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terça-feira, 12 de agosto de 2025

A Jornada de Giuseppe: Um Conto Inspirado na Realidade dos Emigrantes Italianos


 

A Jornada de Giuseppe 

Um Conto Inspirado na Realidade dos Emigrantes Italianos


Capítulo 1: A Partida

Em 1878, a pequena vila de Montelupo, na Toscana, respirava um ar pesado de desesperança, embora o sol ainda iluminasse as colinas verdejantes ao redor. Giuseppe Bertolino, um camponês de 22 anos, conhecia bem cada pedaço daquela terra — uma herança ancestral que parecia, a cada ano, produzir menos do que sustentar sua família. O solo, antes generoso, já não dava as colheitas que garantissem a sobrevivência; a pobreza era uma sombra que se alongava sobre os campos e as mesas vazias. O pai de Giuseppe, Vittorio, envelhecia entre mãos calejadas e olhares de resignação, enquanto seu filho jovem sentia o peso do futuro desmoronando diante dos olhos. A Toscana que Giuseppe amava não podia mais conter seus sonhos nem oferecer segurança. As cartas, os relatos e as vozes dos que haviam partido para as Américas contavam de uma terra distante onde a terra era vasta e fértil, onde o trabalho árduo poderia finalmente ser recompensado com dignidade. Essas histórias se entrelaçavam com as imagens que Giuseppe guardava na mente — campos intermináveis sob um céu diferente, um futuro possível que não carregava o odor da pobreza e da desesperança. Decidido a buscar um destino que não encontraria em Montelupo, Giuseppe vendeu o pouco que tinha. A quantia obtida foi tudo que possuía para comprar a passagem num vapor abarrotado que partia do porto de Gênova rumo ao Brasil. Ao deixar sua vila, ele carregava consigo um pequeno saco com sementes de trigo, presentes do pai, não apenas para plantar em terras novas, mas como um emblema da continuidade e da memória, da raiz que ele não poderia jamais abandonar. A travessia do Atlântico foi um teste cruel à sua resistência física e mental. O vapor, um casulo apertado de corpos, esperanças e medos, balançava sob a imensidão do oceano, enquanto o ar pesado e o convívio próximo obrigavam Giuseppe a enfrentar a solidão e o desconforto com uma força silenciosa. A dura rotina dos dias e das noites naquela embarcação não apagava, contudo, o brilho de sua esperança — o sonho de que, do outro lado do mar, a terra o acolheria, e dali surgiria uma nova vida. Giuseppe desembarcou no Brasil com o mesmo olhar firme que havia deixado Montelupo, um jovem moldado pelo passado, mas voltado para o futuro. Na bagagem, não trazia mais do que roupas surradas e aquelas sementes de trigo, mas dentro dele carregava a promessa de um recomeço e a coragem dos que não se rendem às circunstâncias. A vastidão daquele novo mundo era um desafio e uma oportunidade, e Giuseppe, como tantos outros imigrantes, iria escrever sua história sob um céu desconhecido, mas com as mãos firmes no arado e o coração cheio de esperança.


