa o bastante.

No dia 13 de maio de 1888, Antonio finalmente chegou ao Rio Grande do Sul. As cidades estavam tomadas por uma agitação incomum: era o dia em que a escravidão havia sido abolida no Brasil. Ruas fervilhavam com vozes exaltadas, passos apressados e celebrações dispersas. Para a história nacional, era um marco.

Mas, para Antonio e sua família, a data trazia outro significado — mais silencioso, mais áspero. A chegada não se pintava de cores festivas, mas de tons sombrios de incerteza. O que encontraram foi pobreza imediata, uma desorientação sufocante, a completa ausência de crédito e qualquer forma de amparo. Não havia ferramentas suficientes para cultivar, nem abrigo seguro contra o frio ou a chuva. Cada detalhe parecia reforçar a sensação de que a “terra prometida” talvez fosse apenas uma miragem bem contada em cartas.

Ali, no coração da cidade que comemorava a liberdade de um povo, Antonio sentiu que a liberdade dos imigrantes significava apenas enfrentar sozinhos um território imenso e indiferente. O sonho americano, que havia atravessado o Atlântico, parecia, de início, um equívoco cruel.

Longe dali, na Itália, o avô e o tio Giovanni, que haviam ficado, aconselharam o retorno. Mas o pai de Antonio, Vittorio, e o tio Prospero estavam exaustos de travessias. Não era apenas o cansaço do corpo — marcado por semanas no porão de um navio e meses em hospedarias superlotadas —, mas o desgaste silencioso de quem já havia gasto quase todas as reservas de esperança. Carregavam, nos ombros curvados, o peso invisível da escolha: voltar à Itália seria admitir derrota e enfrentar o olhar inquisidor dos que ficaram; permanecer significava abraçar o desconhecido e aceitar uma terra que ainda não os aceitava. Entre a humilhação do retorno e a incerteza da permanência, escolheram ficar.

As primeiras plantações de milho e trigo surgiram como um voto silencioso de confiança na terra. Os campos, antes cobertos por mato espesso e raízes retorcidas, foram abertos à força, com suor e ferramentas improvisadas. A cada sulco arado, parecia nascer não apenas uma fileira de sementes, mas também uma promessa de estabilidade.

A terra, embora dura e exigente, devolvia respostas visíveis. Brotos verdes começaram a despontar timidamente, criando manchas vivas sobre o solo marrom. O sol, implacável durante o dia, incendiava as colinas com uma luz quase cortante. E a chuva, embora nem sempre previsível, às vezes caía no momento exato, como se entendesse a necessidade dos que a aguardavam com ansiedade.

Cada grão germinado tornava-se uma confirmação silenciosa de que talvez fosse possível resistir. Mas no coração de Antonio ardia uma saudade que o trabalho não conseguia sufocar. Cada dia passado longe do Vêneto acrescentava um peso invisível à sua memória. A tia Lucia, envelhecida pela dureza dos dias, carregava esse peso de forma ainda mais evidente. Seu rosto trazia marcas não apenas do tempo, mas também da resignação de quem havia deixado para trás uma vida inteira em troca de um futuro que não se concretizava como prometido.

Ela raramente expressava seus sentimentos em palavras. Seus lamentos eram silenciosos, manifestos no modo como parava diante das matas densas e sombrias que cercavam a colônia. Ao olhar para aquele mundo bruto e intocado, sentia que Cristóvão Colombo havia traído todos ao revelar um continente que parecia destinado aos selvagens e não aos filhos cultivados do delicado solo italiano. Para ela, cada árvore retorcida e cada colina áspera eram um lembrete amargo de que a América não fora feita para acolher, mas para testar até o limite a resistência dos que ousassem fincar raízes ali.

Mesmo assim, o tempo avançava, implacável e inevitável. Com as mãos endurecidas pelo uso constante da enxada e do arado, Antonio tornou-se parte daquela terra áspera, moldando o solo com esforço e determinação. A cada estação, as lavouras cresciam, e ele ajudava a expandir os campos, transformando clareiras antes tomadas pelo mato em áreas produtivas.

Plantaram vinhedos, e as parreiras jovens começaram a escalar as encostas com uma promessa de vida e sabor. O verde intenso dos ramos trazia uma nota de esperança à paisagem, desenhando linhas de cor e lembrando a Antonio o perfil familiar das terras de San Martino, mesmo que distante.

Com o tempo, conseguiram abrir portas para crédito, conquistando a confiança dos poucos comerciantes e instituições locais que ousavam apostar naquele grupo teimoso de imigrantes. A miséria, embora persistente, foi cedendo espaço a uma rotina dura, mas marcada por uma estabilidade tênue — um equilíbrio frágil entre a luta constante e a promessa silenciosa de dias melhores.