Capítulo 2: A Chegada ao Novo Mundo

Após uma longa e penosa travessia pelo Atlântico, Giuseppe desembarcou finalmente no porto de Santos, em um fim de tarde abafado que anunciava o calor constante do interior paulista. A agitação do cais, com suas vozes misturadas e o aroma intenso do café recém-descarregado, contrastava profundamente com a quietude melancólica das colinas toscanas que ele deixara para trás. Ali, entre o burburinho e o vaivém dos carregadores, Giuseppe sentiu o peso da nova realidade que começava a se impor. Logo foi levado por representantes de grandes fazendas de café para o interior de São Paulo, onde vastos cafezais se estendiam como um mar verde sob o sol abrasador. As promessas feitas antes da partida, pintando imagens de trabalho digno, casas confortáveis e uma vida próspera, se revelaram miragens frente à dureza do cotidiano. A plantação era um império sob o sol implacável, mas os trabalhadores eram tratados como peças descartáveis naquela engrenagem. Giuseppe passou a enfrentar jornadas que começavam antes do amanhecer e só terminavam quando a escuridão engolia o horizonte, suas mãos calejadas agarradas aos galhos do café, seu corpo exaurido pela labuta contínua. A alimentação que lhe era destinada mal saciava a fome e quase nunca continha os nutrientes básicos para restaurar as forças perdidas. As refeições, frequentemente racionadas e de qualidade precária, tinham sabor de resignação e sede insaciável. O alojamento, um casebre de tábuas mal pregadas, oferecia pouca proteção contra o frio das noites úmidas ou o calor sufocante do dia. O chão de terra batida, as paredes finas e a ausência de conforto refletiam a negligência com que os imigrantes eram tratados, vistos apenas como mão de obra barata e temporária. Com o passar das semanas, a saúde de Giuseppe começou a declinar. A tosse que surgira discreta nas primeiras noites foi se tornando constante, rasgando-lhe o peito com uma sensação de fogo e frio. A fadiga acumulada somava-se à ausência de cuidados médicos, e o corpo antes vigoroso cedia aos efeitos da exaustão e da desnutrição. Ainda assim, havia algo indomável naqueles olhos castanhos que miravam o horizonte distante: a esperança. Era essa esperança que mantinha Giuseppe de pé, que o fazia resistir à brutalidade do trabalho e às condições adversas. Ele sabia que o sacrifício era o preço para a construção de um futuro, para que um dia pudesse possuir uma terra própria e colher o fruto de seu esforço. Cada gota de suor derramada nos cafezais era uma semente plantada não só no solo estrangeiro, mas também no terreno da perseverança humana. E assim, mesmo enfraquecido, Giuseppe continuava, como muitos imigrantes antes dele e tantos que viriam depois, a erguer, com suas mãos calejadas e seu coração firme, o sonho silencioso de uma vida melhor.

Capítulo 3: O Retorno

Após anos marcados por um labor incessante e por doenças que se tornaram companheiras constantes, Giuseppe Bertolino tomou a dolorosa decisão de retornar à Itália — um retorno que mais parecia uma fuga, um gesto desesperado de quem já não encontrava forças para continuar. O chamado do lar, da terra natal e das memórias, misturava-se à exaustão profunda que corroía seu corpo. A partida do Brasil foi silenciosa, mas pesada, como se cada passo em direção ao navio carregasse o peso de uma vida inteira de esperanças frustradas. A travessia que antes fora uma promessa de novos horizontes agora se apresentava sob um manto sombrio. Giuseppe observava ao redor inúmeros companheiros de viagem, rostos marcados pela desnutrição, corpos encolhidos pela doença, olhares perdidos que denunciavam o cansaço extremo e, em alguns casos, o desespero do delirium. Aquela multidão de emigrantes exaustos parecia carregar o silêncio das batalhas travadas contra a terra estranha, o trabalho pesado, as enfermidades que ceifavam a vitalidade e corroíam os sonhos. Ao chegar ao porto de Gênova, Giuseppe foi rapidamente encaminhado a um hospital público, um lugar frio e impessoal, onde o peso da miséria e da doença se acumulava nas paredes desgastadas e nos corredores silenciosos. Ali, os médicos diagnosticaram o que ele já pressentia, mas que o temor tornava quase inaudível: tuberculose, a “peste branca” que naqueles tempos ainda era sinônimo de sentença, especialmente para quem não tinha recursos nem proteção. Giuseppe estava só. A família que deixara em Montelupo, distante e sofrida, não tinha meios para ampará-lo. Sem dinheiro e debilitado, enfrentou seus últimos dias em um leito frio, rodeado pelo ruído abafado dos outros pacientes e pela austeridade de uma doença que não poupava. As lembranças da infância, das colinas verdejantes e do sol brando da Toscana, tornavam-se uma presença cada vez mais vívida e dolorosa em sua mente, um contraste cruel com a realidade que o cercava naquele quarto sombrio. Naqueles momentos finais, a esperança que antes o impulsionara a cruzar oceanos parecia se diluir em silêncio. A história de Giuseppe, como a de tantos imigrantes esquecidos, não se concluiu com a conquista da terra prometida, mas com a resignação diante dos limites humanos, e a amarga consciência de que, às vezes, os sonhos maiores se perdem no caminho, entre a luta e a dor, sob o céu distante de uma terra que jamais se esquecerá do esforço e da coragem dos que partiram em busca de uma vida melhor. 