Ainda assim, a terra natal jamais abandonou o coração de Antonio. Cada amanhecer trazia consigo o mesmo peso silencioso, uma mistura agridoce de saudade e resignação. Ele sabia, com a clareza cruel que o tempo impõe, que sua vida estava sendo construída longe da pátria — num solo estranho, onde a natureza exigia mais do que podia oferecer em retorno.

O horizonte distante da colônia jamais apagou a imagem das colinas de San Martino di Lupari, onde o céu parecia tocar o chão com delicadeza e onde o tempo fluía com a lentidão dos vinhedos. Ali, naquela terra natal, suas raízes profundas ainda se entrelaçavam com sua identidade — uma identidade que nem a distância, nem o suor derramado poderiam apagar.

A “Mérica”, como fora descrita nas cartas, não era a terra de leite e mel que as palavras haviam pintado com tanta generosidade. Era uma terra que não prometia nada, nem oferecia garantias, mas que, impiedosa, devorava o corpo e moldava a alma dos que tinham coragem de ficar. Era um solo onde a esperança se misturava à dureza da realidade, onde os sonhos sobreviviam apenas à sombra da perseverança.

Antonio aprendeu que emigrar não era apenas atravessar oceanos, mas carregar dentro de si uma luta diária, silenciosa, para transformar o que parecia inóspito em lar — um lar feito de coragem, de sacrifícios, e da eterna busca por um lugar onde o coração pudesse repousar.

E embora Antonio jamais tenha voltado a pisar as terras de seu nascimento, suas mãos e seus esforços plantaram mais do que apenas sementes no solo brasileiro. Plantaram raízes invisíveis que cresceriam nas gerações futuras — filhos e netos que, entre os vinhedos e as colheitas, carregariam a memória da pátria distante e a força de quem ousou transformar o deserto em promessa. A saga da família Belluzzo, marcada pela coragem e pela luta silenciosa, continuaria a ser escrita, não em cartas cruzando oceanos, mas em cada amanhecer daquela terra que, apesar de tudo, passou a chamar de lar.


Nota do Autor

Esta narrativa é uma ficção inspirada nas memórias e cartas dos imigrantes italianos que, no final do século XIX, atravessaram oceanos e fronteiras em busca de um futuro incerto no Brasil. Embora os nomes e detalhes tenham sido alterados, o coração da história permanece fiel à experiência daqueles homens e mulheres que enfrentaram dificuldades inimagináveis, carregando consigo a esperança e a dor da separação. Escrevo esta história para preservar a memória daqueles que deram suas vidas — muitas vezes em silêncio e anonimato — para construir as bases das comunidades que hoje prosperam. É uma homenagem à coragem dos que permaneceram, ao sacrifício dos que duvidaram, e à resiliência das famílias que, mesmo diante do abandono e da dureza, jamais esqueceram suas raízes. Em tempos em que a migração ainda é motivo de esperança e conflito, lembrar essas histórias é essencial para compreender o preço do sonho e o valor da perseverança humana. Que esta obra possa ser um farol para aqueles que buscam suas origens e um tributo à força que habita nos corações que atravessam mares.

Dr. Luiz C. B. Piazzetta


quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Le Barche de la Morte che i ga Portà i Emigranti Italiani in Mèrica




Le Barche de la Morte che i ga Portà i Emigranti Italiani in Mèrica



La traversada de l'Atlántico la zera fata in condission molto precàrie, su vècie imbarcassion de pì de vent'ani de uso, sempre piene de merce. Lore le zera vere carete del mar. Inte l'inìssio de la granda emigrassion, prima del 1866, lori ancora usava anca barche a vela. Quando la grande corsa par l'Amèrica la ga partì, la maior parte de le barche la zera a vapor, destinà a trasportar merce. Sti vapori lori i zera sistemà a la svelta par poderghe meter drento dei catri, par far dormì la zente sensa gnanca un mìnimo de privacidade. Le compagnie de navigassion italiane lore no podea perder tempo par far quatrini su sto novo filon de emigranti, ove i poari italiani i zera massa tanti e senza difese. El guadagno la zera grando, ma sul peso de la soferensa de sti poareti, sensa curarse del conforto, de l’igiene e de la manutenssion mìnima de ste barche.

Sti vapori lori i partiva stracarghi de emigranti, con tanta pì gente de quel che podessero pròprio star. Ste modifiche de fortuna, fate in freta a volta ´ntel pròprio porto, lori le zera poco pì che catri messe là in fondo de quei buchi par far i migrante dormì, e no i ghe dava gnanca un fià de privacidade. No ghe zera bagni boni e l’aria drento quei grandi saloni sensa ventilassion, fètidi e sufocanti, e spesso la causava problemi de respirassion durante la longa traversada. I emigranti i dovea anca conviver con tanti animali vivi, incagiolài, che vegnia scannài e masselà pian pian su la coperta davanti a tuti durante el viàio.