Nota do Autor


A presente narrativa, embora construída em torno de personagens e eventos fictícios, é profundamente ancorada na experiência verídica de inúmeras vidas que, como Giuseppe Bertolino, cruzaram o Atlântico em busca de esperança e dignidade. A saga de tantos emigrantes italianos que deixaram suas terras natais para enfrentar os desafios do Brasil no final do século XIX e início do século XX é marcada por contrastes dolorosos: o ímpeto corajoso de recomeçar e a crua realidade das adversidades que esmagaram corpos e sonhos.

É importante ressaltar que os nomes e locais aqui apresentados foram criados para dar forma literária a uma história comum a muitos, cuja veracidade está nos relatos históricos, cartas, documentos e memórias orais passadas de geração em geração. Milhares partiram fortes e cheios de vida, e não raro retornaram frágeis, doentes, muitas vezes quase inválidos — ou, tragicamente, nem retornaram, deixando para trás não só terras estrangeiras, mas também a juventude e a esperança de um futuro melhor.

Esta obra pretende, portanto, homenagear todos aqueles que, por infelicidade ou destino, viram seus sonhos interrompidos e suas vidas marcadas pela dureza da emigração, do trabalho extenuante e das doenças que se abateram sobre eles longe de casa. Através do exemplo de Giuseppe, procuramos dar voz a esses milhares de anônimos, cuja coragem e sofrimento foram pedras fundamentais para a formação das comunidades brasileiras que hoje preservam com orgulho suas raízes italianas.

Que este conto sirva para lembrar que a imigração é muito mais do que uma simples movimentação geográfica: é uma história humana de renúncias, perdas e, acima de tudo, de resistência. E que o reconhecimento dessa história é um ato de justiça e gratidão para com aqueles que, mesmo diante das adversidades mais extremas, nunca abandonaram o sonho de uma vida digna.



segunda-feira, 4 de novembro de 2024

El Ritorno che no’l è mai Sucesso



El Ritorno che no’l è mai Sucesso


A la fin del XIX sècolo, l’Itàlia la passava ‘na de le fasi pì dure de la so stòria. La unità del paese, che l’era stà fata ´ntel 1861, la gavea portà tante promesse de prosperità, ma che no ze mia concretisà par la maior parte de la popolassion, specialmente par quei che i vivea in campagna. La region del Véneto, ndove che se cata la frasion de Onigo, ´ntel comune de Pederobba, l’era una de ‘ste zone. La situassion de la vita l’era molto difìssile: l’agricultura, che fasea parte de la base de l’economia local, l’era in crisi par via soratuto de la framentasion de le tere, la mancansa de inovassion e el fato che la tera no la rendea pì come ‘na volta. El risultato l’era una produssion che no bastava par dar de magnare e la populassion che continuava a crescer.

Ancora, le nove tasse imposte dal novo goerno italiano ´l comprometeva anca de pì ai contadini, che già i fasea fatica a tirare avanti. El sistema de afito de le terre l’era opressivo, e i contadini i se trovava spesso con dèbiti con el signor de le tere, sensa mesi par sostentar la so famèia. La fame, la misèria e la disperassion i fasea parte de la vita de ogni zorno, portando tanti a pensar che ´ndar via e emigrar el fusse l’ùnica strada par scampare da ‘sta cruda realtà.

L’era in ‘sto contesto che Doménego e Luigia, con i so fiòi Angelo, de sei ani, e Maria Augusta, de quatro, i ga fato la dura dessision de lassar la so tera. Con lori, ghe saria ´ndà anca la mama de Luigia, la siora Assunta, na vedova de 57 ani che, no-stante l’età avansada par l´època, la zera decisa de ´ndar con la so famèia ‘nte ‘sta via incerta. Assunta la gavea perso el marì par colpa de la stessa povertà che la ghe costringeva adesso a partir. La casa modesta in cui lori i vivea, fata con le piere de la tera stessa, no l’avea pì forsa de darli riparo da la fame e dal incerto futuro.

Doménego, un omo robusto e de poche parole, el savea ben che emigrar volea dir lassar tuto quel che conosea. Ma el mal de veder i so fiòi magnar sempre meno l’era pì forte de la paura del sconossuo. Luigia, na dona forte e molto legada a la so famèia, la capia ‘sto dolor e la stessa speranza. Par Assunta, lassar l’Itàlia volea dir lassar par sempre le memòrie de ‘na vita intera, ma la no se ghe podea portar a star lontan da la so fiola e dai so cari nevodi.