L’igiene a bordo la zera pròprio carente, parché i poareti dovea far i so bisogni ´ntei sechi, che po’ vegniva svodài in mar. Sto fato causava epidemie, che i amasava tanti de sti emigranti, de sòlito i pì dèboli, vèci e fiòi. Par el oror de la so zente, i corpi lori i vegniva butài in mar, avoltài con un linsiolo. Sto episòdio el resta scolpì drento la memòria de i nostri avi, e ancora, dopo tanti ani, adesso i so descendenti lo recorda come el momento pì significativo de tuti quei viàio.


La zera frequente ocasion che el magnar mancava par tuti, causando desnutrission e debolessa, e aumentava el risco de malatie. Na massa de persone de diverse età, streti e chiusi in spassi con poca ària, magnando mal, e con una igiene pèssima, sensa bagni boni e sensa possibilità de lavar, le zera vere tràpole galegianti pronte par far amalar i pì dèboli.

Quando finalmente le barche rivava in porto, spesso parte de la 'carga' la ze rivà pròprio malada o, purtropo, sensa vita.


Qualche dato, presente ´ntei registri del museo de l’emigrassion italiana, el ghe pol dar una idea de quel oror che i nostri noni e bisnoni i ga visto su quele barche. I dati qua spiegano ben el motivo de la denominassion de “barche de la morte” che le ga ciapà.

Nel ano 1905 sul barco “Città di Torino” ghe zera 45 morti su un totale de 600 passegieri. Sul barco “Matteo Brazzo”, nel 1884, 20 morti de còlera su 1.333 passegieri. Sto grande vapor, con la epidemia de còlera a bordo, el zera stà respinto con i canoni a Montevideo par paura del contàgio. Imaginate la scena, con centinaia de persone amassài, sensa bagni boni, ndove i dovea usare con el mìnimo di privacidade un sècio de legno par i so bisogni, e ndove scopiava un’epidemia de còlera! El còlera el se trasmete facilmente per la mancansa de igiene, e imaginè la scena quando centinaia de persone i ghe venia tuti de la diarea feroce, rossa de sangue, e con i vómiti, tuto sensa latrine! Na scena de oror.


Nel barco “Cachar”, nel 1888, ghe zera 34 morti par fame e sofocamento. El “Frisia” nel 1889, el ga visto 27 morti par sofocamento e pì de 300 maladi. Sul “Pará” nel 1889, i ghe ga trovà 38 casi de morbilo. El barco “Remo”, nel 1893, el ga visto 96 morti par còlera e difteria. L’“Andrea Doria” nel 1894 el ga visto 159 morti su un totale de 1.317 passegieri. Sul “Vicenzo Florio” sempre nel 1894, ghe zera altri 20 morti.

No sempre el problema de la morte la zera dovuto a l'igiene scarsa. Tante volte, forse par el uso longo e la manutenssion scarsa de le barche, el causava tanti naufragi, che i ga portà via migliaia de emigranti che i soniava na vita pì bona.

I raconti de tanti naufragi durante el gran ésodo italiano i ghe pode far capir quel che sucedeva su quei vècie barche de le compagnie italiane. Nel 1891, soto le coste de Libia, davanti a Gibraltar, el barco “Utopia” el ga portà a fondo 576 passegieri, tuti emigranti dal sud d´Itàlia. El stesso el ga fato el “Bourgogne” nel 1898, a Nova Scotia, dove i ga perso la vita 549 emigranti, tanti italiani.


El naufràgio del barco “Sirio”, el ze uno dei pì ricordài dai discendenti italiani in Brasil, forse par la triste canson dedicada a sto naufràgio, cantada ancora incòi dai cori popolari in Itàlia e in Brasil. El se destrusse soto le coste de Spagna nel 1906, causando la morte de 550 emigranti. Tra i morti ghe gera anca el vescovo de San Paolo.


Un altro naufràgio molto ricordà el ze quel del vapor “Principessa Mafalda”, che ormai el zera famoso come el pì grande barco de passegieri de la flota mercante italiana. Con pì de vent’ani e sensa manutenssion recente, el se destrusse nel 1927 soto le coste brasiliane, tra Bahia e Rio de Janeiro, quando el fasea el so ùltimo viàio transoceànico prima de esser demolì. Oficialmente ghe zera 600 morti, su un totale de 1.259 passegieri, in gran parte emigranti dal Piemonte, Liguria e Veneto. Con el regime fascista, al’inìssio i ga provà a dir che ghe zera "solo" 300 morti, ma dopo i ga confirmà che i zera 600, con un total reale de 658 morti. Un vero masselo.