Nel 1890, con el cor in man e la coragia nassesta dal bisogno, la famèia la partì da Onigo, ‘na frasion del comune de Pederobba. Lori i ga vendù quel poco che ancor i gavea e con quei pochi schei i ga catà i biglieti de nave par el Brasile. El destino l’era Curitiba, la capital del stato del Paraná, ‘na tera sconossua ma piena de promesse. La traversada del Atlántico l’era longa e stancante. La nave Adria, piena de altri migranti italiani che anca lori scampava da la misèria, gera un spàsio de speransa, ma anca de paura e incertessa.

Lori i ga rivà a Curitiba, la capital del Paraná, dopo setimane de viàio. La sità, che la gera ‘nte pien espansion, la gera un misturo de culture e nassionalità, con ‘na comunità italiana che la cresceva ogni dì de pì. Con quei schei che Doménego el gavea portà fruto de la venta de la picola casa e qualcossa altro, el ga ciapà un loto de tera a la Colònia Dantas e el ga scominssià da laorar pian pian, ripartendo da quel che el conosséa mèio: la tera. La natura rica e el clima del Paraná i ghe dava condission bona par coltivar, e col tempo la famèia la ga ricominssià la so vita.

Ma no-stante le nove oportunità e ‘na stabilità quasi segura, el cuor de Doménego e Luigia no l’è mai stà lìbaro da l’Itàlia. El sònio de tornar a la so tera, de caminare ancora par le strade de Onigo, el restava vivo, alimentà dai ricordi e da la nostalgia. Lori i parlava ai fiòi, Angelo e Maria Augusta, de l’Itàlia, tentando de tegner viva la conession con le so radisi. Anca Assunta la continuava a contar stòrie de la so gioventù, de le feste paesane, de le vendemmie e de le persone che lei gavea lassà drìo.

I ani i passava, e con lori anca la vita a Curitiba la se fasea sempre pì radicada. Angelo e Maria Augusta i cresceva, integrandose pian pian inte la cultura brasiliana, ma sempre tenendo caro ´ntel cuor le stòrie de i so genitori su l’Itàlia. Doménego, che el inveciava laorando la tera, e Luigia, che no l’ha mai abandonà la so forsa, lei i ga visto i so fiòi formar le so proprie famèie in Brasile. Ogni ano che passava, el ancioso ritorno a l’Itàlia el diventava sempre meno probabile, e el sònio de tornar el se fasea pian pian più dèbole.

Assunta, la matriarca de la famèia, l’è stà la prima a ‘ndar. La ze morta in pase, circondà da i so cari, ma sensa mai riveder la so tera natale. La so morte la ga segnà profondo la famèia, specialmente Luigia, che la sentiva el peso de la dessision de emigrar e el sònio mai realisà de tornar. Doménego, da parte sua, el ga continuà a laorar fin che el podéa, sempre con el sguardo fisso verso l’orisonte, dove che el se imaginava le montagne del Véneto.

A la fine, el "ritorno mai sucesso" no l’è stà un falimento, ma pì tosto ‘na asseptassion de le realtà de la vita. El Brasile el se fasea el novo lar de la famèia, ‘na tera dove che i sòni de prosperità i ga trovà la so realisassion, anca se quel de tornar a l’Itàlia no l’è mai sucesso. Angelo e Maria Augusta, adesso grandi, lori i continuava a viver a Curitiba, passando ai so fiòi l’eredità de le so radisi taliane e la stòria de i so genitori, che, in serca de na vita mèio, i ga catà un lar in ‘na tera lontana.

La stòria de Doménego, Luigia, Assunta, Angelo e Maria Augusta la ze na fra tante altre, de famèie che, in serca de scampare a la povertà, i ga lassà l’Itàlia con la speransa de tornar, ma che a la fine lori i ga trovà casa in nove tere. El ritorno no l’è mai sucesso, ma la nova vita che lori i ga costrui a Curitiba, con el so duro laoro e la determinassion, la ze el vero legado che i ga lassà par le generassion future.




segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O Retorno que Nunca Aconteceu

 


O Retorno que Nunca Aconteceu


No final do século XIX, a Itália atravessava uma das fases mais difíceis de sua história. A unificação do país, ocorrida em 1861, trouxe consigo promessas de prosperidade que não se concretizaram para a maioria da população, especialmente para os habitantes das áreas rurais. A região do Vêneto, onde se encontrava a fração Onigo, no comune de Pederobba, era uma dessas áreas. A situação socioeconômica era sombria: a agricultura, que constituía a base da economia local, estava em crise devido à fragmentação das terras, à falta de inovação e à exaustão do solo. O resultado era uma produção insuficiente para alimentar a crescente população.

Além disso, as novas políticas fiscais do governo italiano pressionavam ainda mais os camponeses, que já lutavam para sobreviver. O sistema de arrendamento de terras era opressor, e os camponeses frequentemente se viam endividados, com poucos recursos para sustentar suas famílias. A fome, a miséria e a desesperança permeavam a vida diária, levando muitos a considerar a emigração como a única saída para escapar dessa realidade cruel.

Foi nesse contexto que Domenico e Luigia, junto com seus filhos Angelo, de seis anos, e Maria Augusta, de quatro, tomaram a difícil decisão de deixar sua terra natal. Com eles, iria também a mãe de Luigia, a senhora Assunta, uma viúva de 57 anos que, apesar de sua idade avançada, estava determinada a acompanhar a família nessa jornada incerta. Assunta havia perdido seu marido para a mesma pobreza que agora os forçava a partir. A casa modesta em que viviam, construída com as pedras da própria terra, já não oferecia abrigo contra a fome e a incerteza do futuro.

Domenico, um homem forte e de poucas palavras, sabia que a decisão de emigrar significava abandonar tudo o que conheciam. No entanto, o desespero de ver seus filhos passarem fome era maior do que o medo do desconhecido. Luigia, uma mulher resiliente e profundamente ligada à sua família, compartilhou da mesma dor e da mesma esperança. Para Assunta, deixar a Itália era deixar para trás as memórias de uma vida inteira, mas ela não podia suportar a ideia de se separar da filha e dos netos.

Em 1890, com os corações apertados e a coragem forjada pela necessidade, a família partiu de Onigo, uma " frazione" do município de Pederobba. Venderam o pouco que possuíam e, com o dinheiro reunido, compraram passagens de navio para o Brasil. O destino era Curitiba, capital do estado do Paraná, uma terra desconhecida, mas cheia de promessas. A travessia do Atlântico foi longa e exaustiva. O navio Adria, abarrotado de outros imigrantes italianos que também fugiam da miséria, era um espaço de esperança, mas também de medo e incerteza.

Chegaram a Curitiba, a capital do estado do Paraná, após semanas de viagem. A cidade, em pleno processo de expansão, era um caldeirão de culturas e nacionalidades, com uma crescente comunidade italiana. Domenico com as economias obtidas com a venda da pequena casa onde moravam e de alguns poucos bens, adquiriu um lote de terra na Colônia Dantas, e encontrou trabalho plantando na sua propriedade, onde pôde, finalmente, retomar a vida que conhecia, embora em uma terra estrangeira. A natureza exuberante e o clima do Paraná ofereciam condições favoráveis para o cultivo, e, aos poucos, a família começou a reconstruir sua vida.

No entanto, apesar das novas oportunidades e da relativa estabilidade, o coração de Domenico e Luigia nunca se desprendeu completamente da Itália. O sonho de retornar à sua terra natal, de caminhar novamente pelas ruas de Onigo, permanecia vivo, alimentado pelas lembranças e pela saudade. Eles falavam da Itália com os filhos, Angelo e Maria Augusta, tentando manter viva a conexão com suas raízes. Assunta, por sua vez, continuava a contar histórias de sua juventude, das festas, das colheitas e das pessoas que haviam deixado para trás.

Os anos passaram, e com eles, a vida em Curitiba se tornou cada vez mais enraizada. Angelo e Maria Augusta cresceram, integrando-se à cultura brasileira, mas sempre carregando em seus corações as histórias de seus pais sobre a Itália. Domenico, que envelheceu trabalhando a terra, e Luigia, que nunca abandonou sua força de espírito, viram seus filhos formarem suas próprias famílias no Brasil. A cada ano que passava, o retorno à Itália se tornava menos provável, e o sonho de voltar foi, aos poucos, se desvanecendo.

Assunta, a matriarca da família, foi a primeira a partir desta vida. Morreu em paz, cercada por seus entes queridos, mas sem nunca ter visto novamente sua terra natal. Sua morte marcou profundamente a família, especialmente Luigia, que sentiu o peso da decisão de emigrar e o sonho não realizado de retornar. Domenico, por sua vez, continuou a trabalhar até o fim de seus dias, sempre com o olhar voltado para o horizonte, onde imaginava as montanhas do Vêneto.

No final, o "ritorno mai avvenuto" não foi um fracasso, mas sim uma aceitação das realidades da vida. O Brasil se tornou o novo lar da família, uma terra onde os sonhos de prosperidade se concretizaram, mesmo que o sonho de retornar à Itália nunca se realizasse. Angelo e Maria Augusta, agora adultos, continuaram a viver em Curitiba, passando para seus filhos a herança de suas raízes italianas e a história de seus pais, que, em busca de uma vida melhor, encontraram um lar em terras distantes.

A história de Domenico, Luigia, Assunta, Angelo e Maria Augusta é uma entre milhares de outras, de famílias que, em busca de sobrevivência, deixaram a Itália com a esperança de um dia voltar, mas que, ao final, encontraram um novo lar em terras estrangeiras. O retorno nunca aconteceu, mas a nova vida que construíram em Curitiba, com trabalho árduo e determinação, é o verdadeiro legado que deixaram para as gerações futuras.



quarta-feira, 17 de abril de 2024

Além do Horizonte: A Viagem de Retorno


 

Em uma das muitas jornadas do navio a vapor Carlo R, da renomada companhia de navegação Carlo Raggio, uma família italiana embarcou rumo ao desconhecido horizonte do Brasil. Pietro e Maddalena, com seus três filhos Giacomo, Aurora e Giovanni Battista, estavam repletos de esperança e expectativas enquanto deixavam para trás sua terra natal, Nápoles, no dia 27 de julho de 1893.
O Carlo R., com seus 101 metros de comprimento e 13 metros de largura, era uma relíquia adaptada às pressas para o transporte de passageiros em meio ao auge da emigração italiana. A bordo, cerca de 1.400 almas se amontoavam em condições precárias, uma situação agravada pela epidemia de cólera que assolava Nápoles naquele ano.
No quarto dia de viagem, o temor se concretizou quando um caso da doença surgiu a bordo. Ao invés de retornar ao porto de origem para tratamento adequado, o comandante optou por continuar a travessia, ocultando a gravidade da situação das autoridades locais. O resultado foi uma rápida propagação da epidemia entre os passageiros, transformando o navio em um verdadeiro inferno flutuante.
Quando o Carlo R. finalmente alcançou o porto do Rio de Janeiro, juntou-se a outros navios italianos igualmente atormentados pela tragédia. O Remo e o Vicenzo Florio compartilhavam do mesmo destino sombrio, com mortes a bordo e uma carga humana enferma.
Diante da ameaça de uma epidemia em território brasileiro, as autoridades decidiram não permitir o desembarque dos passageiros. Os navios foram escoltados para uma distante região próxima à Ilha Grande, onde passaram por desinfecção e reabastecimento.
Enquanto aguardavam uma decisão final, a angústia se instalava entre os passageiros, incluindo a família de Pietro e Maddalena. A incerteza do futuro pairava sobre eles como uma sombra constante.
Após semanas de espera, a ordem finalmente chegou: retornar à Itália. O procedimento padrão internacional para casos semelhantes exigia que os navios regressassem com sua carga humana. Para Pietro e Maddalena, era um retorno amargo, marcado pela dor das perdas sofridas durante a travessia e pela incerteza do que encontrariam ao voltar para casa.
Anos depois, em um tribunal italiano, o comandante do Carlo R. e a companhia responsável foram julgados e condenados pelas mortes ocorridas naquela fatídica viagem. No entanto, para Pietro e Maddalena, as cicatrizes daquela tragédia nunca desapareceriam completamente, permanecendo como testemunhas silenciosas de uma jornada marcada pela dor e pela perda.